domingo, 28 de julho de 2013

A sedutora



Servilha, 1945
 Passava das oito da manhã quando monsenhor Edward acordou.
O dia anterior havia sido muito cansativo, pois foram muitos os interrogatórios que tivera que presidir. O último deles foi o de um camponês acusado de pacto com as trevas, deixara-o extremamente esgotado. Fora difícil fazer o homem confessar, mas com o método certo, Edward acabara convencendo-o.
 Porem não conseguira misericórdia para o seu crime. O homem seria executado na fogueira dali a alguns dias.
 Inspirou profundamente o ar da manhã e deixou que o sol atingisse seu rosto. Passava a maior parte do tempo no calabouço interrogando os prisioneiros e sua vista já começava a se resentir da luz solar. Esperou mais alguns minutos até se levantar. Em breve teria que acompanhar o arcebispo de Madri em uma importante visita ás masmorras de Servilha.
 Havia terminado de se vestir quando ouviu suaves batidas na porta, que se abriu devagarzinho. Um rapaz entrou e falou baixinho.
 — Sou eu, monsenhor, Otavio. Não queria acorda-lo. Mais é que estar ai a senhorita Evelin...
     Edward não lhe deu tempo de terminar e respondeu apressadamente:
 — Diga-lhe que me espere na antiga capela.
 Otavio saiu sem nada dizer. Era apenas um menino de seus dezesseis anos, salvo pelo bondoso monsenhor. Os pais morreram quando ele contava apenas três anos, vitimas do Santo Oficio, acusados de bruxaria.
 A passos rápido, Otavio correu a avisar Evelin.
 Não precisava ser muito esperto para perceber a forte atração que ele sentia por Evelin. Seus olhos de admiração procuravam a todo instante pelo olhar faceiro dela. A juventude tem mesmo este fervor... Otavio estava apaixonado pela bela moça. Pensava nela a todo instante, e ao mesmo tempo que a cobiçava de longe,rezava em pensamento para que o monsenhor não suspeitasse... Se ao menos desconfiasse de tal atração, seria capaz de leva-lo a fogueira como fez com os seus pais.
 Em silencio abriu a pesada porta da capela para que Evelin pudesse passar e tornou a fecha-la.
 A moça esperou cerca de vinte minutos. Ali sozinha frente a imagens velhas e descascadas. Fitou o semblante suave da virgem Maria, ajoelhada aos pés da cruz. De súbito desviou o rosto. Não queria nada com santos e virgens.
 Monsenhor Edward entrou apresado e Evelin logo se jogou em seus braços, beijando-o com impetuosidade. Edward correspondeu ao beijo sem muito ardor, mais ainda assim, amaram-se ali mesmo, no chão, sob os olhos marejados da Virgem.
 O jovem Otavio conhecia cada centímetro daquele lugar... Conhecia até mesmo as frestas e os buracos estreitos nas paredes... E foi por um deles que ele novamente testemunhou o árduo romance da moça com o monsenhor.
 Depois que terminaram, Evelin se vestiu ás pressas, de costa para a imagem e esperou que ele falasse:
 — Lamento tê-la feito vir aqui, mais espero a visita do arcebispo de Madri e não pude me ausentar. Tenho uma nova missão para você.
 — De quem se trata? - Perguntou ela sem muito interesse.
 — Dom Fernão Batista Figueiredo.
 — O comerciante de sedas?
 — Esse mesmo. Desconfio que ele esta envolvido sexualmente com uma descendente de bruxa.
 — E o que quer que eu faça?
 — O de sempre. Não será muito difícil. Ouvir dizer que dom Fernão, apesar de apaixonado pela tal bruxa, tem uma queda especial por mulheres bonitas.
 — E a quanto moça? A tal descendente de bruxa. O que farei com ela?
 — Quero-a também. Prendendo-o não será difícil chegar até ela. Afinal, foi ela quem o seduziu com suas heresias.
 Edward se retirou e Evelin esperou cerca de cinco minutos para sair também.
 Do lado de fora, oculto atrás do muro, Otavio já a aguardava. Depois que ela saiu foi trancar a porta. Do alto das escadas ficou vendo-a afastar-se, pensando em como seria bom poder estar com ela, fazer com ela as coisas que o monsenhor fazia...
Já em sua casa Evelin se pôs a maquinar: O que faria para se aproximar de dom Fernão?
 Evelin era o que se podia chamar de espiã. Amante de Edward Navarro, cardeal inquisidor do Santo Oficio, tornou-se sua delatora oficial. Monsenhor Edward como era conhecido pelos fieis, era ardoroso defensor da fé católica e não permitia que ninguém a ela se opusesse.
 Para prender os hereges, Edward contava com os chamados delatores da fé. Qualquer um poderia denunciar um herege.
 Os hereges em sua maioria eram pessoas muitas ricas, cujos bens eram logo confiscado  pela igreja. Como premio ao delator, cabia-lhe uma pequena parte dos bens do acusado. E era exatamente isso que Evelin fazia.
 Dona de uma beleza exótica, alem de profunda conhecedora de magia negra, era-lhe muito fácil atrair e seduzir os suspeitos indicados por Edward, deles obtendo as duvidosas confissões que servia de base á instauração dos processos.
 Evelin enriqueceu depressa. Juntou uma boa soma em ouro e joias e comprou uma bonita casa nos arredores de Servilha. Ali vivia em companhia de duas escravas negras, compradas de um mercador português.
 Entrando em casa foi direto ao porão. Era ali que se dedicava a arte de magia. Havia vidros com líquidos estranhos, raízes de plantas desconhecidas, caixas com insetos e aranhas, sangue de diversos animais engarrafados em pequenos frascos que dividia espaço em uma pequena estante com livros. Livros estes repletos de volumes com magia negra e conhecimento ocultos.
 Juntou alguns ingredientes, pegou um livro de capa vermelha, escreveu o nome completo de dom Fernão e foi  para a floresta, onde costumava praticar seu ocultismo.
 
 Sentado em um grosso galho de uma arvore, Otavio via Evelin em volta de suas magias... Não era a primeira vez que ele via aquela cena. Só esperava o momento certo para tirar proveito daquela valiosa informação.
 Fernão tinha acabado de jantar quando a escrava da casa se aproximou e entregou-lhe uma carta, o envelope não continha nenhum brasão que indicasse de quem seria. Depois de dispensar a serviçal, abriu o envelope e se deparou com um convite para encontrar com uma certa moça na taberna, a carta dizia que era de suma importância que não faltasse.
  Ainda era cedo quando adentrou as portas de vai e vem da taberna. Se encaminhou até o balcão e perguntou a um rapazinho que servia as bebidas.
 — Onde eu posso encontrar a senhorita de nome Evelin?
Com um gesto de cabeça ele indicou onde Evelin estava sentada.
 O suspeito aproximou-se com certa cautela e perguntou com visível admiração:
 — Senhorita Evelin?
 — Sim. – consentiu a com voz aguçada
 — Meu nome é Fernão... – se revelou enquanto se aproximava – Vim porque me convidou.
  Com um gesto de mão ela o fez parar:
 — Aqui não. Siga-me.
  Evelin discretamente cobriu de prata a mão do jovem balconista e seguiu com Fernão pela porta dos fundos, onde uma carruagem já os esperava.
 — Onde vamos?
 Ela sorriu com discrição e respondeu com leve sorriso:
 — Vamos até minha casa. Lá é mais discreto.
   
 Secretamente, como de costume, o tribunal do Santo Ofício realizava outro ato de fé, encerrando mais um dos muitos processos de heresia. O acusado não ousava levantar os olhos para seus inquisidores. Já quase não tinha consciência de sí mesmo, tamanho o estado de flagelo em que foram colocados seu corpo e sua mente. A morte naquele momento lhe seria uma bênção.
 — Senhor Julião Ortis, - começara então  monsenhor Edward - não é verdade que o senhor, possuído pelo demônio, ousou violar a irmã Maria?
 O pobre homem nada respondeu.
 — Pois foi isso mesmo que aconteceu. Como podem ver, tenho aqui um documento assinado pelo acusado, reconhecendo-se presa de espíritos infernais, que dele se utilizaram para violar a castidade de irmã Maria, uma freira cuja vida foi dedicada ao Nosso Senhor Jesus Cristo.
 Exibira o papel aos outros padres que leram atentamente passando-o de mão em mão.  
 — Tenho neste documento o resultado do laudo do medico Silvério, atestando a violação do corpo da freira. Freira esta expulsa do nosso convento.
 Imediatamente o homem foi levado para o lugar da execução. Começou a chorar, sentindo a iminência da morte. Embora ainda sem entender o que havia feito para merecer tal castigo, pois a própria freira consentiu com o ato.
 Foi amarrado ao poste e os carrascos, com as tochas na mão, atearam fogo as palhas cuidadosamente postas a seus pés. No mesmo instante as chamas o consumiram, e ouviram-se seus gritos agudos e desesperados.
 O inquisidor-geral estava muito satisfeito. Monsenhor Edward foi parabenizado pelo excelente trabalho. Obterá a confissão do homem  após longas sessões de tortura.
 — É notável sua extrema dedicação para com nossa igreja. Esta de parabéns monsenhor! - Falara o inquisidor geral - Em breve será consagrado bispo. E quanto ao caso de Don Fernão?
 — Não se preocupe senhor. De hoje para amanhã alguém o denunciara e ele será levado a julgamento. Só preciso disto para condena-lo a prisão.

 A denuncia de Evelin foi naquele mesmo dia. Baseada em uma conversa que tivera na noite anterior com dom Fernão, depois de uma longa orgia e muita bebida, o homem acabara confessando que estava apaixonado por uma mulher que tinha o dom da cura através de rezas. Isso bastou para um mandado de busca e apreensão dos bens de dom Fernão.
 Naquela mesma noite enquanto já se preparava para deitar, escutou fortes batidas na porta.
 — Mais o que é que estar acontecendo aqui?
 No mesmo instante, foi agarrado por dois homens, que o prendiam com força, enquanto um terceiro desenrolava um pergaminho e começava a ler.
 — Por ordem de sua eminência, o cardeal Edward Navarro, inquisidor do Tribunal do Santo Ofício de Servilha, fica dom Fernão Batista Figueiredo, neste dia 15 de julho de l495, intimado a coparecer a sua presença no tribunal, onde será recolhido a masmorra por tempo indeterminado, até que sejam apurados os fatos da mais alta heresia contra ele denunciado...
 De nada adiantaram suas suplicas. Fernão foi arrastado à masmorra, sem nem saber do que estava sendo acusado.
 Somente dois dias depois, quando já havia sido submetido a todo sorte de tortura, foi que Edward apareceu.
 — Monsenhor, - suplicou humilde - porque estão fazendo isso comigo? O que foi que eu fiz?
 — Don Fernão - declarou solene - esta sendo acusado da mais alta heresia por se envolver com uma mulher que adora práticas contrárias aos costumes da fé da igreja. É de nosso conhecimento que sua noiva Jessica  Vadez, é filha de um mouro nojento. A limpeza de sangue é necessária e não podemos permitir que a descendência Moura continue a espalhar seu sangue profano por nossa terra santificada.
 Apavorado, Dom Fernão começa a chorar e gemer em desespero.
 — Onde esta Jessica? O que fizeram com Jessica? - pôs-se a gritar.
 Na mesma hora sentiu uma insana dor aguda  nos pés e soltou um grito de pavor. O carrasco acabara de queimar a sola de seus pés, causando-lhe imenso sofrimento.
 — Não adianta gritar, - respondeu monsenhor em sua calmaria - Jessica não pode ouvi-lo de onde está. Porque não confessa logo seu crime, e como Jessica já o fez, e acaba logo com o seu suplício?
 — Jessica confessou?
 — É claro. Arrependeu-se e quis salvar sua alma. Porque não faz o mesmo?
 — Não tenho o que confessar, pois nada fiz!
 — Não é o que parece. A denuncia contra você foi bastante clara.
 — Que denuncia? Quem fez essa denuncia?
 — Isso não importa. Seus atos foram testemunhados por alguém que veio ás mesas Inquisidoras e o denunciou. É o quanto basta para mim.
 — Foi Evelin não foi? - tornou com raiva. - Aquela vadia, meretriz, ordinária! Como se atreve a dar ouvidos a uma vadia feito Evelin, em lugar de acreditar em um nobre honrado como eu?
 — A palavra de um nobre nada vale se fere as leis de Deus.

