Quando João pegou a coleira e a pôs no pequeno Bob nem se passava pela
sua cabeça o que iria acontecer naquela monótona e nublada manhã de
segunda-feira.
Ao sair pelo portão, João usava um conjunto de moletom
cinza, uma touca de lã preta, tênis brancos e um cronômetro para
controlar o tempo da caminhada.
Ao dobrarem a esquina, logo percebeu
que embora ainda fosse 07h05min, a avenida estava totalmente silenciosa,
algo tão estranho que acabou o intrigando já que normalmente já estaria
um trânsito insuportável. Não deu muita importância, continuou
caminhando normalmente como se tudo estivesse normal.
Ao passarem
pelo arvoredo em frente do casarão abandonado Bob começou a latir sem
parar dando trancos em seu dono que não conseguia o controlar.
Inutilmente
João dava ordens ao cão que insistia em encarar o velho casarão
amarelado. Vencido pelo cansaço, seu dono resolveu encarar o desafio de
entrar sozinho na velha mansão Petrone.
Afastando-se dos galhos das
árvores descuidadas, empurrou o velho portão rangente, foi caminhando
lentamente quintal adentro rumo à porta principal. No caminho havia uma
piscina gigantesca estilo olímpica, só que cheia de matos e sujeiras de
tudo quanto é tipo, a água fedia insuportavelmente a ponto de ter que
tapar o nariz.
Logo na entrada principal tinha uma pequena escada,
cinco degraus para ser exato, um corrimão de madeira que era um paraíso
para os cupins.
A porta estava entreaberta e a maçaneta era de ouro
puro, tentou arrancá-la e colocar no bolso, mas não conseguiu. Caminhou
casa adentro.
O que mais o impressionou foi o fato de que dentro da
casa era totalmente diferente de fora, tudo estava limpo e na mais
perfeita arrumação. Havia uma escada enorme como nos grandes palácios
europeus, o lustre da sala principal era todo de diamantes que brilhavam
tanto que chegava a ofuscar os olhos, uma sala de jantar com uma mesa
com doze cadeiras pesadíssimas, aliás, toda a decoração baseava-se em
móveis antigos, tabaco fosco estilo à antiga burguesia.
O aspirante a
explorador virou-se, com a intenção de ir embora pensando que a
qualquer momento o morador daquela casa iria aparecer botando-o para
fora a pontapés, quando de repente a porta se fechou sozinha e um forte
vento o empurrou para dentro fazendo-o cair sobre o sofá vermelho
sangue. Neste momento Bob já estava todo encolhido sob a mesa de centro.
Uma voz baixa no alto da escada aumentava gradativamente à medida que ia aproximando-se da parte térrea.
- Não tenha medo. - repetia insistentemente a voz. - Por favor, não tenha medo de mim.
Curioso, resolveu levantar os olhos por cima do encosto do sofá para saber a quem pertencia aquela doce voz feminina.
Ficou
totalmente enfeitiçado pela beleza daquela jovem moça que embora fosse
dona de uma beleza como nunca vira antes, o parecia tão infeliz e tão
sozinha... Sentiu um nó na garganta ao perceber a tristeza em seus
olhos.
Ela aproximou-se um pouco mais e sentou-se ao seu lado no
sofá, ele tirou a toca e deu uma ajeitada nos cabelos. Começaram a
conversar.
À medida que a conversa se estendia, João ficava cada vez
mais entusiasmado com a moça que agora ele sabia o nome, um nome que
nunca ouvira antes: Flor-do-Campo.
Flor-do-Campo tinha um olhar diferente que provocava certo transe no rapaz, ele mal conseguia piscar em sua presença.
Certa altura da conversa, a moça o convidou para almoçar, eles comeriam um prato nunca provado por ele antes.
Sentaram-se
aquela extensa mesa de jantar, Flor-do-Campo bateu palmas e foram
servidos por dois criados totalmente esquisitos que encaravam o rapaz e
lançavam olhares e pequenos risos à senhoria que disfarçava questionando
se o jovem estava gostando da comida.
Após limpar o prato, curioso,
perguntou o que eles haviam comido, ela soltou um risinho sarcástico e
respondeu que eles haviam almoçado "cão à moda do chefe".
Um tremor
invadiu todo o seu corpo, apressadamente chamou por Bob, mas o cão não
atendia. Questionou qual cão eles haviam comido e onde estava o seu
amigo.
Ela continuou com o riso sarcástico, mirou-o fixamente e
perguntou se ele não reconhecia os latidos de seu próprio cão em sua
barriga. No mesmo instante ele cuspiu, empurrou a cadeira e correu para a
porta, mas a porta não abria.
Nervoso, pediu que ela abrisse a porta
para que pudesse sair, no entanto ela perguntou se não haviam o
ensinado a nunca invadir propriedade alheia, continuou dizendo que a
partir do momento em que ele adentrou o seu quintal, havia se tornado
propriedade sua e que jamais poderia sair dali já que ele seria servido
no jantar daquela noite.
Para a infelicidade de João, a bela jovem
era na verdade uma espécie de ser que a centenas de anos ganhava forças e
rejuvenescia através do consumo de carne humana, advindo de um pequeno
planeta até então desconhecido pelos humanos. Nos dia-a-dia,
alimentava-se apenas de pequenos animais que entravam em sua
propriedade, só que pelo menos uma vez a cada seis meses precisava
devorar um humano para não morrer, não tinha preferência por homem ou
mulher, contanto que fossem adultos, mas percebeu logo que chegou em
nosso corpo celeste que era mais fácil atrair os homens do que as
mulheres. E foi assim desde então que ela vem atuando silenciosamente.
Os
dois criados o pegaram, o amarraram, o amordaçaram e prepararam um
grande caldeirão com temperos dos mais variados tipos... O jogaram
dentro.
Naquela noite João foi servido como prato principal num grande banquete no velho casarão abandonado.
Conta-se por aí que a curiosidade matou um gato, neste caso, matou um jovem e o seu fiel cão.
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