De boca em boca corria a história. Afinal, em todo vilarejo que se
preze, sempre há mistérios e "causos" inexplicáveis de assustar a
população. Alguns diziam que por lá andava o saci-pererê, outros falavam
em assombrações. Havia até quem jurasse ter visto a mula-sem-cabeça.
Mas que havia algo intrigante e assustador em certo local, certamente
havia. As pessoas até evitavam sair de casa à noite.
A fábrica
de papel lá existente, onde meu pai trabalhava, funcionava
ininterruptamente. Havia uma troca de turnos à meia-noite, hora que, por
si só, já traz certa inquietação. Entre os trabalhadores que neste
horário deixavam a fábrica, reinava o medo certa época. Só havia duas
opções de retorno para casa. Um grupo ia para direita, outro para a
esquerda, na única longa rua existente, ladeada por um fechado bosque
que se estendia até a beira de um riacho. Do outro, os morros
desabitados. A precária iluminação instigava medos.
Aconteceu
que um barulho, indescritível e assustador, volta e meia era ouvido
pelos que passavam por certa curva do caminho. Os operários logo se
apressavam, apavorados, indo em grupos. Falava-se também em algum temido
bicho do mato ou das trevas. Tal som vinha do interior da mata, cuja
escuridão impedia qualquer visão. Um crescente medo apoderou-se da vila,
pela frequência com que se repetia. Algo tinha que ser feito! Até velas
já haviam acendido por lá.
Até que um dia, alguns valentes
homens decidiram que entrariam na mata para averiguar tal ameaça. Assim
combinado, assim feito. Iriam na próxima vez que o estranho som fosse
ouvido. Tarefa fácil reunir o grupo, pois todos moravam próximos.
Difícil era encontrar os valentes...
Certa noite, o alarme. O
"bicho", a "coisa", "alma penada", ou fosse lá o que fosse,
manifestou-se. O grupo se reuniu e para o tal lugar dirigiu-se, portando
lanternas, pedaços de pau e até mesmo armas de fogo. Chegaram. Difícil
decidir quem se embrenharia primeiro pela mata. Enfim, em silêncio, pé
ante pé, foram avançando. Qualquer ruído produzido pelo pisar em algum
galho no chão provocava medo e recuo. Soprava o vento, e as sombras e os
galhos das árvores já os assustavam. A esta altura, todos estavam
prontos ou para o ataque... ou para a fuga, o que alguns já haviam
feito. O grupo reduzia-se à medida que na mata adentravam. No ar, um
uivo, um silvo intermitente, ecoando terror na noite. Alguém falou em
lobisomem, aumentando o temor. A valentia se encolheu. Mas, armas em
punho, por entre arbustos, caminhavam os mais destemidos.
Finalmente
aproximaram-se o suficiente para divisar um grande vulto negro a
mover-se na mata. Então era verdade! Realmente algo desconhecido ali se
encontrava, junto a uma bananeira. Alguém atirou. Alguns avançaram com
seus pedaços de pau nas mãos, outros voltaram em disparada. O "vulto"
não foi atingido pelo tiro, porém veio justo em direção ao apavorado
grupo. Pânico geral! E qual não foi a grande surpresa! A tão temida
"coisa" nada mais era que... um cavalo, esbaforido, que ficava a
coçar-se esfregando-se na bananeira, produzindo o estranho som. Quase
mataram o pobre animal, cuja pacífica missão era diariamente puxar a
carroça que recolhia o lixo, e ali, tranquilamente, pastava...
No
dia seguinte, todos riam e se vangloriavam de terem bravamente
desvendado o intrigante caso da "coisa" que tanto inquietara o
lugarejo... Restaurou-se a paz, até o "causo" seguinte, quando, numa
noite de lua-cheia...
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