 Evelin sentiu imensa alegria ao ver Edward descer da carruagem, diante de sua casa. Estava ansiosa pela recompensa que receberia por denunciar Fernão.
 — Agiu muito bem com dom Fernão Evelin, - elogiou ele, após abraça-la - Sua confissão é questão de tempo.
 — E a tal Jessica? Também já confessou?
 — Sim, sua execução será amanhã.
 O casal passou a tarde se amando. Já anoitecia quando Edward  subiu em sua charrete e partiu de volta a igreja. Ao longe, Otavio o observava se afastar.
 Evelin ainda sentia o cheiro da colônia do monsenhor quando uma escrava entrou no quarto anunciando.
 — Minha senhora, tem um jovem a sua procura, ele diz que veio da parte do monsenhor Edward.
 Evelin não podia entender, quem viria procura-la em nome de Edward se ele acabara de sair de lá? Sem nada responder a escrava, colocou um roupão por cima da fina camisola que usava e desceu,
 — Otavio? - Espantou-se ao ver o menino que foi criado por Edward ali, a sua procura.
 — Desculpe senhorita, preciso lhe falar.
 Dispensando as escravas, ela conduziu o menino até uma grande biblioteca que ela mantinha só por luxo.
 — Pois pode falar - disse assim que entrou e sentou-se atrás de uma escrivaninha, enquanto Otavio continuava de pé com a cabeça baixa.
 — Eu sei de suas magias senhorita. Testemunhei todo seu misticismo...
 Evelin sentiu o chão abrir sobre seus pés, mais se manteve calma
 — Do que diabos você esta falando seu moleque atrevido?
 — Não adianta a senhora negar, por muitas vezes eu a vi na floresta fazendo suas magias.
 Sem querer prolongar aquela conversa, ela foi direto ao assunto
 — O que você quer? Sim, porque com certeza se fosse me denunciar já o teria feito a Edward.
 — Eu quero a senhora. - falou sem dar tempo de arrepender-se.
 Depois de uma gargalhada que fez eco nas altas paredes da biblioteca, Evelin falou
 — Tá certo Otavio, você vai ter a honra de me possuir. Mas qual a garantia de que você não continuaria a me chantagear?
 — Minha vida, porque  saindo daqui você me denunciara ao monsenhor e ele mandará me executar.
 — E você acha que uma única noite comigo valera sua vida?
 — Minha vida acabou no dia em que meus pais foram queimados na fogueira, por um crime que não cometeram. Viver para servir aos caprichos do monsenhor não é uma vida.
 Já era madrugada quando Otavio saiu da casa de Evelin. Ele sabia que sua vida acabaria ali, mais tinha a certeza que não seria só a dele.
 Dois dias depois, Otavio foi encontrado enforcado no velho telhado da capela abandonada.

 Tinha-se passado mais de dois meses desde do ocorrido com Otavio. Evelin ainda sentia nojo ao lembrar do moleque atrevido em cima dela. Depois de tomar o café da manhã, estava se arrumando para ir até o centro de  Servilha para fazer algumas compras, quando ouviu batidas na porta. Sem da maior importância, continuou com o que estava fazendo quando sua escrava entrou afobada e sem ter tempo de nada falar, ela viu adentrar em seu quarto três soldados da igreja. E como acontecia com todas as pessoas denunciada por heresia, depois de ouvir um guarda ler o pergaminho foi conduzida ao tribunal.
 Ao se arrastada sobre protestos pelos guardas pela longa escadaria de sua casa, seu sangue gelou quando viu a grande e pesada porta do porão de sua casa aberta e alguns guardas entrando. Naquele instante ela soube que estaria perdida, nem mesmo Edward poderia lhe salvar. Mais quem poderia ter lhe denunciado?
 Quando monsenhor Edward soube da prisão de Evelin, pensou que fosse explodir. Estava voltando do calabouço após uma longa sessão de tortura, quando viu os soldados entrando com ela. Na mesma hora quis ir ao seu encontro, mas a prudência o fez recuar.
 Evelin vinha de cabeça baixa, amarrada e muito segura, e não o vira do outro lado. Naquele momento Edward não poderia descrever a dor que sentiu. Mais estava atado a sua posição de inquisidor e não poderia agir contra a instituição. Fingindo nada ter visto, foi direto a seus aposentos tentar se recompor, para depois fazer alguma coisa.
 Estava lavando o rosto em uma bacia com água quando sua porta foi aberta, e um dos padre entrou, já lhe informando.
 — Edward, acabou de chegar uma carta de Roma, onde o santo Papa pede sua transferência imediata para uma cidadezinha ao sul de Madri. Você foi denunciado por vários crimes, dentre eles a pratica de julgamento injusto, desvio de bens da igreja, manter uma meretriz acusada de bruxaria como sua concubina e manter relações sexual aqui dentro da santa igreja. E dentre destes, o pior de todos: Acusado de matar seu protegido Otavio, motivado por ciúmes...
  Ele ainda levou alguns minutos até similar todas aquelas acusações. Mas depois de ler a carta vinda de Roma, só restava baixar a cabeça e aceitar a transferência, esquecendo de uma vez por todas o sonho que um dia teve de ser bispo da santa igreja e quem sabe, até fazer parte do clero do Papa.
 Tinha que agradecer por terem poupado sua vida. O pior de tudo era não poder fazer nada por Evelin, desconhecia suas praticas de bruxarias, mas também nunca tinha procurado saber como ela tinha conseguido as confissões dos muitos herege que levou até a mesa de julgamento.
 — Posso ao menos saber quem fez todas essas denuncias? - Perguntou enquanto se arrumava para sua longa viagem.
 — Otavio enviou uma carta ao santo Papa, uma semana antes de sua morte...
     Edward não precisava ouvir mais nada. Tinha subestimado o menino que ele criou desde os três anos de idade.
   
 Evelin foi queimada viva dois dias depois da transferência de Monsenhor Edward. Seis anos depois de atuar como padre na cidade pequena, Edward foi indicado como Bispo pelo próprio Papa.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Ex namorado

 Eu contemplava o sangue pingando na pia do banheiro enquanto a dor me consumia. Abri a torneira e limpei o aparelho de barbear, em seguida meus pulsos, sentindo uma dor pior do que a de antes, mas ainda assim menor do que a que eu sentia por dentro.
 Joguei o aparelho na bolsa e me sentei no chão. Ainda não podia acreditar que ele havia me deixado. Uma semana, uma semana de namoro! E então ele me trocou por aquela idiota, depois de tudo o que me disse, de tudo que me prometeu. A pior parte era que eu sabia, lá no fundo, que ainda o amava. Desgraçado.
 Lágrimas pingavam em minha camiseta. Foi quando tomei uma decisão, resolveria tudo isso do meu jeito. Enxuguei as lágrimas e saí do banheiro do hotel, pegando antes um pacote que jurei a mim mesma que nunca usaria, mas agora era necessário.
 Fui até o shopping, pois sabia que ele e sua namorada tosca estariam ali, assim como eu e ele há 3 semanas. As lembranças que cada canto daquele lugar me traziam eram quase insuportáveis, mas eu não podia chorar, não agora. Procurei pelo shopping todo, até encontrar ele e sua namoradinha sentados num banco. O mesmo banco onde demos nosso primeiro beijo e ele me disse que ninguém me tiraria dele. Promessas vazias, é claro.
 Me aproximei, respirando fundo e colocando aquele maldito sorriso falso no rosto. Não queria que ele soubesse o quanto sentia sua falta, ou o quanto fiquei triste quando ele se foi.
 - Pedro? - eu disse, parecendo surpresa.
 Ele ergueu seus olhos castanhos, olhando para mim. Segundos depois sorriu, como se fôssemos velhos amigos, mas não se levantou.
 - Clara? Sim, quanto tempo! O que faz aqui? - perguntou-me.
 - Estava apenas procurando um presente para minha mãe. Você sabe, amanhã é aniversário dela. E vocês?
 - Só... namorando - respondeu sua namorada idiota, com um sorriso. Eles se beijaram, e reuni toda as minhas forças para não desabar ali mesmo, e dizer tudo o que Pedro precisava ouvir. Tinha de ser forte, logo isso acabaria.
 Sorri, e disse:
 - Desculpa interromper, mas Ana, posso trocar umas palavrinhas com você?
 - Uhum. Já volto, amor - disse ela.
 Acenei para Pedro e segui com Ana para o banheiro, conversando como quem não quer nada. O banheiro estava vazio, ótimo.
 Tranquei a porta e tratei de cobrir todas as câmeras que encontrei. Ana me olhou, intrigada.
 - Por que está fazendo isso? - perguntou.
 - É uma conversa particular, não quero que ninguém saiba.
 Quando tirei o pacote de minha bolsa, Ana afastou-se, e eu pude ver o medo em seus olhos. Sorri e tirei a arma do tal pacote, colocando luvas antes. Ana tentou gritar, mas fui mais rápida e tapei sua boca com minha mão.
 - Quieta, vadia - bati nela com a arma, ela caiu inconsciente em meus braços. - Eu amava Pedro, e ainda amo. Tínhamos uma bela vida pela frente, mas você, sua idiota, estragou tudo dizendo a ele que ainda o amava. Ele acreditou, é claro, e me trocou por você. Mas agora isso vai acabar, e Pedro será meu de novo.
 Ela recobrou a consciência, e tentou se desvencilhar de meus braços. Tarde demais, atirei em sua cabeça, estourando seus miolos. Sorri e guardei a arma, tirei um vidro de acetona de minha bolsa e espalhei pelo banheiro, acendendo um fósforo em seguida e jogando-o sobre o corpo de Ana. Destranquei a porta e dei a volta no shopping, para que Pedro pensasse que vim de outro lugar. Algo desnecessário, já que várias pessoas corriam em direção à saída.
 O fogo havia se espalhado rapidamente, e todos estavam em pânico. Corri também, como se não soubesse de nada, e lá fora encontrei Pedro, aos prantos.
 - Cadê a Ana? - gritou, desesperado.
 - Não sei, eu estava caminhando com ela e então o incêndio começou. perdi ela de vista, me desculpe.

 Hoje eu e Pedro somos casados, ele não desconfia de nada e vez ou outra diz que tem pesadelos com Ana, nos quais ela aparece queimada e tentando lhe dizer algo, mas tudo o que consegue é dizer meu nome. Ele entende isso como um pedido de Ana para que ele fique comigo. O shopping foi totalmente destruído pelo fogo e junto com Ana, mais de 100 pessoas se foram. Hoje o local é um terreno vazio, que todos dizem ter medo por ouvir vozes pedindo ajuda. Não me arrependo de nada do que fiz, e é por isso que hoje ajudo casais como eu e Pedro uma vez fomos, matando quem faz sofrer as ex-namoradas dos rapazes. Alguns voltam, outros não, e então tenho de acabar com todos os envolvidos na história. Pedro não desconfia de nada, acha que sou apenas uma dona de casa inocente. Melhor assim.

O tenebroso hospital de....

“O dia no hospital estava tenso. No principal corredor, bombeiros e médicos corriam desesperados carregando uma maca. Haveria muitos corpos chegando naquele dia, naquele local.”
“O paciente gritava aos prantos com a voz completamente embargada de sangue. Não fosse pelas mãos hábeis do médico, ele certamente teria morrido antes mesmo de chegar na sala de trauma.”

