Não sabia exatamente que horas o relógio marcava naquele momento, mas o
sol estava se pondo vagarosamente. Ele ia assim, meio que por entre as
nuvens rosadas, iluminando com seus últimos raios. E foi sumindo,
sumindo, até desaparecer por completo. Parecia que também ele reprovava o
modo como ela andava agindo há alguns anos, como quem dizia “Ei,
menina, mais devagar”. Mas era quase tão certo para ela quanto uma
equação matemática que seu destino deveria seguir seus passos, fossem
eles quais fossem.
Os longos dedos de sua mão direita finalmente
alcançaram o botão do rádio, enquanto ela lutava com a esquerda no
volante para não perder o controle do carro. Ficou assim nessa briga até
colocar sua fita favorita. Mudou a marcha, acelerou com mais força e
abriu os vidros. Ah! Como era boa aquela ventania de fim de tarde… Eis
que a canção que marcara sua infância começou a tocar, e era quase
impossível não movimentar os ombros, como quem é invadido pela canção,
não só através dos ouvidos.
“Dane-se o que disseram, eles não
sabem o que está se passando aqui dentro. Ou melhor, o que se passa há
tanto tempo. É muito mais forte do que parece ser”.
A golada no
suco de maracujá quase a fez engasgar. E que importava? Não era esse o
foco no momento. O “engasgo” maior estava atolado no peito.
“Tina,
você não deveria cantar. Isso não dá dinheiro”. Reproduzia a fala de
seu tio como para si mesma, outra vez, e outra vez. Seria o dinheiro
propriamente dito mais importante que seu prazer em colocar os lábios no
microfone? De maneira alguma. Não, aquilo realmente não fazia sentido.
Os longos dedos, agora nervosos, palpitavam sobre o painel.
“E se eu subisse no alto daquele morro e gritasse ao mundo que sou feliz assim? Será que alguém poderia me ouvir?”
O sol já estava quase desaparecido no horizonte, e a lua já despontava no céu, chorosa.
“Oh, não! Eu já passei dois quilômetros de onde deveria ter parado. Droga!”
Essa
era uma das vantagens, aliás, que Tina encontrava na música: o horário
nunca lhe era cobrado. Ótimo! Ela não era mesmo das mais pontuais. Nem
das mais atentas, o que justifica o fato de que ela acabou por engatar
marcha ré a oitenta quilômetros por hora em plena rodovia. Pelo menos o
fez no acostamento. Também não era das mais desajuizadas.
Estacionou, já estava escuro. As poucas luzes do bar estavam acesas e Tina podia ouvir o público impaciente.
“Ei, garçom! Onde está Tina, afinal? Onde estão Tina e seu violão hein, cara?”
“Acho que estou enxergando ela lá fora. Acabou de estacionar a caranga. Lá vem ela aí”.
“Ei, Tom! Eu acabei de chegar” - disse ela ofegante.
Tropeçou
nos degraus do palco, que ficava bem no centro do lugar. O barulho das
suas botas no taco era bem marcado. Sentou-se no banco, ajeitou os
cabelos pra trás das orelhas. Todos interromperam a movimentada partida
de sinuca, bem como largaram os copos em cima das mesas. Logo, todos os
olhares estavam voltados a ela.
Ao ver todas aquelas pessoas
ansiosas pela primeira canção da noite, que embalaria o início daquela
sexta-feira estrelada, percebeu que nenhuma função seria tão importante
quanto tocar algo que as pessoas quisessem ouvir. Nada no mundo seria
mais bonito que sentir que seus dedos naquela corda eram tão importantes
quanto o prato de comida de todos os dias. Tocar, naquelas
circunstâncias, era essencial. E era essencial não só a ela, mas também a
todos que estavam presentes. Ela era exatamente o que não seria se
tivesse o cargo de uma arquiteta, por exemplo. Projetar casas não era
mais importante que projetar sorrisos na platéia.
“Com que música vai abrir a noite?” - perguntaram a ela, lá do meio do bar.
“Vamos começar pela minha favorita, certo? E tragam-me um suco bem gelado.”
Puxou a primeira nota. Aplausos.
Aquela seria uma noite bastante longa. Nada que o dinheiro pudesse pagar.
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