Não adianta negar. Também não adianta fantasiar a respeito. Uma hora
passa. Uma hora esquecemos. Uma hora o cheiro vai embora, o toque da
pele desaparece das nossas memórias e até mesmo a voz é perdida no
passado. A não ser, claro que tenhamos a pessoa por perto (e perto o
suficiente) para nos lembrarmos de todas essas coisas. Ou que tenhamos
uma dose extra desse veneno chamado apego correndo em nossas veias.
Alguns alegam que é inesquecível, que é algo que fica marcado pra
sempre. Normalmente os mais românticos. É mentira. Principalmente porque
românticos gostam de mentiras. Tem preferência pelas mentiras mais
doces. Mentiras algodão-doce. Cheirosas, macias, atraentes (e tão
nutritivas) como uma nuvem de açúcar presa a um palito.
Na verdade, esse romantismo que aí está é uma grande máquina de produzir
covardes. Só que produz covardes que pensam ser heróis. Seu intrincado
mecanismo produz ilusões de grandeza que fazem o mais medíocre movimento
tomar ares de bailado. E o mais injustificado dos vícios ganhar
justificativas até os confins do tempo e do espaço. É um romantismo que
se diz democrata, mas oculta um totalitarismo ferrenho. Uma vez
instalado na qualidade de sistema de governo, ele produz fanáticos,
capazes de isolar e enviar a gulags de preconceito qualquer um que
sequer sugira existência de vida fora de suas róseas fronteiras. O tempo
desse romantismo passou, seus índices e conquistas já não se sustentam
mais. É causa que só continua arrebanhando seguidores à custa de
estatísticas fraudadas e sistemático ataque a uma maioria que pouco é
dada a pensar.
Uma grande verdade é que a alternativa é
difícil. Sentir de verdade e pagar o preço por isso, sem a ilusão
atrelada de corações alados num céu cor-de-rosa? É tão duro quanto
gratificante, apesar de ser uma atividade muitas vezes solitária.
Saber-nos inteiros, e procurar pernas que andem ao nosso lado em vez de
muletas que nos sustentem? É muitas vezes terreno árido, até frustrante.
Buscar equilíbrio e paz em um mundo onde o extremismo e o conflito são
vendidos como um amargo e padronizado pão de cada dia? Requer coragem
negar esse pão, que os simplórios comem até acharem-no delicioso. Saber a
diferença entre sentimento e sentimentalismo? Entre amor e romantismo?
Entre beleza e pieguice? Há que se ter nervos de aço, estômago de
avestruz, olhos de águia e por vezes, saber dar coices poderosos.
Escapar de patrulhas de idiotas especialmente treinados cujas únicas e
brutas armas são relativizar nosso desconforto e acusar-nos de
generalizadores? Requer habilidades refinadas, argumentação sólida e
paciência monástica, pois todas as missões são difíceis nessa zona de
fronteira.
Mas chega o momento em que você descobre que é
possível. Que há um jeito. Que consegue-se esquecer, barrar a
influência e a dor das velhas feridas. Um dia, aprende-se o que é o
apego, reconhece-se quando ele nos domina, e os momentos em que ele é
perfeitamente dispensável. E o dispensamos. À medida que caminhamos em
nossa jornada, aprendemos uma preciosa lição. A nossa sobrevivência com
saúde e qualidade de vida emocional depende puramente de aprender a
escolher o que levamos conosco e o que deixamos para trás. Pra isso,
precisamos ampliar o conceito, e usar nossa visão não só para enxergar,
mas também para ver. Ter olhos para ver, é mais ou menos por aí.
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