Era
uma vez duas amigas que viviam em uma pequena vila, e que tinham
nascido exatamente no mesmo dia e à mesma hora. Uma chamava-se Treva -
cabelos e olhos do negro mais negro, tão negro, que à noite, o céu
sentia ciúmes das estrelas, pensando que elas poderiam querer ornar os
cabelos de Treva. Ela usava sempre negro - nas roupas, sapatos e
acessórios. Sua fala era rouca e mansa, e sua atitude, sempre taciturna.
Apesar de preferir a escuridão, ela às vezes gostava de passear à luz
do dia, mas logo se recolhia, pois algumas pessoas não gostavam de topar
com ela pelas esquinas da vila.
Luz
era muito bela, e tinha olhos azuis cristalinos e pele alvíssima.
Vestia sempre branco, e sua fala era alegre e cheia de vida. Adorava
ficar à luz do sol, e evitava as noites muito escuras, pois temia que
sua alvura fosse contaminada pela escuridão.
Mas
havia uma hora do dia em que Luz e Treva sempre se encontravam, pois
não estava tão escuro assim que fosse ferir a sensibilidade de Luz, e
nem tão claro que fosse ofuscar os olhos de Treva: era a hora do
crepúsculo. Ao por-do-sol, as amigas se encontravam em uma colina e
colocavam em dia os seus assuntos. Eram muito unidas, embora fossem tão
diferentes.
Um
dia, chegou à aldeia um jovem cavaleiro, que pertencia à corte. Belo e
garboso, segundo diziam, procurava por uma dama que lhe servisse de
esposa. Assim que ficou sabendo de sua chegada, Treva ornou-se com seu
véu negro bordado de fios de luar, seu vestido de veludo mais negro e
seu colar de ônix. estava linda! Esperou até que escurecesse, e ficou à
porta da taverna onde o cavaleiro se divertia com os amigos, aguardando
que ele saísse. Assim que saiu da taverna, Juno - este era o nome do
belo cavaleiro - diante da linda visão de Treva, que lhe sorria,
apaixonou-se por ela. Chegando perto da moça, apresentou-se e os dois
ficaram conversando até o dia amanhecer. Ao raiar do sol, Treva
despediu-se de Juno e foi para casa.
Juno
foi sonhando com a beleza da moça pelo caminho, totalmente enlevado,
achando que tinha finalmente encontrado a esposa perfeita! Linda,
profunda em seus pensamentos, discreta, apaixonada. Mas de repente, ao
virar a curva, deparou com outra dama tão bela quanto Treva: Luz
esperava por ele, displicentemente sentada a uma pedra. Vestia o manto
mais branco, bordado de fios de sol. Seus cabelos loiros e macios,
ornados com pedrarias douradas e azuis, espalhavam-se em volta de seu
rosto alvo como se fossem raios, e seu sorriso claro e meigo
imediatamente capturou a atenção de Juno.
Sentando-se
com ela na pedra, os dois conversaram até a hora do crepúsculo, quando
Luz despediu-se dele e foi ter com Treva no alto da colina, como sempre
faziam. Juno seguiu para a estalagem aonde se hospedara, totalmente
divido entre Treva e Luz. Chegando à colina, Luz imediatamente contou à
Treva sobre seu novo amor:
-Conheci alguém!
-Eu também!
-Ele é o mais lindo jovem que já vi em minha vida!
-O meu também! Passamos muitas horas juntos, conversando, e acho que estamos apaixonados!
-Nós também! Meu amado pertence à corte!
-O meu também! E ele é um cavaleiro do Rei!
-O meu também é! E seu nome é Juno!
-Não pode ser!
-Mas... por que não?
-Porque meu amado também chama-se Juno!
-Mas eu o vi primeiro!
-Não! Eu o vi primeiro! Nos conhecemos à noite!
-Mas nós nos conhecemos ao raiar do dia!
-Falamos por horas e horas!
-Nós também! E ele adorou meus olhos azuis!
-E meus olhos negros!
-Você mente!
-Você mente!
-Ele é meu!
-Não é não!
Assim, Luz e Treva começaram uma batalha que duraria eternamente.
À noite, Treva mostrava a Juno todo o seu encanto e paixão, envolvendo-o completamente por seu manto negro bordado de luar, e durante o dia, Luz o envolvia em sua pureza e sua doçura, cobrindo-o com seu manto branco ornado de fios de sol.
À noite, Treva mostrava a Juno todo o seu encanto e paixão, envolvendo-o completamente por seu manto negro bordado de luar, e durante o dia, Luz o envolvia em sua pureza e sua doçura, cobrindo-o com seu manto branco ornado de fios de sol.
Treva
e Luz passaram a odiar-se mutuamente. Esperavam que Juno logo tomasse
sua decisão a respeito de qual delas seria sua esposa, mas o jovem
parecia cada vez mais indeciso. Pressionado por ambas, incapaz de tomar
uma decisão e não desejando ferir nenhuma delas, Juno partiu da cidade
numa fria tarde de outono, sem sequer despedir-se. Deixou, a cada uma,
um bilhete de adeus.
Dizem
que até hoje Treva e Luz são inimigas mortais, e uma se acha sempre bem
melhor que a outra. Esqueceram-se do quanto ambas são importantes, e
mesmo devendo encontrar-se todos os dias, ao crepúsculo e ao amanhecer,
suas discussões são sempre tão acirradas que tingem o horizonte de
vermelho.
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