Era Natal! Um dia lindo, sem igual. E foi justamente naquele lindo dia
que eu tomei a pior atitude da minha vida. Atitude essa que vou carregar
em minha mente para sempre.
Qual era a minha situação na época? Desempregado, abandonado pela
família, fugitivo do manicômio e o pior... usuário de todas as drogas
possíveis e imagináveis. Com sete passagens pela polícia (todos por
assalto à mão armada) e com o caixa quase zerado, minha vida estava um
verdadeiro inferno!
Sem emprego, roubar era a única forma que eu tinha para conseguir
dinheiro e trocar por drogas. Só que estava difícil até de roubar: os
“home” (polícia) estavam em uma operação de paz na comunidade e eu não
consegui repor a grana que gastei nos últimos dias. Como “cliente
especial”, consegui do chefão uma permissão para levar drogas e pagar
depois. Eu não sabia, mas aquela foi a pior regalia que eu já tive na
minha vida... Pode acreditar!
Passaram-se alguns dias e meu estoque acabou: sem dinheiro, sem drogas.
Mulher e até mesmo amigos eram coisas do passado. Foi aí que as coisas
pioraram.
Já estava sendo cobrado pelo chefão que, após várias tentativas de paz,
foi até meu barraco as seis da manhã, arrombou a porta e me acordou com
uma arma apontada para a minha testa, dizendo:
¾ Ou você me paga até amanhã meio-dia, ou pode preparar o caixão.
Eu tremia e suava. Estava muito tenso e só consegui responder:
¾ Tá-tá... tá bom.
¾ Amanhã... Meio-dia. Lá em cima!
Eu estava totalmente ferrado: sem dinheiro, sem drogas e agora jurado de morte.
Porra!!! Isso não pode ficar assim. Pensa, mano. Pensa!
Eu tinha que fazer alguma coisa. O fato é que eu já estava loucão a
essas alturas do campeonato... A abstinência de dois dias sem usar
drogas já me dominava e meu raciocínio já não era tão bom. Só me sobrou
uma opção: roubar. Mas como roubar com a polícia no morro? Já sei.
Minha única chance era o busão. A polícia não entrava nos ônibus; estava
fácil. Peguei meu revolver, encaixei-o dentro da caixa com o cabo para
fora, cobri com a camisa e fui... Saí de casa com uma angústia no peito;
algo me dizia que eu não voltaria.
A polícia estava rondando por lá: viaturas, homens fardados e até à
paisana. Não ser pego seria sorte. E por falar em sorte, consegui
escapar da revista. Eu estava bem vestido; de boné e óculos escuros.
Acho que não despertei suspeitas.
Cheguei no ponto de ônibus. Olhei para um lado... ninguém! Olhei para o
outro... uma mulher grávida. Só eu e ela no ponto. Eu estava nervoso,
sei lá! Parecia que estava com medo de fazer o que fiz durante tanto
tempo. Enfim, o ônibus passou e ela subiu primeiro, seguida por mim.
Assim que entrei, passei o olho por todo o ônibus: algumas cadeiras
ocupadas, outras vazias... Diria que metade do ônibus estava ocupado.
Enrolei um pouco lá na frente. Minhas pernas tremiam feito vara verde;
estava meio zonzo (acho que era o efeito da abstinência). Saquei a arma e
resolvi anunciar o assalto:
¾ Aê, aê. Isso é um assalto! Todo mundo passando a grana. Vai! Vai! Vai!
A primeira vítima foi um senhor que estava na frente, depois "rapei" o
cobrador e parti para a parte de trás do ônibus. Vi novamente a grávida,
e em seus olhos o pânico. Ela estava lá no fundão. Não pretendia
machucá-la, mas as coisas não funcionaram como eu havia planejado...
Ao lado dela estava um rapaz de cabelo espetado e de óculos escuros também. Já estava na metade quando ele me grita:
Aí moleque! Abaixa essa arma! Polícia.
Ferrou.
Não, não e não! Era tudo o que eu não queria aquelas horas: um policial a paisana.
Não, mano! Foi mal, mas isso aqui é para pagar uma dívida.
Não quero saber! Abaixa essa arma ou você vai tomar tiro!
Não vou abaixar.
Eu realmente estava decidido a não abaixar a arma. Foi aí que o
motorista fez uma curva brusca e eu caí e o policial também. Ele
disparou a arma e me atingiu no braço. Que dor aquela! Eu tremia e não
conseguia focar no policial. Foi quando eu atirei... e acertei... a
mulher grávida! Justo ela. Inocente, ela não merecia aquilo.
Ela gritava, meu Deus como ela gritava. Ao ver aquilo perdi minhas
forças; meu braço doía muito e quando dei por mim, já estava imobilizado
pelo policial.
A grávida parou de gritar e o sangue escorria dentro do ônibus. Antes de
ser levado, ainda pude vê-la por uma última vez: estava caída, de olhos
abertos, sem piscar... Ela havia morrido!
Como aquilo me atormenta até hoje! Um ano já se passou e me lembro
daquela cena como se fosse hoje. Aquela terrível tarde me atormenta
todos os dias. Hoje, preso, descobri de alguma forma que não sei
explicar, o verdadeiro sentido da vida: o amor, o carinho, o afeto.
Coisas que eu não tenho há muito tempo e que eu tirei de uma família.
Hoje é Natal e comemoraremos entre nós, detentos. Só me resta a certeza
de que Deus perdoa aqueles que se arrependem de verdade e que o próprio
nos dá uma nova chance.
Foi preciso uma grande desgraça acontecer para que eu abrisse meus olhos
para tudo de ruim que eu estava fazendo. Hoje não penso mais em drogas,
bebidas, roubos etc. E hoje também descobri que a felicidade é o que
mais importa nessa vida, independentemente de onde e com quem você está.
Tudo depende de você!
Hoje sim, por incrível que pareça, sou feliz!
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