quarta-feira, 11 de junho de 2014
Relação
Por bem, decidiram então pelo fim. Depois de ininterruptos cinco anos. O
primeiro foi de tremedeira nas pernas. No segundo, atingiram o nirvana
sexual. Com o terceiro veio junto o apartamento. No quarto, desejo mútuo
por terceiros. Finalmente, o quinto mostrou que haviam se tornado dois.
Definitivamente, duas novas perspectivas de vida. Ela não pediu que ele
ficasse. Ele chorou porque sempre foi o pilar sentimental do casal, e
só por isso. Ela ficou com o apartamento. Ele com o labrador, com nome
de ex-craque do Internacional. A última coisa que ele fez foi catar seus
discos da Legião Urbana. Ela deu uma última olhada em volta. Ele
entregou a chave. Ela deixou escapar que nunca vai esquecê-lo, de alguma
forma. Ambos relembraram o plano de provar pra todo mundo que dava para
coabitar romanticamente. A porta se fechou dando fim ao que não tinha
fim. Ela decidiu rever tudo. Jurou que seria eternamente fiel à
liberdade. Agora, madruga suas noites em discotecas, na companhia de
estranhos e envolta em novos braços peludos. Aos sábados, dorme até meio
dia para esquecer a antiga rotina de acordar cedo, fazer jogging no
Parcão e almoçar os bifes maravilhosos da mãe dele. Não assiste mais
novela, passou a usar mais vestido, começou a ouvir Bossa Nova e cogita
tatuar o pé. Ele planejou uma revolução. Decidiu conhecer alguém novo,
ligou para uma garota de programa. Hoje, não fica um dia sem
compartilhar o violão com velhos amigos no Bar dos Podres.
Invariavelmente, passa os domingos de chuva na cama, na companhia do
Falcão, uma garrafa de Merlot e A Montanha Mágica, de Thomas Mann.
Perdeu seis quilos no último mês, deixa roupas penduradas, trocou de
emprego e cogita passar o feriadão em Ilha Bela. E suas vidas continuam,
sob nova direção. Outro mês se foi, e eles não tem notícias e nem
previsão de reprise. Ele é grato a si mesmo pela implosão das grades.
Ela sente um mundo de possibilidades inflando ao seu redor. Ele pede aos
amigos que digam a ela que até está bem, levando, obrigado. Ela não
oculta uma certa tristeza no olhar na frente deles. Ele espera que ela
esteja feliz e bem acompanhada, com alguém decente, que tenha ao menos o
carinho que ela merece. Ela torce secretamente para que tão cedo ele
não encontre uma garota “melhor”. Querendo ou não, ele pensa nela de
quando em quando. Toda noite, se aproxima do velho apartamento com o
labrador Falcão, e questiona as luzes apagadas já na tarde-noite. Fica
imaginando se aquela dor crônica no pescoço curou, se tem comido
beterraba e controlado direitinho a tireoide, conforme prometeu que
faria. Agora, desconfia que as novas garotas da sua vida serão meros
passatempos. Sente falta de ouvir aquela voz meio gasguita. Chega a
pegar o telefone. Não telefona. Bem ou mal, ela sente sua ausência. Toda
noite, evita estar em casa lembrando que o espaço do apartamento
triplicou por um milhão. Sente falta de camisetas espalhadas
aleatoriamente. Fica lembrando ele cozinhando espaguete al pesto, ou
quando ele sentava na janela dedilhando “Tears In Heaven”, ou assistia o
colorado comportadinho, roendo as unhas sem parar, os pés no sofá.
Hoje, coleciona casos com cafajestes fajutos. Sente falta dos sermões
que levava por andar descalça no chão frio. Verifica o funcionamento do
telefone: tu-tu-tu. Presos pela liberdade, prosseguem cada um na sua,
conectados por um fio invisível que não conduz mais eletricidade. Um fio
de saudade dissonante e a certeza de que, amor como aquele deles, não
acontece no tocar de uma varinha de condão.
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