A par das possíveis explicações esotéricas ou kardecistas, adoto uma
postura cética em relação a certas coisas bastante comuns entre alguns
adolescentes, e mesmo adultos.
Refiro-me a famigerada brincadeira do
copo, ou do compasso, ou ainda, aos tabuleiros ouija. Experimentei as
duas primeiras. Quanto à segunda, sei apenas da aura de lenda urbana,
comum aos três, de que são "brincadeiras" perigosas - ou senão, apenas
de mau gosto.
No colegial eu mesmo pus meu dedo em vários compassos e
desenvolvi técnicas de controlá-lo que demandam apenas observação e uma
sensibilidade nada incomum. Com isso assustei alguns colegas e me
divertia fazendo troça daqueles mais perplexos.
Fui, assim, um charlatão impúbere. Devo confessar, embora sem culpa.
Como
muitos, sempre tive muita curiosidade acerca do "outro lado". E
classificaria de duvidoso um caráter que me dissesse nunca ter comungado
disso.
Após a puberdade o interesse continuou e cresceu, de modo que
não seria inverdade dizer que me envolvi em ocultismo até a medula, ora
colhendo experiências curiosas, ora apenas pequenos fenômenos que
facilmente diria frutos de sugestão (devido ao meu caráter
impressionável).
É muito comum que alguém conhecido ou nós mesmos
tenhamos, senão várias, ao menos uma experiência para contar em relação
ao "oculto".
Sem fugir a regra, tenho também as minhas. E dentre
elas, a mais breve é justamente a mais contundente. Infelizmente não
participei do episódio que vou narrar, e que me chegou aos ouvidos em
tom de confidência por meio de pessoas que não acreditam nisso,
portanto, mais dignas de confiança que uma testemunha demasiado crédula,
e, portanto, mais suspeita.
***
Foi durante as vésperas do natal de 1986.
Meus
pais, meu irmão e eu visitávamos a família de mamãe no interior do
estado. Nós éramos os únicos que não morávamos naquela cidade. Todo o
restante dos tios e primos eram ali residentes.
Eu e meu irmão não estávamos presentes, pois, caso não esteja enganado, tínhamos saído para lanchar com mamãe e alguns primos.
Meus avós, ao contrário, estavam na casa de uma tia onde a família costumava jogar canastra até altas horas da noite.
Apesar
da passagem dos anos, o costume permanece, salvo pela ausência de meu
avô materno, que faleceu ano passado. Justamente o maior envolvido no
mistério ocorrido, ainda que de forma indireta.
Pois bem.
Como era
de costume, os adultos ficavam na sala de estar, ao redor da mesa de
carteado, longe da algazarra das crianças que, por seu turno, brincavam
no terceiro pavimento do chalé de minha tia, que chamávamos de sala dos
brinquedos e que servia igualmente de biblioteca. Aquele tipo de
sobrado, geralmente feito de madeira, era muito comum no sul do país.
A
mim o pavimento onde estavam parecia um tanto lúgubre. Eu não gostava
de ir lá sozinho, mesmo durante o dia, apesar de gostar especialmente do
que ele continha: os livros e os brinquedos. Tomarei a liberdade de
narrar como se fosse testemunha, pois sei da história em detalhes
suficientes para fazê-lo.
***
Ignoro quem teve a idéia
"inocente" de invocar os mortos pelo expediente do copo, talvez por
curiosidade pela prática em si, ou provavelmente para indagar sobre o
futuro - como era meu costume pessoal.
Assim, eles fizeram o círculo
de letras com pedaços de cartão e deram início à sessão, não sem antes
pronunciar algumas preces comuns para purificar o ambiente e invocar os
espíritos.
Todos estavam com os indicadores no copo, trêmulos e expectantes, ao que um deles tomando a iniciativa, fez a pergunta inicial:
-Existe alguém além de nós neste local?
Silêncio.
As crianças se entreolharam, como para verificar o grau de pavor dos
demais. O copo não se moveu. Eles esperaram mais alguns segundos.
Novamente quebraram o silêncio com a mesma pergunta.
-Existe algum espírito neste lugar?
Novamente
o silêncio. Contudo agora nenhum deles tirou o olho do objeto no
centro, como para impedir que algum dos presentes forçasse algum
movimento, de modo a influir na resposta.
O copo então pareceu se
mover, arrastando-se poucos milímetros no assoalho. Alguns deles
assustados, retiraram o dedo de cima como se tivessem levado um choque.
-Caramba! Bradou um deles. Assim não dá, vocês estão com medo.
-Você viu? O copo se moveu. Disse outro perplexo.
-Não, não! Vamos por os dedos no lugar. E tentem não tirar dessa vez. É só um copo, gente.
-Acho melhor parar, não gosto dessas coisas. Disse uma prima, mais medrosa que os outros.
