Tem dias em que algumas verdades gritam pra sair de dentro da gente.
Nesses dias, não existe a menor paciência com aquele papo politicamente
correto de “cada um tem a sua verdade”. Tem dias que o espírito da gente
está fervilhando, a despeito de aparentarmos calma exterior. São dias
em que simplesmente ouvir alguém dizer que estou generalizando é motivo
para voar em algum pescoço. Tem dias que o mais irritante são as
pessoas. E o que me irrita é a irritação das pessoas, seu nervosismo, a
falta de educação e todo aquele ódio contido. E o que me faz ficar mais
irritado é que com tudo isso elas conseguem fazer o que eu mais odeio,
que é acabar me tornando parecido com elas.
Nesses dias, geralmente o clima é quente e incômodo. O suor escorre
pelas costas, incomoda no rosto, molha a roupa. Num dia assim, caminhos
que são sempre fáceis ficam engarrafados e você sente uma vontade enorme
de descobrir um causador, só para poder sentir ódio. Aliás, num dia
como esse a palavra ódio tem um sabor doce na boca. Sobe borbulhando do
fundo do estômago, como um fel dormido, mas chega doce na boca. Chega
melado e doce como um derradeiro prazer culpado, um pequeno alívio para
tanto incômodo e tanta tragédia barata.
Em um dia como esse, você olha para as futilidades coloridas e bem
remuneradas de toda uma linha de pensamento, e tem vontade de espumar de
raiva. Tem vontade de esganar quem inventou tantos poréns para essa
vidinha idiota que grande parte de nós levamos. Tem dias em que você
olha a lista de exigências da felicidade plena e sente a mais pura
vontade de trucidar quem a escreveu. E tem dias que você lembra daquele
momento parado no tempo em que nada disso era importante, em que nada
disso fazia diferença, e você se detesta mais um pouco também, por
sentir uma maldita nostalgia. E de um tempo que, no fim da análise, nem
era tão bom assim. Só tinha de bom mesmo o fato de que todas essas
coisas irritantes (que pessoas irritadas fazem e falam) não faziam a
menor diferença pra você.
Aí você se arrasta como uma lesma pelo dia afora, tentando não pular no
pescoço de ninguém. Ou tenta fazer essa camada de pedras que está
morando no fundo do seu estômago não incomodar tanto. Num dia como esse,
você bebe água, mas queria beber litros de whisky. E, num momento, num
pequeno momento, no limite entre a realidade e de uma alucinação barata,
você sente seu olhar ser atraído. Pode ser num terminal de banco, num
elevador, de frente para o computador, ou olhando para o celular. A
realidade se dobra, e brilhando, em preto, com letras gloriosamente
azuis você vê a tecla, o botão. Antes mesmo de ler, você sabe que ali
está a resposta, a saída, a libertação de todo esse sentimento
insuportável que insiste em se pendurar nas suas costas. Perfeitamente
delineado, o vocábulo tão belo, tão simples: "Foda-se". É isso. Você
aperta, e aí, finalmente, o seu dia... ou melhor, a parte realmente
importante dele começa.
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