A moça voltou ao lugar onde o homem
estava sentado sob a árvore e sentou-se ao seu lado. Ele tinha os olhos
fechados, com as mãos segurando o rosto. Levou alguns segundos para
aperceber-se de sua presença. Abriu os olhos lentamente, virou-se para
ela e cumprimentou-a com um suave sorriso:
- Olá!
Ela respondeu-lhe com um sorriso silencioso:
- Você está bem?
- Como
você pode ver, continuo na mesma. Nada de novo. Nada de especial.
Aliás, eu me pergunto o que é que pode existir de tão especial na vida
para que alguns queiram tanto viver.
- Mas não é a vida que é especial. É você. Não é fora que as coisas começam a acontecer, é dentro da gente.
- Você já sentiu tédio?
- Até hoje não me sobrou muito tempo pra sentir tédio.
- Por quê?
- Porque eu acabo dividindo meu tempo entre as coisas que quero realizar e os problemas que tenho que resolver.
- E você já realizou alguma coisa que queria?
- Sim, algumas já.
- E como fez pra realizá-las? E as outras que ainda não realizou, como vai fazer? Me explique, eu preciso saber!
- Bem,
eu fiquei muitos anos sofrendo simplesmente porque não conseguia
realizar nada do que queria. Achava que minha vida ia ser só uma imensa
coleção de fracassos. Eu tropecei e cai muitas vezes, por diversos
motivos.
- Por causa dos outros ou por causa de você mesma?
- Por causa dos outros, por causa de mim.
- Mas o que você fazia de errado?
A moça suspirou um momento.
- Bem,
eu queria tanto, mas tanto, mas tanto conseguir certas coisas, que elas
acabavam se tornando inatingíveis pra mim. Era como se eu tremesse por
dentro e mal conseguisse andar. E foi assim que eu andei por muito
tempo.
- Tremendo por dentro?
- Tremendo por dentro. Da ponta dos dedos até o fim do salto do sapato que tocava o chão.
- E como você vivia?
- Doendo aqui, rindo ali, chorando lá, sonhando acolá.
- E como você fez pra parar de tremer?
- Eu só consegui parar de tremer quando percebi que teria de lutar com amor.
- Então seu caso é diferente do meu.
- Por quê?
- Porque eu não tremo.
- Você tem revolta, não é?
- Como você sabe?
- Por que eu vi seu coração, esqueceu?
- Então compreende que sou um caso autodestrutivo sem volta?
- Não é não.
- Ih, lá vem você! O que me resta senão a autodestruição? O que é que eu faço com a minha revolta?
- Você
tem que usar sua revolta, fazer com ela algo bonito, algo que as outras
pessoas possam admirar, apreciar, que as faça pensarem sobre si mesmas,
e que contribua para que exista mais liberdade no mundo.
- E o que pode ser isso?
- Pode ser alguma forma de arte, alguma ação, alguma idéia. Como o seu coração conceber.
- Mas não pode ser minha cabeça?
- Sua
cabeça já tem as informações. Mas essas informações têm que estar
ligadas ao seu coração para que sejam transmitidas de uma maneira
bonita.
- Esse coração machucado? Acha que ele ainda consegue produzir alguma coisa, mocinha?
- Tenho certeza que sim. E olhe que não existem muitas certezas nesse mundo.
- Você é muito otimista. Aposto que nunca sentiu dor de verdade.
- Você sabe que sim.
- Mas você disse que nunca sentiu tédio!
- Eu
disse que não tive muito tempo pra sentir. Mas quer saber o que me
causa tédio? Não ser compreendida. É como andar por salas e salas
vazias.
- É, é terrível mesmo.
O homem pensou por uns segundos.
- E, me diga uma coisa, por que você voltou aqui hoje, então?
- Porque eu queria te ver, falar com você.
- Por que você queria me ver?
- Porque gosto de você.
- Você já não está cansada de mim e das minhas dores?
- Não.
- Por quê ?
- Porque gosto de você.
- E por que você gosta de mim?
- Já lhe disse. Você é bonito.
- Eu nem sempre tenho certeza disso.
- Acho que eu sei por que isso acontece.
- Por quê?
- Porque você tem encontrado muitas criaturas mesquinhas, egoístas, pessoas que não sabem valorizar um ser humano.
- Ao que você se refere exatamente?
- As
garotas que você tem encontrado por aí. Acho que você tem encontrado
mais meninas do que mulheres. E nós sabemos qual é a diferença entre as
meninas e as mulheres. As meninas não compreendem, não relevam, não
perdoam, não amam por completo. As meninas só querem namorar, desfilar
com alguém. As mulheres querem amar.
- É, eu sei disso. E qual é a diferença entre os homens e os meninos?
- Os meninos só querem sexo. Os homens querem amor.
- Muito bem. Vejo que você não é tão inexperiente assim.
- E você não é tão ranzinza quanto parece.
- Eu sou muito mais do que ranzinza. Você ainda não viu nada!
- Eu sei. Você é selvagem. Eu também já fui selvagem, muito selvagem.
- Não acredito! Você?
- É, eu sim! disse a moça com um sorriso. Vamos dar uma volta e eu te falo um pouco sobre isso.
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