A
doce menina Dora caminhava entre a terra suja e desolada daquele
cemitério de outro mundo. A garota encantadora, jamais viu a luz do sol,
ou o azul do mar. Sua realidade era aquela, conviver com um vasto
horizonte de apenas terra e corpos em decomposição. Sim, corpos. A cada
passo dado por Dora, significava um cova aberta. A garota adorava
colocar uma flor em cada sepulcro. Apesar de viver sozinha com aquela
insana espécie de “felicidade”, ela tinha sonhos como todas as meninas
da sua idade. Sonhava em um dia conhecer o tal homem que plantava
incessantemente aqueles corpos pelo chão. Desde jovem foi abandonada
naquele inferno e aprendeu a se alimentar da carne pútrida dos mortos. E
neles também buscou companhia, e os contemplava com lindas rosas
vermelhas, plantadas por ela mesma e postas sobre cada corpo, em cada
cova aberta. Alguns dos defuntos chamavam a atenção de Dora, ela os
tratava como amigos e sempre conversava com eles. Quando os mortos
começavam a ficar fétidos demais, ela os enterrava e cravava uma pedra
esbranquiçada sobre o túmulo, na mesma a menina escrevia poesias
mórbidas sobre cada um de seus amigos em decomposição, escrevia em punho
de seu próprio sangue, profanava versos negros e sem esperanças:
“Moro em um mundo obscuro,
Aqui jazem tantas vidas...
Ouço o cântico agonizante,
das almas que vagam perdidas.”
Certo
dia, a jovem menina de 16 aninhos, caminhava saltitante sobre as covas
rasas, corria tentando pegar uma linda borboleta que alegrou seu dia.
Parou quando avistou um homem cavando mais um sepulcro. Logo seu coração
gelou e suas mãos ficaram trêmulas, foi a primeira vez que Dora sentira
medo na vida. Afinal mesmo vivendo entre os mortos ela não desejara
aquilo para si mesma. O velho homem terminava de cavar mais uma cova
quando notou a menina a sua frente. O maldito insano a olhou nos olhos e
singelamente lhe chamou para ajudá-lo. No fundo o apanhador de corpos
não acreditava que naquele mundo pudesse haver alguma vida. Apenas ele
tinha acesso ao mundo paralelo. Aquela menina o intrigava... Como chegou
ali, quem seria ela? Mesmo com dúvidas decidiu não perguntar, apenas
faria o que seu instinto maligno mandasse.
E Dora assustada e alegre ao mesmo tempo, caminhou em direção ao
assassino, caminhou sem saber das maldades que ele já havia feito em
toda sua vida. Ao se aproximar a garota foi pega com violência pelos
braços. O homem malévolo sem dó arremessou a menina na cova junto ao
defunto que ele mesmo havia assassinado horas antes. Dora em estado de
choque cravava suas unhas na terra úmida, na esperança de sair logo
dali. Lá de cima seu futuro assassino já a olhava sorridente e
saciava-se com a ideia de matá-la, e o fez. Com a pá o desgraçado pulou
na cova e começou a massacrar de pancadas a menina indefesa. E Dora com o
sangue escorrendo de sua testa, viu seu sonho se tornar um pesadelo, o
homem que ela achava que seria seu amigo, na verdade era o seu
assassino. Inúmeros golpes atingiram a garota, Dora golfava sangue em
abundancia, o assassino parou e observou os últimos minutos de vida da
menina. A pobre garota sofria com as dores horrendas, já não conseguia
gritar com o sangue lhe afogando. Em um ato de misericórdia o infeliz
acabou com seu sofrimento, cravou a faca firmemente em sua jugular.
Decretando assim o fim da menina que caminhava entre os mortos.