“As explosões soavam do lado de fora, acho que ninguém nunca vai esquecer o dia daquele atentado.”
-Cara, volta pra história!
“Ah, sim, claro. Eles corriam em desespero, mas o que ninguém sabia é que aquele não era um paciente de guerra, mas sim uma vítima de um terrível ritual.”

“Dizem que nesta sala, exatamente aqui, ele se levantou no meio da operação e com uma mão arrancou seu coração. Os cirurgiões viram seu corpo flutuar até ser arremessado contra a parede. Ele se levantou com o pescoço quebrado e começou a persegui-los.”
“Os médicos nunca viram algo assim. Ele ficara corcunda e só Deus sabe de onde, tirou um crucifixo e começou a furar o peito de um dos enfermeiros.”

“Todos tentaram sair da sala, mas como vocês devem imaginar, eles não conseguiram. Tentaram conter o paciente, mas ele era muito mais forte. O pessoal do hospital teve que trancar a porta por fora enquanto os pobres homens do lado de dentro eram devorados pela criatura.”
“Ninguém sabe hoje como ele era. Meu avô disse tê-lo visto na época, mas hoje não consegue descrever com exatidão.”

“Ele só sabe que depois de quatro semanas o homem morreu. Ele gritava muito, esperneava palavras inaudíveis, e seus olhos eram vermelhos como chamas vindas do inferno. O pior mesmo foi ver que não era um vampiro, não era um lobisomem.”
“Era apenas um homem, vítima de algum ritual maluco que fizeram por aí. Ele estava possuído. Disso ninguém tinha dúvidas. Chamaram um padre. O coitado quis entrar lá dentro e acabou morto também.”

“Quatro semanas depois do incidente, ele acabou falecendo. A autópsia apontou ataque cardíaco e desnutrição, eu acho. Meu avô disse que essa sala fedia muito, um cheio de enxofre muito forte, e que depois que tiraram o corpo daqui, demorou três meses para alguém utilizar a sala de novo. Foi uma enfermeira.”
“Ela entrou aqui e pirou. Ficou louca. Se cortou toda com um bisturi e quando ouviram os gritos dela e foram ver o que estava acontecendo, encontraram-na andando com as costas arqueadas, os olhos todos negros, e estava ali, naquele canto.”

“Ela não estava no chão. Parecia um réptil se arrastando pela parede.”
“Quando meu avô e o avô do Caio entraram, ela se contorceu ainda mais e grunhiu. Juro por Deus, que meu avô disse que jamais entraria aqui novamente.”

“A enfermeira morreu na mesma hora que eles entraram. Foi um grito alto, seguido do corpo dela caindo no chão.”
“Dizem que quando foram preparar seu corpo para o velório, encontraram um crucifixo no ânus dela, e que seu corpo estava tão duro que foi preciso quebrar suas mãos para que ficassem direito no caixão.”

-E o que aconteceu depois disso?
“Meu avô disse que fecharam a sala e não falaram mais no assunto. Trancaram-na como estava, ninguém nunca mais pisou os pés lá dentro. As vezes as pessoas passavam aqui em frente e diziam ouvir choro, lamentos, e de vez em quando, gritos desesperados de alguém.”
-Meu Deus...
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As crianças estavam reunidas dentro da sala de cirurgias do antigo hospital São Sebastião.
Após anos de funcionamento, a unidade de pronto atendimento havia sido desativada por falta de verbas. A cidade do interior fora palco de uma pequena guerra civil nos anos 50, época em que as coisas ficaram bem movimentadas por lá. Nesse tempo, as atrocidades eram tantas que todos os meios de tortura eram utilizados. Inclusive rituais satânicos, para induzir a vítima a loucura e suicídio.

Esta é mais uma das histórias brasileiras que não estão nos livros. Ninguém se lembra, a não ser os poucos velhos que ainda insistem em conta-la para as crianças e os jovens da antiga cidade.

-Pedro, estou com medo. Não acha melhor a gente sair daqui?

As crianças sempre se reuniam na rua para contar essas histórias, mas naquela noite, Pedro sugeriu que se todos fossem homens de verdade, deveriam se reunir na sala do hospital, onde tudo acontecera.

No calor do momento, Caio, Renan e Alisson concordaram em ir até lá. O local ficava distante a apenas duas quadras da rua onde moravam e não havia segurança. Era um lugar velho e pouco convidativo. Esporadicamente, moradores de rua eram removidos de lá pela prefeitura, mas não passava disso.

Quando as crianças chegaram à sala estava trancada. O cheiro do lado de dentro parecia ser tal qual os avós de Pedro e Caio descreveram. Enxofre certamente. Era tão forte que fazia seus narizes arderem, mas ainda assim, a curiosidade infantil falou mais alto, e sem muita dificuldade, os garotos arrombaram a porta que abriu com um rangido.

A noite era alta, quase 20 horas. Todos sentiram certo receio, mas para provar uns para os outros que eram mais fortes, ambos entraram e ouviram Pedro, que de pé e na posse de uma lanterna, contava com detalhes a história tantas vezes ouvida...

-E foi isso gente – Pedro concluiu.
-Pedro, estou com medo. Não acha melhor sairmos daqui?
Caio era o mais novo da turma, e, portanto, segundo os meninos o mais covarde.

-Medo? Mas medo de que? – Alisson ergueu a voz.
Renan interviu a favor de Caio.
-Gente, acho melhor a gente sair daqui mesmo. Já está tarde e minha mãe...
-Shhh!! – Caio praticamente sussurrou – Escutaram isso?

Um barulho veio do corredor. Algo se arrastava ali, próximo a eles.
As crianças se encolheram e por um instante pareceram esquecer que estavam ali.

-O que vamos fazer?  - perguntou Pedro.
Ninguém respondeu. O barulho parecia mais perto, e as crianças deram passos para trás. Sem notar, eles deram as mãos uns aos outros. Caio começou a tremer.

-Pare Caio... A gente não sabe o que tem ali – Disse Alisson apontando em direção à porta.
-Estou com medo... – respondeu o garoto.

Subitamente, um grunhido alto pareceu partir de um canto de dentro da sala. Os meninos correram em direção a porta, e atrás deles, passos começaram a ecoar.

Pedro corria em desespero pelo corredor buscando a saída. Tentava olhar para trás para ver os amigos, mas tinha certeza de que se o fizesse, veria algo que não queria ver.

Caio era gordinho. Sentiu o cansaço nas pernas bater mais alto que o pânico que sentia. Viu uma porta aberta com os dizeres “Banheiro” e entrou, fechando-a atrás de si.

Lá dentro tudo estava escuro. O menino tremia chamando pela mãe, mas só o silêncio parecia responder. Quando o seus olhos se acostumaram ao breu, uma figura curva surgiu diante dele. A enfermeira com as costas arqueadas e passos de lagarto viu o garoto e investiu. Caio gritou e caiu, sentindo um frio intenso se apoderar de seu corpo. Fechou os olhos, e quando os abriu, uma vermelhidão tomou conta deles.

Renan e Alisson conseguiram sair do hospital. Pararam em frente à portaria e olharam para trás. Pedro corria aos trancos e barrancos, com uma expressão de pavor no rosto. Atrás dele, passos de alguém correndo e mãos negras se esforçavam para pega-lo e arrasta-lo para dentro.

Quando o garoto enfim cruzou a porta de saída, Alisson e Renan viram aquele que um dia tinha sido o jovem, vítima do ritual. Ele urrou em ira, contemplando as crianças que escaparam. Em sua mão, um enorme crucifixo negro pendeu e caiu no chão, produzindo um alto ruído.

Os meninos correram juntos, sem olhar para trás, e juraram nunca mais voltar a aquele lugar novamente.

No dia seguinte, ao cair da tarde as sirenes de carros de polícia tomavam conta da rua em frente ao hospital São Sebastião. Jornalistas cercavam o prédio, entrevistando os pais dos garotos que fugiram. Incrédulos a versões, alguns deles riam, do que julgavam ser apenas histórias de crianças assustadas.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Bicho papão

A todo tempo estamos sujeitos a enfrentar nossos maiores medos. Somos seres vulneráveis e desprotegidos de todo a espécie de mal. As vezes ignoramos, outras nem percebemos. Mas o terror existe. No exterior, ou dentro de nós mesmos. Já li em algum lugar, que sentimos mais medo quando crianças. Isso ocorre por que ainda pequenos usamos frequentemente uma das forças mais poderosas que o homem tem, a imaginação. Outro momento onde o medo sempre nasce, é a noite. Não preciso nem explicar o porquê certo?

Esta estória é uma fusão disso. Um pequeno recorte ficcional que apresenta o poder dos nossos pensamentos em uma noite fria de sexta-feira. Nosso personagem, um menino de dez anos. Que infelizmente vai sofrer muito enquanto a noite durar.

Leia, lembre-se de sua infância, volte a ser criança... Mas cuidado, aqui tudo é possível.

Fernando deveria estar dormindo. Pelo menos foi isso que sua mãe ordenou. Mas em vez de obedecer, o garoto de dez anos escolheu ficar acordado e assistir à um filme, o qual ele havia visto a propaganda poucos dias atrás. Se chamava "O Bicho Papão e estaria no ar a meia-noite daquela sexta-feira.

Quando chegou a hora, Fernando correu para baixo de seus cobertores, ligou a TV e começou a assistir ao filme.

O Bicho-Papão era uma produção barata, e o que não conseguia fazer no sentido de efeitos especiais com o monstro, recompensava os fãs de terror pelo seu suspense e pelas macabras mortes das crianças. O filme era horrível, em todos os sentidos.

Fernando nunca havia visto tanto sangue e tantas mortes violentas como aquelas do filme. Na maioria delas o Bichão Papão saia debaixo da cama e devorava as criancinhas. O menino já assustado demais, decidiu que o melhor era desligar a TV. Mas não precisou fazer isso, pois quando se aprontava para pegar o controle remoto, o televisor desligou sozinho. Então a escuridão predominou no quarto e o medo do garoto começou a aumentar. Seu corpo paralisou o quarto foi tomado pela escuridão.

Para piorar a situação, um barulho veio debaixo da cama. Fernando começou a chorar, sentiu algo puxando seus cobertores e quando estava prestes a dar um grito, um par de garras agarraram seu pescoço.

Não conseguiu se libertar, estava sendo sufocado pelo monstro. Foi uma questão de segundos para que sua vista começasse a escurecer. Um blackout e depois, a queda. Caiu em um abismo e o choque contra a cama lhe acordou. Quando abriu os olhos, a TV ainda estava ligada.

Tudo não passara de um pesadelo...

Fernando acabou dormindo em determinada parte do filme e depois sonhou com o que estava assistindo. Consequências normais para uma criança que não está acostumada a ver filmes de terror.

Olhou para a TV e viu que o filme ainda passava. Arrumou seus cobertores e desligou o aparelho. Não queria ver mais nenhum minuto daquele filme nojento.

Para não ficar totalmente no escuro Fernando acendeu seu abajur.

Respirou fundo e fechou os olhos. Tentou dormir, mas o medo não havia ido embora, não era tão fácil assim esquecer do monstro do filme, esquecer do pesadelo. Fechou os olhos e procurou pelo sono.

Minutos se passaram e o barulho, aquele que ele havia ouvido no sonho, começa a lhe atormentar novamente. Imagine como o pequeno

Fernando ficou nesse momento. Tudo era medo, seu corpo paralisou e ele não tinha coragem de gritar. Para piorar a luz do abajur se apagou e o quarto ficou todo escuro. O garotinho continuou a ouvir o barulho debaixo da cama, como se algo estive se arrastando, se preparando para sair. Era o bicho-papão, só podia ser ele. De novo.

Então o medonho som cessou e Fernando sentiu a presença de mais alguém no quarto. Passou a ouvir uma respiração. Ofegante e lenta. No ar, um estranho odor predominava e algo parecia estar se aproximando.

