sábado, 15 de fevereiro de 2014

O amor único (She's My Girl )

                -Vem, vem meu amor– disse a senhora para o homem elegante de boné que tinha passos lentos, sentado na praça observava os dois pouco depois de sair do trabalho, de boa, eu fumava um cigarro, observava tudo, depois descia a rua 15 para a minha casa, onde Luciana me esperava para o dia final, minhas malas prontas, já não nos suportávamos, brigas e desconfianças rondavam a nossa vida e secretamente já havíamos concordado com o divorcio há dois anos.
                Casei por impulso, acho que a maioria dos casamentos é assim, decidimos na hora, ou por inércia, ficamos com a mesma pessoa namoramos por anos, a decisão de casar é quase tão instantânea quanto um flash de uma fotografia, quando não existe amor, se o casamento durar é a pior das mentiras.
                 Havia algo de especial no casal nascido nos anos trinta, uma mágica não encontrada em nenhum outro lugar, amor único não existe? Era só olhar para os dois que sentia que minha vida até aquele dia tinha sido um erro.
                Amélia já sabia, concordou, não suportava mais os pais brigando, se eu não acredito em felicidade, preciso de paz.
                Joguei o cigarro fora e desci a rua 15, começou a chover, olhei para trás para ver como estavam meus amigos e ilustres desconhecidos. Me assustei e virei para ver melhor, entendi que  força humana da solidariedade bate mais forte no coração que a do egoísmo e da violência da indiferença , o senhor havia caído e a senhora tentava levanta-lo usando toda a força que um amor de tantos anos podia lhe dar, chorava por um socorro, de pessoas que passam apreçadas com medo da chuva, nada faziam, choro que estremecia a quase noite, entristecia as rosas.
                Corri para ajudar, ajoelhei perto dele e senti o seu pulso, fino, respiração fraca, mas estava vivo.
                -Ele está vivo – eu disse segurando a mão dela.
                -Graças a Deus – disse a senhora.
                A chuva aumentou muito, liguei o celular e falei com resgate, conhecia alguém importante lá, um enfermeiro para quem fiz um serviço uma vez, ele atendeu e disse que estavam perto, cinco minutos.
 
               Um barulho de rodas batendo ao meio fio, um carro pela contra mão parou, alguém louco, levantei a cabeça na chuva torrencial para acompanhar a trajetória suicida até o carro parar próximo ao senhor caído, abrir a porta, então ela saiu, uma personagem de filmes, alguém que jamais vi em carne e osso de tão bela, cheia daquela chuva com seus cabelos negros molhados, seu casaco e seus elegantes passos, compenetrada, concentrada, pequena e brilhante ajoelhou-se perto de mim.
                -Como ele está? Quando o vi cair, nem pensei , acho que fiz besteira, pois não vi você correr para cá, as pessoas passavam por ele não ajudavam – disse ofegante.
                -Está vivo, parece que vai ficar bem, a ambulância está a caminho - eu disse e esbocei um sorriso, quando a senhora colocou a sua mão no meu ombro e no dela e disse:
 
               -Obrigado.
                 Não tínhamos palavras e o silencio foi melhor.
                Reparei na cova do queixo quando o sorriso foi inevitável, pois o senhor acordou e disse.
                -Não foi nada é só me ajudar que levanto.
                -Vamos te levar para um hospital, não é melhor? Às vezes essas ambulâncias costumam demorar tanto? – ela disse e me olhou nos olhos profundamente.
                -A ambulância esta ha dois minutos, tenho um conhecido, ele me garantiu que é melhor esperar, tudo que ele precisa esta dentro da ambulância, um hospital está há mais de quinze minutos.
                Quando o paramédico chegou, ele teve outra crise, porém sobreviveu, pois foi atendido prontamente, a glicose estava baixa, disse o paramédico. Eu naquele momento só temia nunca mais vê-la. A ambulância partiu ficamos sozinhos, ela disse que era gerente de uma loja de calçados no final da rua e eu disse que era mecânico de uma oficina duas quadras acima, não poderíamos mais nos perder, estendeu e disse:
                -Yara, muito bacana o que fez.
                -Não fui eu que andei em uma via pública na contramão duzentos metros na chuva... – ela sorriu, então entendi todo brilho daquele sorriso e fiquei livre para acreditar na felicidade.

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