Lucios o assassino, olhou o corpo da menina estirado no chão e sentiu um
frio lhe percorria a espinha, de súbito teve uma leve visão. Teria ele
que derramar o seu sangue no corpo da menina e proferir um ritual em
homenagem à “escolhida”. Mesmo sem entender Lucios o fez. Enquanto
iniciava o ritual, lembranças de seu passado vieram à tona. Lembrou-se
de seu primeiro velório, foi o de seus pais. Mortos com crueldade em sua
frente. Desde então o garoto enlouqueceu e se apaixonou por enterrar
seus cadáveres. Aos trinta anos de idade o maníaco já havia matado e
enterrado mais de cento e vinte vítimas. E quando foi pego e morto, sua
alma vagou no inferno e Lucios renasceu como metade homem e demônio,
andado em terra e matando aqueles que estavam condenados ao pecado. A
alma dos impuros era arrastada ao inferno. E nesse mundo paralelo,
Lucios enterrava seus defuntos. Adotou aquele local como seu jardim de
cadáveres. Esse era seu prazer, cavar o sepulcro de cada vítima que
morrera por suas mãos.
Por
fim, Lucios saiu de seu transe e retomou a realidade. Empunhou sua faca
e cravou a mesma em seu antebraço. O sangue escorreu e pingou no
cadáver de Dora, adentrando por sua boca. Ventos frios tomaram conta do
ambiente, e uma névoa obscura rondou o corpo da menina. Um fenômeno
ocorrera, e ao longo do tempo aquela mesma névoa negra, foi
transformando a doce menina em uma mulher consumada. Seu corpo se
esticou e sua pele envelheceu, o cadáver da menina se tornou o cadáver
de uma mulher de aproximadamente 30 anos. Lucios sentiu uma força
maligna rasgar o chão e possuir o corpo de Dora. Com um gemido de
libertação e olhos ricos em tonalidade vermelha, Dora renasceu assim
como Lucios, metade mulher e metade demônio.
Dora atordoada cravou suas unhas na terra e sem esforço a mulher
conseguiu sair da cova rasa. Após bater a terra de seu corpo, Dora
encarou a face de seu assassino. Respirou fundo e cuspiu a terra e o
sangue de sua boca e o perguntou.
- Quem és tu homem, que planta estes corpos no chão? – Porque fez isto comigo.
Lucios permaneceu calado... Passou a mão em sua testa e respondeu.
-
Por enquanto é melhor você ficar calada. Apenas farei meu trabalho e
seguirei com vosso destino. Apenas siga-me e aprenderá comigo o
necessário para agradar a eles.
- Eles quem... – Perguntou Dora sentindo Lucios agarrar suas mãos – O que está fazendo!
O
Demônio a olhou firme nos olhos, Dora entendeu o recado, e juntos
caminharam até uma sombra repleta de espíritos que envolveu o casal. Os
dois foram arrastados para fora do mundo paralelo. E ao abrir os olhos,
Dora viu um novo mundo, olhou pela primeira vez o céu azul, sentiu um
chão firme e um cheiro de poluição no ar, olhou suas vestes limpas e
face impecável, notou Lucios em belos trajes ao seu lado. Tudo era novo
para menina Dora, agora uma mulher bela e com poderes malignos. Lucios
teria que libertar a maldade naquele coração ainda gentil de Dora, que
há pouco tempo tratava os mortos com carinho.
O
homem regia os passos caminhando com ela até uma casa perto da cidade. E
no caminho Dora olhava os pássaros e as pessoas a sua volta, mal
conseguia se equilibrar em seu salto alto. E quando passou por uma
praça, uma das mulheres que conversava em uma roda de amigas olhou Dora e
deu gargalhadas, notando a mesma tropeçar e quase cair. Dora a olhou
insana e cheia de ódio no rosto rogou uma praga para a mesma. No mesmo
instante a debochada mulher parou com a risada e chamou à atenção de
suas amigas, ambas notaram que o rosto dela começou a inchar e a golfar
sangue, a mulher segurava seu pescoço em um ato de desespero, como se
estivesse tentando se libertar de alguém. Era o demônio enviado por
Dora, sufocando-a e acabando com sua graça. A mulher caiu desvairada no
chão. Suas amigas olhavam estagnadas ao vê-la sufocar e morrer
rapidamente. Gritavam por ajuda e logo uma multidão de curiosos se
amontoou em volta do cadáver. E Lucios riu, riu e gargalhou por ter presenciado a primeira maldade de Dora na terra.
Continua..............
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