Lágrimas escorreram do rosto do menino e ele começou a rezar. Sua mãe havia lhe ensinado que para espantar o medo e os monstros bastava rezar. Mas ele nunca havia rezado para espantar monstros, nunca tinha sentido a presença de um em seu quarto.
Mesmo assim rezou, rezou torcendo para que aquelas palavras tivessem efeitos no Bicho Papão.

- Santo anjo do Senhor...  A respiração ficava cada vez mais próxima.

- ...meu zeloso guardador... Fernando fechou os olhos e rezou com mais fé.

- ...se a ti me confiou a piedade divina... Agora o garoto escutava passos!

- ... sempre me rege, me guarde, me governe, me ilumine.... O monstro parecia estar bem ao seu lado!

Nesse momento, Fernando sentiu uma mão em seu ombro esquerdo e seu amém se transformou em um longo grito de pavor.

- AMÉEEEEEEEEEEEEEM!

A calça ficou molhada. Pela primeira vez, ele urinou na cama.

- Calma, calma meu filho. É o papai, por que você está chorando?

Olhou para o pai, ainda com medo de que tudo fosse outra peça do Bicho-Papão, ainda com medo de estar preso em algum tipo de pesadelo.

- Vem aqui comigo, aposto que você viu algum desses filmes idiotas.
Vamos, vem dormir comigo e sua mãe. Disse Ricardo, pai de Fernando, enquanto pegava o filho no colo.

Ao sair do quarto, do colo de seu pai, Fernando olhou para baixo de sua cama e viu dois olhos amarelos o encarando. Morrendo de medo ele colocou a cabeça no ombro de Ricardo e começou a chorar.

O menininho sabia que naquela noite ele estaria seguro, mas e na próxima, como faria?

Resolveu falar para o pai e entre soluços comentou:

- O monstro tá debaixo da cama pai...

Ricardo voltou até o quarto, acendeu a luz e falou:

- Olha lá Fernando, não há nada!

O garoto deu uma espiada e confirmou sua primeira visão. Debaixo da sua cama morava um monstro. O mesmo do filme.

A criatura sorria para o garoto, invisível aos olhos do pai.

O ultimo beijo

Sei que as vezes uso
                                    Palavras repetidas
                                    Mas quais são as palavras
                                    Que nunca são ditas?”
                            QUASE SEM QUERER, RENATO RUSSO



 Deixa a vela clarear sua face esplendorosa... Alise seu rosto branco por sobre o véu transparente diante do cortejo fúnebre. A copie em sua mente antes que os vermes a devorem!
 Segure firme com o braço esquerdo a alça larga do caixão... A moça morta ainda conserva a beleza rodeada por flores frescas. Chore o que tiver pra chorar, olhe para trás, a multidão triste, os familiares inconsolados seguindo o cortejo, rumo a sepultura, ultima morada do seu grande amor.

 Eles não sabem, é claro que não sabem que você a matou! Você a amava mais que tudo! Como poderiam eles desconfiar?
 E como explicar que foi tudo um acidente sem ser julgado e condenado?
 Ela esta morta e isto é fato, você não teve culpa... Talvez tenha, mas se converta em arrependimento, busque a paz de seu espírito e tente acalmar seu coração machucado pela grande perda:
 — Eu te amo – Foi as ultimas palavras que sairão da boca dela.
 O tiro a atravessou, ela caiu e você a socorreu... Ela antes de fechar os olhos disse que te amava! Queria dizer que estava perdoado, mas... “Eu Te Amo” poderia dizer tantas coisas que você por fim poderia entender o perdão concedido...
 — Foi um assaltante... Entrou para levar nossas coisas e acabou tirando o que eu mais amava! – Foi com essas palavras que você se defendeu e foi consolado.

 A noite cai, o cortejo chega ao seu destino. O caixão é aberto para a ultima despedida. Fecham ele logo em seguida... A família se despede e ele desce lentamente até a cova profunda.
 Você apenas segura a vela acesa e lamenta profundamente... A terra cobre  sua amada e as pessoas seguem suas vidas, esqueceram mais cedo ou mais tarde. Mas você não. Você jamais se esquecerá!
 A noite se cala. Você está só com ela no cemitério... Esta insano diante do sepulcro de sua amada. Chora, chora em remorso pedindo perdão:
 — Por Deus, meu grande amor... Me perdoe... Eu... Eu disparei sem querer... Achei que estava descarregada... Eu jurava que estava... Me perdoe! Me perdoe meu grande amor!!!
 Você cai de joelhos, junto com a chuva fina... O desespero lhe culmina e a vela se apaga. Você não consegue se perdoar... A dor e a saudade se fundem e você apela, quer desenterrá-la e beijar-lhe a face, quer invadir com as unhas a terra fofa, rasgar a tampa do caixão, tomá-la em seus braços e dar um ultimo beijo, antes que sua beleza alimente os vermes e seque.
 Você cava, cava desvairado, profana com suas mãos imundas o leito sagrado de sua amada! Arranca a moça de seu caixão, de seu enfeite de flores e implora:
 — Me perdoe... Não sei viver sem o teu amor...
 Ela abre os olhos, te olha tremula. Vê sua reação e triste, diante sua delinquência, indaga:
— Eu não te perdoo!
 Você treme, o inferno desce na terra. Ela esta rancorosa e lhe ataca... Como é cruel a dor do remorso... Você se deixa levar pela ira de sua doce amada... Se entrega a fome de vingança de seu grande amor, deixa ela abrir seu peito e devorar seu coração, pois você prometeu que ele seria para sempre dela...Sei que as vezes uso
                                    Palavras repetidas
                                    Mas quais são as palavras
                                    Que nunca são ditas?”
                            QUASE SEM QUERER, RENATO RUSSO



 Deixa a vela clarear sua face esplendorosa... Alise seu rosto branco por sobre o véu transparente diante do cortejo fúnebre. A copie em sua mente antes que os vermes a devorem!
 Segure firme com o braço esquerdo a alça larga do caixão... A moça morta ainda conserva a beleza rodeada por flores frescas. Chore o que tiver pra chorar, olhe para trás, a multidão triste, os familiares inconsolados seguindo o cortejo, rumo a sepultura, ultima morada do seu grande amor.

 Eles não sabem, é claro que não sabem que você a matou! Você a amava mais que tudo! Como poderiam eles desconfiar?
 E como explicar que foi tudo um acidente sem ser julgado e condenado?
 Ela esta morta e isto é fato, você não teve culpa... Talvez tenha, mas se converta em arrependimento, busque a paz de seu espírito e tente acalmar seu coração machucado pela grande perda:
 — Eu te amo – Foi as ultimas palavras que sairão da boca dela.
 O tiro a atravessou, ela caiu e você a socorreu... Ela antes de fechar os olhos disse que te amava! Queria dizer que estava perdoado, mas... “Eu Te Amo” poderia dizer tantas coisas que você por fim poderia entender o perdão concedido...
 — Foi um assaltante... Entrou para levar nossas coisas e acabou tirando o que eu mais amava! – Foi com essas palavras que você se defendeu e foi consolado.

 A noite cai, o cortejo chega ao seu destino. O caixão é aberto para a ultima despedida. Fecham ele logo em seguida... A família se despede e ele desce lentamente até a cova profunda.
 Você apenas segura a vela acesa e lamenta profundamente... A terra cobre  sua amada e as pessoas seguem suas vidas, esqueceram mais cedo ou mais tarde. Mas você não. Você jamais se esquecerá!
 A noite se cala. Você está só com ela no cemitério... Esta insano diante do sepulcro de sua amada. Chora, chora em remorso pedindo perdão:
 — Por Deus, meu grande amor... Me perdoe... Eu... Eu disparei sem querer... Achei que estava descarregada... Eu jurava que estava... Me perdoe! Me perdoe meu grande amor!!!
 Você cai de joelhos, junto com a chuva fina... O desespero lhe culmina e a vela se apaga. Você não consegue se perdoar... A dor e a saudade se fundem e você apela, quer desenterrá-la e beijar-lhe a face, quer invadir com as unhas a terra fofa, rasgar a tampa do caixão, tomá-la em seus braços e dar um ultimo beijo, antes que sua beleza alimente os vermes e seque.
 Você cava, cava desvairado, profana com suas mãos imundas o leito sagrado de sua amada! Arranca a moça de seu caixão, de seu enfeite de flores e implora:
 — Me perdoe... Não sei viver sem o teu amor...
 Ela abre os olhos, te olha tremula. Vê sua reação e triste, diante sua delinquência, indaga:
— Eu não te perdoo!
 Você treme, o inferno desce na terra. Ela esta rancorosa e lhe ataca... Como é cruel a dor do remorso... Você se deixa levar pela ira de sua doce amada... Se entrega a fome de vingança de seu grande amor, deixa ela abrir seu peito e devorar seu coração, pois você prometeu que ele seria para sempre dela...

Noite dos famintos

— Mario... Eu tô com medo – Disse Susane, agarrada no braço do namorado no cemitério municipal, próximo a meia-noite – Acho que a ideia de vir ao cemitério em uma sexta feira 13 pouco antes da meia-noite não foi tão boa assim!
— Relaxa, Susane! Quero te provar de uma vez por todas que essas coisas de fantasma não existem! Data e hora melhor que esta não tem!
 Mario tentava engolir o medo, apertava cada vez mais forte a mão da namorada, até chegar as covas recém cobertas:
— Depois desta experiência você será uma nova mulher! Uma mulher sem medos!
 Susane fechou os olhos, sentiu no ar o cheiro pútrido. Olhou um barulho suspeito por de trás de um tumulo e viu um cão enorme rosnar, com um braço humano na boca:
— Hááááá!!!!! – Gritou ela em desespero, Mario se aproximou do cão enorme e falou tentando acalmar a namorada:
— Relaxa, minha gata! Esse cão deve ter desenterrado algum defunto pra lhe roer a carne! Fica calma!
 Susane não se acalmou. Pensou no corpo desenterrado e se apavorou ainda mais. Mario girou a lanterna nas proximidades e viu a cova aberta:
— Como este desgraçado conseguiu fazer isto? – Se perguntou, visando o morto com a metade do corpo pra fora, com o braço decepado.
 Susane gritou quando o cão se aproximou raivoso dela. Mario mirou o farolete nos dois e espantou o bicho, que deixou o braço pra trás:
— Venha! – Disse estendendo a mão para Susane – Quero que veja isto!
 Caminharam em direção ao cadáver com a metade do corpo fora da cova. Quando Mario bateu o farolete na cova, teve uma surpresa, o corpo já não estava mais lá.
 Seu coração disparou... Susane não entendeu. Ele mirou a lanterna em um vulto e viu o defunto de pé, segurando o próprio braço que o cachorro havia mastigado.

