Ontem, atravessando a rua, esbarrei com uma daquelas pessoas que você
nem se lembra onde conheceu e tem que se esforçar para lembrar o nome.
Era algo como Bianca ou beatriz. Poderia também ser bruna. Tanto faz. Ela
sorriu e perguntou trivialidades de respostas automáticas como “tudo
bem?” e “como vai o trabalho?”. Retribuí todos os seus sorrisos e
respondi cordialmente as perguntas vazias, embora não tenha me estendido
no chatíssimo papo de elevador, mas então ela me fitou por alguns
segundos como quem quase hesita, quase trava, mas algo a fez mudar de
ideia e eu sabia o que viria depois disso. E veio. Ela me perguntou
sobre você.
Eu não estava preparado. Na verdade confesso que nunca estive. Como
se preparar para dizer em voz alta o que tenho negado para mim mesmo por
tanto tempo? Como olhar nos olhos de alguém, mesmo que um alguém
qualquer, e confessar que sua alma gêmea se foi? E você se foi. Não por
consequência do destino, mas por escolha. E essa é a parte que mais dói.
Essa é a parte que deixo quietinha, no canto mais escuro dentro de mim e
evito mexer, evito reviver, exceto nas madrugadas de insônia – essas
malditas – quando a garganta não segura mais, a cabeça não segura mais,
o coração não segura mais e eu te vomito em pensamentos dolorosos de
saudade e raiva.
E lá estava eu, parado, patético, cansado e mudo, revivendo a sua
ausência, no meio da rua, observando os carros passarem, as pessoas
passarem, a vida passar, implorando calado para que alguém me salvasse
daqueles longos segundos que me esfaqueavam lentamente.
Ninguém veio em meu resgate. As pessoas só se compadecem de quem
sangra. Mas eu sangrava. Dentro da minha casca – agora oca e vazia – que
gentilmente ainda chamo de corpo, eu espirrava sangue, manchando
paredes e memórias. Embora sorrisse, aquele sorriso já nada mais dizia.
Eram só dentes, que antes te mordiam a bochecha, mas que agora
enfileiravam toda a minha agonia da sua inaceitável partida.
Não haviam lágrimas para secar. Não haviam provas a serem
evidenciadas para que aquela quase estranha me deixasse em paz – embora
eu soubesse que palavras como “paz” eram pedidos grandiosos demais – eu
as usava.
Eu queria que o mundo me esquecesse; eu queria poder eu mesmo
esquecer de mim; assim como você me esqueceu. Então me ensina. Me ensina
como apagar as lembranças que diariamente me levam à loucura. Me ensina
como tirar você de tudo o que eu vejo, lembro, sinto. Me ensina como
tirar você de tudo o que eu sou; de tudo o que restou. Me ensina
como não ser mais você; como não ser mais nós. Me ensina como lembrar de
quem eu era antes de você. Me ensina que há um “antes de você”. E
depois ensina eles. Ensina como é não sentir nada. Porque as perguntas
sobre você, meu amigo, um dia elas ainda me matam.
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