-Vamos, vamos. Dedos no copo, por favor!?!
E os demais obedeceram.
Novamente o silêncio breve e a pergunta:
-Existe algum espírito aqui? Por favor, fale conosco.
O copo se moveu, de modo abrupto, e pareceu ir em direção ao "sim", escrito num pedaço de cartão à direita.
-Credo!
Disse um dos primos se levantando, lívido e assustado. O mais audaz
ordenou que ele fosse para junto dos adultos, caso não tivesse coragem,
pois se permanecesse ali e não participasse, "quebraria a corrente".
Com medo de descer sozinho e cruzar o segundo pavimento sozinho, onde ficavam os quartos, resolveu ficar e continuar.
Colocaram os dedos no copo e o mais corajoso indagou:
-Já que você esta aí - disse olhando para cima - diga o seu nome.
O copo ziguezagueou rapidamente, e todos os dedos acompanharam os movimentos, de modo sincronizado.
R-O-S-A.
E parou de repente.
Alguns engoliam a seco, outros com o semblante constrangido pareciam a ponto de desfalecer em prantos.
-Rosa, disse um dos primos. É uma mulher - concluiu. O que você quer, Rosa?
Novamente
o copo se arrastou rápido. Nenhum dos primos ousava se mover dali. De
fato, pareciam ter os dedos colados no copo. Assim as letras foram
indicadas:
C-H-A-M-E-O-S-V-A-L-D-O
-É o nome do vovô.
-Vamos chamá-lo, disse o outro.
Então o que estava conduzindo a brincadeira designou dois dos meninos para descer e chamar o avô.
Eles
desceram em silêncio as escadas e chegando ao lado da mesa de carteado,
puxaram a manga do avô que estava concentrado na mão de cartas.
-O que vocês querem? Perguntou ele um pouco aborrecido.
-Vovô, fizemos a brincadeira do copo e apareceu uma mulher chamada Rosa, e disse que queria falar com o senhor.
-Ora essa. Parem com essas brincadeiras. Isso não existe. Porque vocês não vão dormir? Já esta tarde.
-Vamos, vamos - disse um dos tios - pra cama, já, todos vocês, senão vou passar o chinelo em todo mundo.
Os
meninos sem saber o que falar, subiram correndo e disseram que o avô
disse que não viria, e que era para todos irem dormir porque senão iam
apanhar.
-Não, não. Vamos continuar. Não fiz ainda as perguntas que eu quero. Sentem aí e ponham o dedo no copo.
Os outros acederam, intimidados.
-Dona Rosa, eu quero saber se vou ganhar um vídeo game de natal. Vou?
A cena novamente de repetiu. Mas a resposta não foi a esperada.
C-H-A-M-E-O-S-V-A-L-D-O
Novamente o "chefe da sessão" mandou os mesmos meninos descerem e chamarem o avô.
Nova advertência. Só que agora mais severa. Eles retornam e reiniciam a brincadeira.
Novamente o copo se moveu, mas agora foram as letras:
C-H-A-M-E-M-O-M-E-N-I-N-O-A-G-O-R-A
-Chamem o menino? Que menino? Todas as crianças estão aqui.
O-S-V-A-L-D-O
-Vocês viram? Vão até lá em baixo e chamem o vovô, digam que dona Rosa chamou "o menino".
Os primos obedeceram.
Quando chegaram perto da mesa de carteado a tia insinuou ao avô a aproximação das crianças.
Ele fingiu não percebê-los e não tirou os olhos da mão de cartas.
-Vovô, a dona Rosa disse para chamar o menino.
De
assalto a face do avô mudou. Ficou pálido como se o sangue tivesse se
tornado água. E abaixou as cartas. Apenas pronunciou o nome da filha (no
caso a tia), que se levantou esbravejando e subiu como um relâmpago
atrás dos moleques.
Lá em cima distribuiu palmadas a esmo e imediatamente estavam todos na cama. Tremendo, quietos como anjos inocentes.
Ao
descer, o avô havia abandonado a mesa, onde estavam os outros tios que
fizeram um sinal de que não haviam entendido porque se ausentara. Ele
estava na área, sentado numa cadeira de balanço, em silêncio.
-Pai - disse a tia - aconteceu alguma coisa?
Ele ainda permaneceu em silêncio por alguns instantes, olhando para o vazio. Ao fim, disse:
-Eles não estavam falando com nenhuma dona Rosa.
-Eu sei. Mas eles já estão dormindo, vamos pra dentro terminar pelo menos a rodada.
-Escute
- disse o velhinho interrompendo -, "menino" era como meu avô me
chamava quando eu era garoto. E o nome do meu avô era...
-Manuel Rosa - completou a tia, com uma expressão de espanto.
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