 O cão inesperadamente avançou contra o morto, com os dentes afiados em sua jugular. Mario segurou nos braço da namorada e a puxou, tentando arranca-la dali enquanto o cão faminto atacava o morto-vivo.
 Os dois correndo por entre as covas, sentiram a terra tremer. Susane engoliu o grito... Mario acompanhou em medo extremo os defuntos levantarem de suas covas, sedentos por sangue.
 O cão saiu de cima do defunto abatido e pulou sobre outro, como se sua fome fosse ainda maior que a dos cadáveres. O defunto agarrou o pescoço do cão enorme e rasgou sua jugular no dente... Mario esperançoso se preparou para correr, quando de súbito, foi agarrado por um dos defuntos e mordido no braço...  Gritou sendo atacado pelos famintos, enquanto sua amada, perdida em devaneios, lamentava toda sua desgraça.
 testemunhou quando a cabeça do namorado foi arrancada... O sangue jorrou  em abundância, saciando a fome dos malditos...
 Enquanto os famintos estraçalhavam seu namorado, Susane correu desvairada pelo cemitério, onde as covas e túmulos se rompiam, trazendo a tona mais cadáveres sedentos por carne viva!
 Em desespero, finalmente chegou até o portão principal. Estava trancado e o muro era alto... Ela olhou para os lados e nada avistou, se sentou no chão conformada, esperando o ataque eminente da corja sanguinária...
 Susane esta entregue... Seu grito ecoa atravessando os muros do cemitério, junto com os cadáveres que estão livres para devorarem os vivos lá fora...

sábado, 20 de julho de 2013

Cemitério

      Era tarde da noite quando passavam na frente do cemitério.  O casal de namorados trocava carícias  e sorria alegremente, ela ajeitava os cabelos que o vento insistia em revirar. Um vento frio que provocava arrepios, pois não estavam devidamente agasalhados. Caminhavam tranquilamente até ouvirem um grito pedindo socorro, o qual vinha de dentro do cemitério. De início ficaram assustados pensando o que poderia estar acontecendo, ela só pensava em ir embora rapidamente, já ele estava curioso. Foi quando ouviram o segundo grito, bastante agudo, aparentemente de uma mulher jovem.
            Chegaram perto dos portões, onde ficaram estagnados. Avistaram um ser imóvel, de costas, em seguida ouvem o ruído do portão se abrindo lentamente. O vento soprava mais forte nesse momento. As folhas secas das árvores moviam-se pelo chão. Eles desviam o olhar por um segundo e o ser desaparece subitamente.
Ele, cheio de coragem, resolve entrar e dar uma espiada pra ver se descobria o que se passava ali. Ela sem muita escolha decidiu ficar esperando, impaciente. Ele entra, avista o ser parado mais adiante; e apoiando-se nos túmulos gelados por causa do sereno, agacha-se e o observa. O pio da coruja que acabava de pousar em uma das cruzes do local o fez desviar o olhar e em questão de segundos perdeu o ser de vista novamente.
            Agora com medo decide voltar, mas era tarde. Ouve os gritos da namorada e logo que vira a cabeça a vê sendo arrastada, puxada pelos cabelos na entrada do cemitério. Ela se debatia, mas era pouco seu esforço. Ele corre na direção com a intenção de ajudá-la, mas o ser a arrasta por detrás de um túmulo onde surpreendemente os gritos cessam.
            Ele corre desesperadamente até lá e não vê ninguém, um silêncio total. Desnorteado começa a girar o olhar procurando-os, sem resposta desaba em lágrimas. O vento sopra fortemente quebrando o silêncio, nesta hora ele ouve um barulho de ferro sendo arrastado na sua direção, provinha de um mangual que o ser trazia em uma das mãos, com a outra puxava sua namorada toda machucada, ela mal respirava. Soltando a moça o ser corre na direção dele e lhe acerta as costas. Ele cai gemendo de dor.
            Ali caído ele vê um jovem casal passando em frente ao cemitério e grita pedindo socorro, mas foi em vão. Eles até ouviram, mas não se convenceram. Ela despertando, junta seus últimos suspiros e solta um grito bastante agudo que despertou a curiosidade do casal fazendo-os chegar em frente aos portões onde, simplesmente, ficaram paralisados. Foi quando os dois perceberam que já era tarde!

Maldição do funk

 Vim lhes contar a estória de minha humilde e tradicional cidade do interior. Cultunopóles é uma minúscula cidadezinha de aproximadamente 10 mil habitantes. O som clássico era o bom e velho Sertanejo de viola. Mas nossa cultura e paz, foi tomada quando cinco jovens de codinome: "Bonde dos condenados", veio morar por aqui.

   Final de semana costumava ser um lindo dia para um piquenique na praça do centro, mas com a vinda dos "condenados", as mentes férteis dos jovens Cultunopolenses, foi corrompida pelo som vergonhoso e a falta do que fazer dos novos moradores.

   Nenhuma família jamais plantou os pés na praça desde aquele dia. Os infelizes tocavam um som de batidas com apologia ao crime, e uma tal de "ostentação", que visava falar de dinheiro, drogas, baladas e mulher (coisa que nenhum deles tinha...) Ao menos eu nunca vi um deles com isso, o uísque que eles diziam consumir nas musicas, era na verdade uma garrafa de 51 com limão.

   No entanto, o maldito som tinha um nome: Funk! Era assim que o chamavam... E ainda por cima diziam de boca cheia que aquilo era cultura.

   Mas até então eu não ligava pra isso, afinal, não podíamos fazer nada, nem mesmo a policia da cidade se atreveu a tentar afastar os cinco meliantes de nossa humilde cidade. Isso até eles mexerem com nossos filhos... Eu estava em casa, lembro-me que era um domingo. Meu filho Ryan, me informou que sairia para uma festa no centro da cidade, claro que eu não desconfiei de nada, Ryan era católico e nunca aprontou, então eu o deixei ir.

   A noite caiu e adormeci na poltrona de minha sala. Acordei aos gritos de desordem e batidas na porta, fui então ver o que era. Era nada mais, nada menos que meu filho Ryan, bêbado e drogado! Ora bolas, às drogas nem haviam chegado aqui ainda, como pode isso? Lembrei-me então da maldita festa... Socorri meu filho desvirtuado e lhe dei um banho de água fria; inerte ele apenas adormeceu em seu quarto, nem falar comigo conseguia.

   A raiva e o desespero assombravam minha mente... Quantas vezes mais eu iria passar por isso? Eu realmente não tinha cabeça para lidar com aquela situação. Eu estava decidido em acabar com aqueles malditos "condenados", os cinco iriam pagar por trazer a desordem e o caos para nossa cidade. Conclui então que a festa ainda estava rolando, pois eram duas horas da madrugada, e geralmente eles zombavam até as seis.

   Preparei-me armado com uma barra de ferro, sim, eu iria os enfrentar sozinho! Mas para minha surpresa, outros pais estavam revoltados, armados com pedaços de pau e barras de ferro. Caminhamos unidos; uns 12 homens e 7 mulheres. Um fofoqueiro que nos viu passar discou para a policia.

   Enfim chegamos a maldita festa. Na porta já fomos barrados, e um deles ousou em nos desafiar! Só pode está de brincadeira, eles eram em maioria, mas estavam desarmados. A discussão então começou a ponto de acabar em briga ou coisa pior. A policia chegou na hora certa, alguns deles tentaram correr, mas foram pegos. Mais de dez viaturas cercaram o local, e mais ou menos 15 traficantes, incluindo os cinco "condenados", foram presos e excomungados de nossa cidade.

   Castiguei meu filho com 2 meses sem TV ou diversão alguma. E por fim eu estava feliz, afinal... Nossa cidade estava livre daquela maldição. Liguei o som e ouvi Legião Urbana: Pais e Filhos... Bem junto de meu filho, que desde então apreciou musica boa e nunca mais se meteu com coisa ruim.

FIM

Sou réu

 O julgamento estava aberto. A juíza, uma cinquentona com cara de brava, bateu o martelo.
 - Esta aberto o julgamento de Jonas Santana de Carvalho, acusado de matar á queima roupa o deputado estadual Walter Cerqueira.
  Sentado de frete á mesa de jurados, Jonas se mantinha de cabeça baixa. Por ser réu primário e não ter histórico agressivo, não estava algemado. Como advogado de defesa, Dr. Joaquim Santana de Carvalho,como advogados de acusação os três criminalistas mais conceituado do estado. Por ser irmão do réu, Dr. Joaquim se mantinha na assistência juntamente com outro advogado escolhido pelo tribunal de justiça.
 O julgamento era popular, apesar de não se tratar de um crime político, o fato da vitima ser um deputado a impressa escrita e falada estava toda no tribunal.
 Sentado nas cadeiras dos visitantes o senhor Horacio se mantinha com o semblante preocupado. Enquanto a juíza chamava o advogado de acusação para falar, ele voltou seus pensamentos a vinte anos atrás.

  - Seu Horacio! Seu Horacio! - chegou correndo um garoto de seus quinze anos, afobado em seu estabelecimento comercial.
  - Fala menino, que diabos aconteceu? Parece que viu fantasma!
  - Seu Horacio acabaram de matar Zezinho!
  Naquele instante seu Horacio pensou que fosse desfalecer. Vendo que o velho ia cair, o menino correu a pegar um banquinho para ele sentar. Zezinho era seu único filho, contava apenas com trinta e dois anos, sua mãe tinha morrido no parto e Horacio o criou sozinho. Quando o menino ( como ele se referia ao filho ) casou, tinha apenas vinte anos e fez questão que ele juntamente com sua esposa, continuasse morando com ele. Sua nora, uma boa menina, o ajudava no armazém enquanto Zezinho trabalhava de motorista particular de Walter Cerqueira, na época, já envolvido com política. Depois de se recompor ele respirou fundo, e perguntou.
 - O que você esta dizendo moleque?
 - Isso mesmo seu Horacio, ele teve uma briga com Walter que sacou da arma e deu um tiro bem na testa de Zezinho! Não estou aumentando nada seu Horacio, o corpo tá lá bem na frente da camara municipal!
 Antes de sair para averiguar aquela história Horacio chamou sua nora que até então, estava nos fundos do estabelecimento onde era a residência da família, cuidando do almoço:
 - Silvania parece que aconteceu um acidente com Zezinho, baixe as portas do armazém e me aguarde aqui.
 Silvania acostumada que era a ser sempre submissa e respeitadora do sogro, só perguntou:
 - Que tipo acidente seu Horacio? Ele bateu o carro?
 - Ainda não sei minha filha, - disse tentando não se precipitar - fique ai e não atenda ninguém, principalmente ser for da imprensa!
 Chegado ao local do crime, seu filho estava coberto com um pequeno pano branco, como o tecido era pequeno, o corpo da cintura para baixo estava descoberto, ele não precisaria descobrir o rosto para ter certeza de que aquele era seu querido e amado filho.
 O assassino já tinha fugido com ajuda de seus colegas político, nessa época Walter Cerqueira tinha sido eleito a vereador da cidade.
 Ele sabia que tinha que ser forte, tinha criado um filho sozinho e agora tinha dois netos sobre sua responsabilidade.
 O funeral tinha sido simples, mas com muita gente. O velho Horacio era conhecido e querido por muitos na cidade e seu filho não tinha um único inimigo. Naquele mesmo dia, depois das irmãs da nora a levarem até o quarto para fazê-la descansar um pouco; ele chamou Joaquim, na época com doze anos. e o fez sentar a sua frente:
 - Joaquim, o sonho do seu pai, era ver você formado advogado. Vamos fazer o gosto dele, você vai se dedicar aos estudos e se formar, esqueça as brincadeiras e o armazém. Eu, sua mãe e seu irmão damos conta, eu sei que diferente de seu irmão você nunca gostou muito do serviço aqui no balcão.
 De cabeça baixa, vestindo ainda no pequeno terno que foi ao funeral do pai, ele só concordou com a cabeça e disse.
 - Sim senhor vô, eu vou me formar advogado...
 Quando o neto se levantou ele pediu.
 - Eu sei que Jonas ainda é muito pequeno para entender tudo isso, mas me faça um favor meu menino, diga a ele que venha me ver, eu preciso falar com ele, como falei com você.
 Jonas sempre foi o xodó do velho, diferente do irmão, apesar de ter somente oito anos, quando ele chegava da escola, jogava a mochila na cama e depois de almoçar ia correndo ao armazém, ele adorava atender a clientela. Ficava cheio de vida quando o avô lhe mandava arrumar uma ou outra prateleira ao seu modo.
 Ainda com os olhos vermelhos ele entrou na sala onde o avô estava e se jogou em seus braços em soluços. O velho deixou que ele chorasse tudo que tinha para chorar e depois o colocou sentado a sua frente, exatamente onde Joaquim tinha sentado instante antes. Puxando um santinho do candidato Walter Cerqueira, assassino de seu filho, assim falou:
 - Jonas, você sabe quem é esse homem?
 Balançando a cabeça ele concordou.
 - Isso mesmo Jonas, esse é o homem que matou seu pai. A policia ainda não tem dados concretos do porque tudo aconteceu, mas as testemunhas disseram que tudo começou porque seu pai estava fumando enquanto o esperava na porta da camara. Ele odiava cigarros e deve ter reclamado do cheiro que seu pai iria  levar para o carro. Até o julgamento, com uma boa gratificação essas testemunhas vão ter esquecido deste evento... E ele se muito, vai passar pelo constrangimento de ir a jure popular. Você esta entendendo Jonas?
 - Estou sim senhor. Ele sairá impune.
 - Então memorize esse rosto meu menino, quando você crescer, você vai matar esse homem.


