- O que está acontecendo? – Ainda ofegante Raquel entra no hospital à procura de informações.
- Como vai senhora, eu sou o Doutor Vargas. Não sabemos o que
está acontecendo, ele ficou agitado, começou a gritar, então resolvemos
chamar à senhora – Oito horas da manhã de uma segunda-feira.
- Não sei o que fazer Doutor, ele parecia estar em estado de coma.
Não sei se poderei ajudá-los, deixei meu filho na escola e tenho que ir
para o trabalho.
- Vá até a sala de visitas que o levaremos até a senhora.
Raquel começou a caminhar pelos corredores da ala psiquiátrica do
hospital. As paredes brancas guardavam vidas presas em universos
particulares formados pela mente de cada interno. No final do corredor
uma sala tomada por grandes janelas mantinha em cada canto de parede e
em seu centro um par de sofás para duas pessoas, voltados uma de frente
para a outra, com uma mesa de centro os separando. Na entrada da sala um
enfermeiro conduziu Raquel até um canto da sala onde foi acomodada em
um sofá. Passado alguns minutos o enfermeiro voltou acompanhado de um
interno. Raquel não escondeu a sua surpresa, o seu marido há muitos anos
não se movia. O enfermeiro colocou o marido de Raquel sentado a sua
frente. O silêncio tomou a sala. Raquel olhava assustada para Rogério
que não esboçava nenhuma reação. O enfermeiro saiu do lado de Rogério e
caminhou até a saída da sala:
- Não deixe de levar Marcelo para o judô hoje depois da escola. –
Raquel ficou assustada, após escutar as palavras de Rogério. Depois de
um silêncio absoluto, ele resolve falar e sobre um assunto que não
deveria saber.
- Como você sabe que Marcelo está no judô?
- Não deixe de levar Marcelo para o judô hoje após a escola. –
Raquel procurava dialogar com Rogério, entretanto a mesma frase se
repetia minuto a minuto.
Rogério saiu do local onde se encontrava, pulou sobre Raquel. Bastou um
grito para que o enfermeiro entrasse na sala e controlasse a situação.
Raquel correu pelos corredores, se apressou em sair do hospital.
Entrou no carro e seguiu em direção de sua casa. As palavras de seu
marido não lhe saiam da cabeça.
Marcelo sempre saia da escola e ia para o judô com os colegas em
uma condução comunitária e ela ia para o seu consultório. Neste dia ela
teria um dia agitado, com uma grande quantidade de material em seu
porta-malas. Entretanto após escutar as recomendações de seu marido, que
há muito tempo não saía da cama, ela resolveu ir até a escola de seu
filho.
O relógio marcava 11:40h, Raquel esperava por Marcelo desde às
09:00h quando as portas se abriram e seu filho começou a caminhar até a
calçada:
- Mãe o que você faz aqui, tá me envergonhando!
- Eu vou te levar para o judô.
- Mas mãe, eu vou com os amigos. Almoço com eles!
- Hoje eu vou te levar.
- Mas mãe...
O filho de Raquel entrou no carro de sua mãe enquanto os colegas
entraram na condução comunitária. Dentro do carro silêncio total e um
garotinho com cara emburrada. Raquel resolveu seguir a condução dos
colegas de Marcelo. Passaram alguns minutos para que um dia tranquilo se
transformasse em pesadelo.
A condução comunitária, ao passar em um cruzamento, sofreu uma
batida em sua lateral. O motorista foi jogado para fora. Várias
capotadas e uma batida forte em um poste antecederam ao que faltava de
horror. Crianças penduradas nas janelas sem demonstrar sinais de vida.
Raquel desceu de seu carro, mandou que Marcelo não saísse. O garoto
impaciente saltou do veículo e seguiu a mãe. Marcelo pode ver a sua mãe
atendendo seus colegas que, aos poucos eram retirados da viatura e
colocados no chão. As horas se passaram como minutos e Raquel foi
substituída por médicos do atendimento de emergência.
Cansada, levantou a cabeça procurando Marcelo. Depois de olhar em
sua volta pode ver ao longe um homem ajoelhado falando com seu filho.
Raquel levantou desesperada. Aparentemente seu filho estava sendo
privado de deslocamento. O homem ao lado de seu filho se levantou.
Raquel gritou apavorada. Marcelo gesticulou como a se despedir, da mesma
forma o homem que o acompanhava. Marcelo seguiu em direção a sua mãe e o
estranho seguiu para o outro lado:
- Marcelo, como você pôde parar e ficar falando com um estranho!
- Raquel não continha a sua raiva enquanto falava com Marcelo.
- Mãe, era apenas o papai se despedindo. Ele me falou que estava partindo e que queria se despedir.
Raquel ficou desorientada. Colocou Marcelo no carro e voltou para
casa. Ao chegar em casa procurou se certificar de que tudo estava sobre
controle. Mas de sua cabeça não saia as palavras de seu filho sobre o
pai. Raquel pegou o telefone e ligou para a sua irmã. Ela chegou e
ficaria cuidando de Marcelo em sua ausência ao voltar a clinica onde se
encontrava o seu marido.
Raquel chegou a clinica. Desceu do carro e caminhou até a Portaria onde seria atendida pelo profissional na recepção:
- Boa tarde, eu gostaria de falar com o Dr Vargas. – Depois de sua
solicitação a atendente começou a procurar em seu banco de dados a
localização do Dr Vargas.
- Senhora, neste hospital não trabalha nenhum Dr Vargas!
- Mas eu falei com ele hoje de madrugada.
- Desculpe, mas a senhora deve ter se confundido.
- Então eu gostaria de ver o interno Rogério. – Silêncio, novamente iniciou-se uma procura no equipamento.
A recepcionista levantou assustada. Pediu que Raquel a esperasse e se passou alguns minutos para que um médico chegasse:
- Sr Raquel queira me acompanhar - Raquel foi conduzida pelo
corredor do hospital, desceu algumas escadas até ficar de frente com uma
porta – Desculpe Senhora, nós ligamos durante toda a manhã para a sua
casa e não conseguimos contato. O seu marido faleceu nesta madrugada.
A porta se abriu e o corpo de Rogério se encontrava deitado em uma
maca. Raquel se aproximou de seu marido. Chorou se ajoelhou e fez uma
prece. Ao levantar perguntou ao médico sobre a hora do falecimento:
- Duas horas da manhã.
Raquel começou a caminhar pelo hospital. Teve que assinar alguns
papeis e tratar com o serviço funerário. Mas em sua cabeça não saia a
visão dos eventos. O encontro com seu marido às oito da manhã, a
conversa com o Dr Vargas, o encontro de seu marido com seu filho às nove
e meia da manhã e o conselho que recebera. Como se perdesse o controle
de suas pernas, Raquel caiu no chão. Uma mão se estendeu para ajudá-la.
Um velho senhor vestindo um macacão do hospital a olhou carinhosamente,
lançando-lhe um ar de tranquilidade e esperança. Ao olhar melhor Raquel
percebeu que na identificação do Sr constava o nome Vargas. Ela tentou
interrogar o Sr, mas ele se afastou. Ao tentar segurar na blusa do
homem, uma pessoa que passava, que conduzia duas crianças, segurou a sua
mão:
- Não se preocupe tudo está resolvido, são apenas missões e está é a
minha, somos apenas crianças que crescem. Todos temos um momento certo
para partir – Raquel olhou atentamente para a mulher que lhe falava até
que ela se afastou, levando as duas crianças e sumiu em um círculo de
luz.
Fim.
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