 A vida tinha que continuar, enquanto criança, todas as noites antes de se deitar, o velho Horacio ia até o quarto do neto, tirava da carteira o santinho de candidato e mostrava a ele, repetindo sempre que aquele era o homem que tinha matado seu pai.
 Dois anos depois do assassinato de Zezinho, Walter Cerqueira foi a jure popular. Como seu Horacio previa, as testemunhas, uma não tinha certeza do depoimento que deram na época do crime, outra estava doente no dia do julgamento e assim o, então vereador Walter Cerqueira, foi absolvido por cinco a dois.
 Na saída do tribunal, Walter Cerqueira era abraçado e parabenizado pelos amigos e parentes, enquanto um velho, seguia para o ponto de ônibus segurando nas mãos dos seus dois netos.

 Durante esses vintes anos, Joaquim estudou e se formou advogado, Jonas apesar de ter estudado, não tinha feito uma faculdade. O pequeno armazém do avô, agora era uma  rede de supermercado na cidade, onde Jonas administrava juntamente com seu avô e contava com mais de cinquenta empregados.
 Ao ouvir a Juíza pronunciar o nome do neto, ele voltou ao presente.
 - Jonas Santana de Carvalho, chegue aqui à frente para seu depoimento.
 Seguido por dois policiais ele se sentou na cadeira do réu para seu depoimento. Com as mãos sobre a bíblia, fez seu juramento.
 - Juro dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade.
 - Pode começar seu depoimento - Falou a juíza.
 - Tinha eu oito anos quando minha tia foi me pegar na escola, muito antes do horário habitual. Naquele momento eu sabia que algo muito grave havia acontecido. Primeiro pelo horário e depois, a escola era próximo de casa e costumava voltar sozinho com meu irmão. Quando cheguei na secretaria, encontrei meu irmão chorando abraçado a minha tia, que ao me ver, abriu o outro braço e me acolheu junto ao meu irmão. Naquele momento fiquei sabendo que meu pai tinha sido covardemente assassinado por um motivo banal. Nossa vida só não desmoronou porque meu avô soube conduzir a família com mãos de ferro. O julgamento do assassino do meu pai foi uma farsa. Jamais esquecerei o sorriso de felicidade dele quando terminou o julgamento. As pessoas, imprensa escrita e falada não citavam a vitima, só falavam do constrangimento do na época vereador Walter Cerqueira, alegando que ele foi a jure popular por um crime banal. Se meu pai tivesse escapado do atentado, eles seriam capaz de fazer ele pagar a bala que o distinto vereador tinha gasto com ele. Vivi esses vinte anos para fazer justiça, todas as noites eu via o sorriso daquele homem na foto de um santinho que meu avô guardava, e tinha certeza que um dia o mataria.   Enfim chegou hora. Como aconteceu com o meu pai, em uma manhã de quinta-feira, eu o esperei na saída da assembleia legislativa. E quando ele ia entrando no carro eu o parei, já trazia na mão uma foto do meu pai, mostrei para ele.
 Jonas então revelou palavra por palavra do dialogo que teve com o assassino de seu pai, antes de vingar-se:
 - Deputado, o senhor lembra desse homem?
 O deputado mal olhou a foto.fez vista grossa e entrou no carro, ignorando o rapaz
 Jonas então o segurou pelos ombros, ficando de frente para o assassino enquanto mostrava a foto:
 - Pois é deputado, esse homem se chama José Santana de Carvalho, conhecido como Zezinho. E agora o senhor lembra?
 - Quem é você moleque? - Perguntou com arrogância.
 - Eu sou Jonas Santana de Carvalho, filho mais novo do homem que você tirou a vida!
 - E que diabos você quer? Voltou a perguntar com a mesma arrogância.
 - Eu vim fazer o mesmo que você fez com o meu pai há vinte anos atrás!
 Arrancou da cintura a arma e disparou impiedoso, saciando sua sede de vingança.

 Duas horas depois do seu depoimento o jurado chegou com o veredito.
 Depois do discurso de sempre, a juíza anunciou o veredito.
  - Por sete votos a zero, os jurados entenderam que o réu é inocente.
 A imprensa entrou em pavorosa, os advogados de acusação não podiam acreditar naquele resultado. Enquanto isso, um senhor no meio de toda confusão de abraços e protestos, rasgava em pedaçinhos um santinho já amarelado pelo tempo..

Zoe

Numa madrugada, a família Medley foi vítima de um assassinato horroroso, membros e órgãos dos corpos jaziam lá expostos no chão encerado, frio e úmido da casa dos Medley. Todos os corpos foram reconhecidos pela perícia criminal e pelo médico legista, exceto o da pequena Zoe no momento desaparecido e do Sr.Bill avô da Zoe, único sobrevivente ao atentado. A causa do crime até então não tinha sido descoberta e durante meses o Sr. Bill passara por uma série de tratamentos psicológicos devido ao choque emocional do ocorrido, até o dia em que ele pode voltar pra casa e terminar de viver os anos que lhe restam. O Sr. Bill passara todo o dia arrumando a casa conformado, e certas vezes relembrando as cenas do desastroso ocorrido da família. Na manhã seguinte, os vizinhos reuniram-se e foram a casa do Sr.Bill dar-lhe as boas vindas oferecendo-lhe um belo café da manhã que cada um deles contribuíra para fazer, o sol já tinha dado as caras anunciando um belo dia, todos já estão na porta da casa dos Medley e um deles bate na porta,
'toc toc toc'
'Senhor Bill, viemos dar-lhe boas vindas, aqui é o Norton da família Gregor, lembra-se de mim?'
'toc toc toc'
'Senhor Bill, o senhor está aí?... Sr.Bill?'
Os vizinhos ficaram assustados por não terem resposta do Sr.Bill e resolveram chamar a Polícia. Minutos após o chamado uma viatura policial surgira da esquina e chegara à porta dos Medley onde a vizinhança estava, da viatura saíram dois policiais, um aparentava ter 35 anos, cabelo loiro e olhos negros, com uns 1,88m de altura, e outro era mais baixo com uns 1,70m de altura, uma leve barriga, cabelos negros calvo e olhos azuis, foram até o Norton que realizara a chamada deles,
'Você é o Sr.Norton?'- disse o policial barrigudo.
'Sim, sou eu Sr...?'-respondeu Norton.
'Padwe, Nicolas Padwe. Então, o Sr.Bill ainda não deu as caras?'
'Não policial, viemos dar-lhe as boas vindas pela volta dele a nossa vizinhança, mas ele não nos atendeu até agora.'
'OK, vamos lá Sam!' - disse o policial Padwe ao o policial loiro.
Foram até a porta dos Medley e a bateram com força,
'TOC TOC TOC'
'Sr.Bill, abra essa porta imediatamente! É a Polícia!' - Disse Sam o policial loiro.
E mais uma vez sem nenhuma resposta do interior da casa.
'No três!' - fala o Policial Padwe ao Sam.
'1..2..3!' - arrobaram a porta dos Medley.
Os policiais adentraram na casa, e até então tudo estava nos conformes. Vasculharam toda a casa até entrarem no banheiro da suíte, lá estava ele, ou melhor, partes dele, pedaços deles dentro da banheira que deixara de ter água à uma mistura homogênea com o sangue. Os policiais estupefatos, ambos olham-se sem acreditar no que seus olhos esbugalhados estão vendo, braços, pernas, tronco e cabeça espalhados banheira a dentro, os olhos fora de órbita, agora boiam na água avermelhada da banheira. Sam e Padwe saem espantados para fora da casa, fechando o entorno dela e contactando seus amigos da perícia criminal. Os vizinhos, todos curiosos perguntam o que houve com o Sr. Bill e ficam estupefatos com a notícia vindo-lhes o déjà-vu. A perícia criminal chega ao local do crime e fica claro que houve um assassinato nada escrupuloso ali, porém sem nenhum tipo de rastros ou pista que levasse ao autor do crime, exceto as gotas de sangue  que seguiam um rastro até a porta do banheiro e somem, o que resulta em absolutamente nada.
Os anos correram, e o desastre da família Medley transformou-se em historinha de terror. A casa dos Medley ficara posto à venda durante todo esses anos até o momento que foi a leilão, um belo rapaz chamado Malcon, com aparência de uns 30 anos, cabelos lisos negros em corte baixo, olhos também escuros e 1,83 de altura, que mudara-se para a cidade devido ao seu novo emprego arrematara o leilão. Dias passaram e o Malcon viera com seus móveis e pertences para a sua nova casa, passara o dia pintando a casa, logo após fazendo uma verdeira faxina e arrumando todos os seus móveis e utensílios. Malcon já exausto da mudança resolve ir até a suíte tomar uma boa ducha e ir dormir, caminhando até suíte ele gira a maçaneta da porta e adentra o cômodo, caminha mais um pouco até onde fica seu guarda-roupas para buscar uma toalha limpa. De passo em passo até o guarda-roupas Malcon sente em seus pés uma madeira em falsa, pisa novamente no local e curioso agachara ali mesmo e inspeciona, ele puxara a madeira em falsa e encontra um livro encapado com couro, fica curioso em abri-lo e ver o que tem escrito, mas a exaustão grita mais alto e ele lança o livro sobre a cama. Com toalha em mãos ele vai até a banheira, deita e liga a ducha , passa minutos ali com olhos fechados saboreando o frescor da água, até que faz sua higiene completa e volta para cama. Malcon pega o livro ainda curioso e percebe que o livro é uma espécie de diário, ele abre-o e ver o nome Bill Medley no canto inferior direito da primeira pagina do diário, já se passava da meia-noite e a curiosidade do Malcon gritava, então ele decide lê-lo,
"Com imenso medo de surtar e morrer sem ninguém saber a verdadeira história da família Medley, resolvi escrever esse diário.
Tudo começou quando minha pequena e linda netinha Zoe nasceu, desde pequenina ela sempre foi muito travessa, com um aninho Zoe adorava pegar as formigas que jazia pela casa e matá-las, todos da casa achavam engraçado e riam com a Zoe, com quatro anos a Zoe vivia correndo atrás dos gatos da vizinhança que entravam na nossa casa para vasculhar a lata de lixo e puxava seus rabos praticando suas travessuras até que um dia, a mãe da Zoe, minha querida filha Ginna, encontrara a Zoe de madrugada no seu quarto, esquartejando um desses gatos com uma faca, toda ensaguentada sorrindo como se estivesse brincando com bonecas. Desde então a minha filha não nos deixara levar a Zoe  à um médico, pois dissera que ela não estava doente que só precisava de uma boa conversa. Ela conversou com a Zoe e até os 9 anos a pequenina não praticou mais nenhuma de suas atrocidades sem que nós ficássemos sabendo. Percebemos que a Zoe  estava bastante próxima do Bob nosso cão de estimação nas últimas semanas, ninguém havia desconfiado de nada, exceto eu que lembrara do pobre gato e resolvi rodeá-la,numa noite acordei para ir beber um pouco d'água na cozinha, e decido ir até o quarto da Zoe, caminho até lá, giro a maçaneta e não encontro-a lá, apenas uns papéis sobre a sua cama, entro pego os papéis e visualizo-os com cuidado e espanto vendo os esboços do corpo do Bob nos papéis. Corro aflito até o quintal onde fica a casa do Bob, e deparo-me com a Zoe cavando o sepulcro dele, e o Bob lá ao lado dela com seus membros desconfigurados, eu fiquei ali, parado, estupefato, totalmente inerte sentindo minhas lágrimas rolando meu rosto abaixo sem saber se era pela desastrosa morte do Bob ou por lamento da Zoe.
Acordei, estava deitado sobre minha cama, a Ginna estava ao meu lado aguardando o meu despertar.
'Ginna querida, é triste, mas a Zoe precisa de tratamentos médicos querida, ela precisa!'
'Pai me desculpe, mas a Zoe não é doente! - Ginna falou mais alto- Eu tentei por bem conversar com ela anos atrás, e pela desobediência decidi castiga-la Pai, ela está agora no porão presa à uma cadeira sem nenhuma luz, agora sim ela vai por de uma vez na cabeça que fazer essas atrocidades não é certo!'
'Tudo bem querida, não vou mais intervir na criação da tua filha, mas até quando pretende deixá-la presa lá no porão?'
'Amanhã pai, amanhã minha mente estará livre desse stress que a Zoe me causou hoje e tiro-a de lá, e deixo-a castigada no quarto. Boa noite pai.' - Disse Ginna saindo do quarto.
'Tchau querida, boa noite.'
Todos já estavam dormindo, assustados com o acontecido, exceto eu porque meu sono havia sido dissipado com o choque, perdi a noção do tempo e o silêncio já gritava naquela madrugada, de repente escuto uns gritos e gemidos lá de baixo e levanto assustado da cama, pego meu querido e velho facão que jazia a muito tempo ali debaixo do meu colchão e desço as escadas com cuidado, ao pisar no último degrau, não consigo acreditar no que vejo, todos da família havia sido assinado pela Zoe, no momento, ela estava com a Ginna em mãos pronto para matá-la,
'Zoe filha, por favor! Não faça isso querida! Sou sua mãe, aqui, sua mãe Zoe!!!' - Diz Ginna ao mar de prantos engasgando-se com seu choro.
Zoe olha profundamente nos olhos da mãe sem emitir nenhum som e rasga-lhe a garganta sem escrúpulo algum.
Toda a compaixão, todo o amor e humanidade que existia entre mim e a minha netinha esvaiu-se naquele momento, corri gritando até  Zoe, expulsando todo o tipo de sentimento que havia dentro de mim e lancei meu facão corneta na direção do seu pescoço descepando-a.
Fiquei exausto, cai de joelhos no chão, mas por poucos minutos até eu cair na real e percebi o que eu tinha feito, todos iriam acusar-me dessa chacina, eu tinha que fazer algo. Fui até o quintal, estava muito nervoso, tremendo muito, mal conseguindo pegar a pá para fazer a cova. Fiz uma cova bem funda, peguei o corpo da Zoe, a cabeça, e o meu facão e joguei-os na cova, enterrei tudo, limpei os vestígios de terra do meu corpo e voltei para o local da chacina.
Escutei a sirene da polícia e fiquei ali no chão, em transe, eles arrobaram a porta, gritaram comigo, parecia me fazer perguntas, mas eu só rememorava a cena da Zoe, puxaram meus braços para minha costas e senti o frio das algemas prendendo minhas mãos.
Acordei num leito de hospital, e uma enfermeira pedira para eu permanecer quieto que o médico viria até mim. Junto com a enfermeira, veio o Médico e o Delegado, me fizeram perguntas, mas permaneci calado, então eles desistiram e atualizaram-me com notícias, fui informado que foi encontrada as digitais da sua Neta, Zoe Medley na faca encontrada na cena do crime, a faca que cortou todos aqueles corpos, e eu só assenti tudo o que eles disseram-me. Fiquei no hospital durante meses fazendo tratamentos psiquiátricos, até ser liberado para voltar para casa e estar aqui escrevendo nesse diário hoje.
Essa é a história da família Medley.
By: Bill Medley."
Ao terminar de ler diário, completamente perplexo e estupefato com o que leu, encontrou um recorte de jornal com a manchete DESAPARECIDA, e logo em baixo, a foto da Zoe, uma garota de 9 anos ruiva, com olhos negros. Malcon ainda sem acreditar no que leu, joga o diário para o outro lado e vira-se até a escrivaninha para beber um pouco d'água, ele sente um calafrio e lembra-se que deixou a janela aberta, quando ele vira-se e levanta para fechar a janela ela vê Zoe dentro do seu quarto pelada e suja com o facão corneta na mão. Ele esbugalha os olhos e só escuta o tilintar do copo estraçalhando-se ao seus pés.

Palco

Não sabia exatamente que horas o relógio marcava naquele momento, mas o sol estava se pondo vagarosamente. Ele ia assim, meio que por entre as nuvens rosadas, iluminando com seus últimos raios. E foi sumindo, sumindo, até desaparecer por completo. Parecia que também ele reprovava o modo como ela andava agindo há alguns anos, como quem dizia “Ei, menina, mais devagar”. Mas era quase tão certo para ela quanto uma equação matemática que seu destino deveria seguir seus passos, fossem eles quais fossem.

Os longos dedos de sua mão direita finalmente alcançaram o botão do rádio, enquanto ela lutava com a esquerda no volante para não perder o controle do carro. Ficou assim nessa briga até colocar sua fita favorita. Mudou a marcha, acelerou com mais força e abriu os vidros. Ah! Como era boa aquela ventania de fim de tarde… Eis que a canção que marcara sua infância começou a tocar, e era quase impossível não movimentar os ombros, como quem é invadido pela canção, não só através dos ouvidos.

“Dane-se o que disseram, eles não sabem o que está se passando aqui dentro. Ou melhor, o que se passa há tanto tempo. É muito mais forte do que parece ser”.

A golada no suco de maracujá quase a fez engasgar. E que importava? Não era esse o foco no momento. O “engasgo” maior estava atolado no peito.

“Tina, você não deveria cantar. Isso não dá dinheiro”. Reproduzia a fala de seu tio como para si mesma, outra vez, e outra vez. Seria o dinheiro propriamente dito mais importante que seu prazer em colocar os lábios no microfone? De maneira alguma. Não, aquilo realmente não fazia sentido. Os longos dedos, agora nervosos, palpitavam sobre o painel.

“E se eu subisse no alto daquele morro e gritasse ao mundo que sou feliz assim? Será que alguém poderia me ouvir?”

O sol já estava quase desaparecido no horizonte, e a lua já despontava no céu, chorosa.

“Oh, não! Eu já passei dois quilômetros de onde deveria ter parado. Droga!”

Essa era uma das vantagens, aliás, que Tina encontrava na música: o horário nunca lhe era cobrado. Ótimo! Ela não era mesmo das mais pontuais. Nem das mais atentas, o que justifica o fato de que ela acabou por engatar marcha ré a oitenta quilômetros por hora em plena rodovia. Pelo menos o fez no acostamento. Também não era das mais desajuizadas.

Estacionou, já estava escuro. As poucas luzes do bar estavam acesas e Tina podia ouvir o público impaciente.

“Ei, garçom! Onde está Tina, afinal? Onde estão Tina e seu violão hein, cara?”

“Acho que estou enxergando ela lá fora. Acabou de estacionar a caranga. Lá vem ela aí”.

“Ei, Tom! Eu acabei de chegar” - disse ela ofegante.

Tropeçou nos degraus do palco, que ficava bem no centro do lugar. O barulho das suas botas no taco era bem marcado. Sentou-se no banco, ajeitou os cabelos pra trás das orelhas. Todos interromperam a movimentada partida de sinuca, bem como largaram os copos em cima das mesas. Logo, todos os olhares estavam voltados a ela.

Ao ver todas aquelas pessoas ansiosas pela primeira canção da noite, que embalaria o início daquela sexta-feira estrelada, percebeu que nenhuma função seria tão importante quanto tocar algo que as pessoas quisessem ouvir. Nada no mundo seria mais bonito que sentir que seus dedos naquela corda eram tão importantes quanto o prato de comida de todos os dias. Tocar, naquelas circunstâncias, era essencial. E era essencial não só a ela, mas também a todos que estavam presentes. Ela era exatamente o que não seria se tivesse o cargo de uma arquiteta, por exemplo. Projetar casas não era mais importante que projetar sorrisos na platéia.

“Com que música vai abrir a noite?” - perguntaram a ela, lá do meio do bar.

“Vamos começar pela minha favorita, certo? E tragam-me um suco bem gelado.”

Puxou a primeira nota. Aplausos.

Aquela seria uma noite bastante longa. Nada que o dinheiro pudesse pagar.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O Espírito de Leda

 


  É tão obvio o medo que me governa. Ele rege meu corpo como uma orquestra diabólica, um ritmo nostálgico que me faz temer tudo a minha volta.
 Dia desses fui ao cemitério por pura necessidade. Não gosto de cemitérios, mas o desespero me forçou.
 Não andava “bem das pernas”, como dizem dos que estão quebrados financeiramente... Perdi meu emprego e atrasei prestações do carro, o banco me tomou e eu fiquei cada vez mais ferrado.
 A desgraça parecia não ter fim, fui me perdendo cada vez mais, endividando e trabalhando em um emprego de merda que não pagava nem a metade que o anterior.
 Pirei, pois o desespero tem quase o mesmo efeito que o medo. Mal sabia eu que em um curto espaço de tempo, teria que lidar com os dois...

 Uma vez minha tia-avó me contou que a maneira mais fácil de conseguir o que quer é pedindo aos espíritos. Sempre zombei das simpatias daquela velha, mas eu estava tão ferrado e fodido que me agarraria a qualquer coisa para me reerguer.
 Pois bem, fui ter com a mulher um dedo de prosa. Ela riu do meu desespero, mas eu estava sendo tão humilhado pela vida que um toquezinho a mais de deboche nada seria.
 A olhei com seriedade. Ela entendeu que minha angustia falava mais alto que minha falta de fé em suas crenças. Arrancou da gaveta uma vela virgem e me disse o que fazer:
— Pegue esta vela e vá  ao cemitério pequeno. Escolha a foto de um tumulo cujo morto lhe soe “amigável”. Seu santo tem que bater com o dele logo de cara, pois vocês dois selaram um pacto, uma troca de favores que beneficiará os dois.
— Pacto? – perguntei espantado, pois a palavra “pacto” me soava a coisa muito seria.
— Sim, pacto. – respondeu ela calma – Saiba que os mortos vagam errantes na escuridão e assim será até o dia em que o céu se abrir e trazer a luz no dia do juízo final. Os mortos em fé tem tanto anseio por uma chama que se você fizer o que eu lhe disser, será beneficiado por este anseio.
 Eu estava ouvindo com muita atenção. Peguei a vela virgem enquanto ela contava:
— Depois de escolher a cova, ajoelhe-se diante dela e acenda a vela, a ofertando ao morto. Ainda ajoelhado, diga a ele o que deseja, o que realmente almeja. Em seguida, apague a vela e a arranque do tumulo. A coloque no bolso e diga ao morto que só vai voltar a acendê-la, depois que seu pedido for alcançado. Vire as costas e vá embora sem olhar pra atrás. Espere a graça ser alcançada e quando ela for, volte ao cemitério, ajoelhe-se diante da mesma cova, acenda a vela, agradeça e vá embora como da primeira vez, sem olhar para trás.
 Parecia tudo muito fácil. Me levantei, dei um beijo na testa de minha velha tia-avó e segui, rumo ao cemitério.
 Deus... Como pude chegar a este ponto? Os vivos não mais me traziam conforto e pediria a um dos mortos! Eu me vi obrigado a fazer o que a velha me propôs.

 Logo que cheguei aos portões vi um cortejo fúnebre. Me agarrei a imaginar que comigo um dia será a mesma coisa, pois de modos que criei raiz nessa cidade pequena, fatalmente serei enterrado neste cemitério de merda.
 Vaguei de tumulo em tumulo a procura de um morto que me chama-se atenção... Entendi que os dizeres de minha tia-avó faziam sentido, pois já em vida tem pessoas que não vamos com a cara logo que a vemos pela primeira vez.
 Parei diante de um tumulo abandonado. O que me chamou atenção foi a foto. Uma bela e jovem moça. Bonita, muito bonita, do tipo que se estivesse viva, eu certamente pediria em namoro. Claro que se estivesse viva seria bem mais velha que eu, pois o tumulo datava que a coitada foi-se há mais de trinta anos atrás...
 Leda Oliveira Prado. Este era o nome da morta que me afeiçoei. Não seria nada mal formar acordo com aquela formosura...
 Me ajoelhei diante do tumulo. Acendi a vela e fiz tal qual aprendi:
— Leda, quero que me ajude. Quero que me ajude a arrumar um emprego digno, de modos que assim consiga eu ajustar minha vida!
 Mais que depressa arranquei a vela do tumulo e assoprei. Guardei novamente no bolso e terminei dizendo:
— Se minha graça for alcançada, volto aqui e deixo a vela acesa pra você. Prometo!

Fui para casa e tive uma surpresa. É tão estranho como em um único gesto a mágica acontece... Já do portão ouvi o telefone tocar. Corri para atender.
Era o meu antigo chefe, desesperado, chorando em arrependimento, me pedindo para voltar. Se as coisas estavam ruins para mim, para ele então nem se fala... Sem minha mão de obra, o negócio começou a travar, e ele, orgulhoso que era, se viu obrigado a ceder e me chamar de volta:
— Não gosto de ter que te dizer isto mais eu preciso de você. – me disse quase implorando – Preciso que volte de imediato ao seu setor. Lhe proponho que seja supervisor, te darei um salário melhor e mais benefícios.
 Eu sorri. Não pela façanha de Leda, pois na hora, entendi que aquele telefonema e aquela coisa fantástica, haviam sido frutos de um bom histórico que deixei naquela empresa. Não dei os créditos a morta e achei mais do que justo. Mal sabia eu que ela ainda assim me cobraria...
 Era tão simples... Eu só teria que voltar ao cemitério e reacender a maldita vela! Iria embora sem olhar para trás, poderia até assoviar no meio do caminho, tudo para agradecer mais uma graça alcançada... Maldita tolice que me governa acompanhada do medo! Eu não fui, Leda ficou sem sua vela e eu desfrutei do bom e do melhor, vivendo numa vida perfeita e doce...
Chefe do setor, ótimo salário, carro novo e quitado... Os negócios nunca estiveram tão bem, a gratidão do meu chefe o conduzia a me cobrir de mimos e prosperidade.

 Uma noite a febre me atacou. Tomei remédios fortes e o sono ainda assim não veio. Um mal estar apedrejava meu estomago e me peguei a pensar em Leda. Leda era bela e merecia sua vela, porem, não iria eu até o cemitério para acendê-la.
 Divida. Era este sentimento que infestava minha cabeça. Embora não atribuísse os créditos do retorno ao antigo emprego á Leda, me sentia drasticamente endividando.
Mijando no centro da privada, decidi que iria sim acender a vela para Leda.
 Abri a gaveta e tirei de lá a vela. Caminhei até um canto surdo da casa e a acendi  em intenção a alma da morta. A vela se apagou como se alguém tivesse assoprado.
 Pronto, caguei. Caguei de medo quando no lugar abafado a vela se apagou num sopro! Para me provar que não estava louco, acendi a vela novamente e ouvi em alto e bom som outro sopro apagar a chama.
 A febre passou. O coração disparou em ritmo de ataque cardíaco e o medo me cobriu de um absurdo desespero!
 Eu gritei feito uma mulherzinha quando Leda soprou também meu ouvido... Isso mesmo, a desgraçada soprou meu ouvido! O sopro frio congelou minha alma e sai catando cavaca, gritando em minha casa vazia, clamando por misericórdia!
 Que misericórdia que nada... Leda estava decidida a me infernizar!
 As panelas da cozinha começaram a bater e quando tomei coragem para ir até lá, testemunhei os cristais e porcelanas se quebrarem, enquanto as portas dos armários abriam e se fechavam, como que se a ira de Leda cravasse em minha alma. Levei as mãos à cabeça e clamei a Deus para tudo aquilo se calar. Não se calaria, Leda estava determinada a se vingar, e eu era apenas um ratinho acuado, a mercê de toda sua raiva.

 Quando o dia finalmente surgiu eu estava estagnado, com os olhos esbugalhados, totalmente tremulo e em choque.
 Decidido, coloquei a vela no bolso e fui até o cemitério, pagar a maldita divida.
 Me ajoelhei diante do tumulo de Leda, arranquei a vela do bolso, ofertei a ela e acendi.
 O sopro. O maldito sopro apagou mais uma vez a vela. Era fato que Leda tomou por pessoal, e eu acuado, chorei feito uma criança desmamada... Perguntei a ela o que diabos queria de mim.
 Senti um estalo no rosto e minha face ardeu. Um tapa bem no meio da minha cara... O extraordinário agora era parte de minha vida, submisso a maldade de Leda, me levantei e acendi novamente a bendita vela, implorando para não se apagar de novo:
— Pelo amor de Deus Leda! Aceite!
 Virei às costas e dei dois paços pra frente. O desespero me governou, e embora minha tia-avó me advertisse a não olhar para traz, olhei.
 Eu a vi, esquelética e seca. Estava com as costas em chamas, como se o inferno fizesse parte dela. Diabólica, me deu um leve sorriso e apagou a vela com um sopro, me condenando, me amaldiçoando...
 Há, esse desespero que me governa... Corri para a casa da minha tia-avó, tentando achar uma solução para meu caos particular.
 A velha infeliz riu novamente de minha particular tragédia. Pitando o cachimbo de cedro, debochou de minha condição e assim falou:
— Não existe apenas um jeito de se resolver isto, mas sim dois. Escolha o que mais lhe convier. Nos dois, você simplesmente terá que desenterrar o corpo da moça.
 Eu tentando me acalmar, ouvi a velha dizer:
— Bem, em um deles, você terá que desterra-la e polir seus ossos um a um. Terá que limpar seu caixão e montar-lhe um novo funeral. Terá que convidar sete presentes e um padre. E diante do novo funeral, rezarão uma missa em memória a ela. Carregara sozinho o caixão nas costas de volta até a cova e o enterrará. Ela descansará em paz e terá a alma liberta.
 Não era nada simples. A velha bem sabia disso e riu, quando perguntei:
— E qual o outro jeito?
 Pitou o cachimbo e me contou o outro jeito. Jeito este bem mais fácil que o primeiro...

 Minha tia-avó me disse que se eu não fosse abençoar o espírito de Leda, teria que amaldiçoa-lo. Sim, teria que fazer Leda ter medo de mim, muito mais do que eu tinha dela:
— Ela esta sendo cruel com você, convém que a cale de vez em sua ira! – Foi o que minha tia-avó me instruiu a fazer.
 E lá estava eu novamente, mas desta vez, na boca da noite no cemitério pequeno. Nada mais me assustava. Determinado, quebrei o tumulo de Leda e arranquei a terra que cobria seu caixão. Por Deus, eu a ouvi gritar em agonia. Gritava desesperada, clamando em susurros para eu não invadir seu descanso.
 Já estive fodido. Quem me disser que estar falido financeiramente não é meio paço para o inferno, não sabe o que é desgraça! E se dizem também que quem ta fodido, fodido e meio fica, faria eu valer esta frase! Dane-se o medo que me governa! Dane-se a maldita e bela Leda! Dane-se tudo! Se ela queria a  vela, a teria, em um lugar que certamente não conseguiria assoprar!
 Desenterrei a desgraçada e abri a tampa podre do caixão. Contemplei a ossada da infeliz. Em ira, segui os conselhos da velha. A risca desta vez.
 Dei uma martelada bem no centro do crânio do esqueleto de Leda. O martelo afundou e eu sorrindo, o puxei de volta.  Cravei a vela neste buraco, a acendi e assim falei:
— Eu lhe ofereço esta vela, Leda. Que ela queime junto com você na maldição do inferno!
 É fácil assoprar acima da própria testa, mas ela não fez. Sentei-me diante do caixão e contemplei a vela queimar até se apagar, vendo minha divida enfim paga.
 E quando a vela finalmente se acabou, enterrei os restos mortais de Leda. Vi a terra cobrir o caixão podre e me senti aliviado. Fui embora, e antes de sair do cemitério pequeno, ousei olhar para trás.
 Eu vi o espírito de Leda arder sobre os destroços de seu tumulo. Vi também a escuridão lhe cobrir e sorri contente.
 Hoje vivo a vida que pedi a Leda. Vez ou outra, quando o tédio bate, vou ao cemitério e acendo uma vela em intenção a sua alma. Se quer mesmo saber, acho que Leda me perdoou. Sou o único que clama em intenção de sua alma suja. Ounico que de vez em quando lhe tira da dor das trevas...

sábado, 6 de julho de 2013

O homem que vendia poções do amor


 Ultimamente Carmem andava meio cabisbaixa. Diziam que era porque estava beirando a meia idade. Criou três irmãs e dois irmãos sozinha depois que os pais morreram num acidente. Trabalhou duro na roça para dar o mínimo de conforto a sua família.
 E depois de bem criados, todos os irmãos e irmãs já haviam se casado e ela estava lá, firme e estagnada, esperando por um príncipe encantado que possivelmente não viria.
 Foi ai que a Dona Gerundia, solteirona pra lá dos 50 anos, apareceu de mãos dadas com um moço bonito. O povo bestificado olhou a senhora feliz e sorridente, enamorando com seu garanhão Norueguês. Carmem que não era de se incomodar se incomodou. Ora! Não era bela e nem feia, mas certamente tinha mais beleza que a amiga cinquentona! Criou coragem e em bem sucedidas palavras, perguntou com certa inveja:
— Nossa, colega! Onde pescou um peixão tão pomposo desses?
 Gerundia riu junto com seu belo exemplar de homem enquanto respondia:
— No mar da vida, minha amiga... No mar da vida... Vamos casar na próxima primavera, e você á de ser madrinha!
 Que madrinha que nada! Carmem queria ser era a noiva! Insistiu e insistiu até que nas vésperas do casório, enquanto ajeitava o vestido, descobriu o segredo da amiga:
— Conta pras outras mulheres não, mas consegui esse homem graças a uma poção mágica.
— Poção mágica? – perguntou Carmem desconfiada, não querendo acreditar em tal tolice.
— Poção mágica sim. Existe um homem na montanha do norte, quase chegando ao extinto vulcão. Acontece que antes de se extinguir, o vulcão deixou lava petrificada. E é com o pó desta lava mais alguns sucos de frutas silvestres que o homem faz a tal poção. Comprei um frasco pequeno e servi ao homem que cobicei. Hoje ele esta ali, aflito e apaixonado, me esperando no altar.
 Carmem não queria acreditar no que a amiga falou, mas era uma explicação tão aceitável que ela tomou para si.
 Um dia depois do casamento, colocou a mochila nas costas e partiu rumo a montanha, na esperança de encontrar o homem que fazia poções para assim dar de beber a quem quisesse cobiçar.
 E o vendedor de poções estava lá, com uma picareta de ferro, arrancando lascas do vulcão morto.
 E os negócios iam de vento em polpa... Era tanta gente solitária querendo a tampa de sua panela que o vulcão inativo nem tava dando conta de tanta demanda.
 A jovem senhora Carmem chegou logo pedindo sua garrafinha amarelada de suco de frutas silvestres. Disse que queria ser amada, que buscava alguém para cuidar dela até o fim de seus dias.
 O homem que vendia poção do amor raspou um pedaço da lava petrificada em uma caneca de alumínio. Com cuidado, fervilhou com frutas vermelhas, até o caldo engrossar. Pronto. Colocou uma pequena quantidade na garrafa miúda e disse para a cliente:
— Apenas um bom gole e será amada por quem beber. Quem beber desta poção, te amará para todo o sempre. Simples, funcional e impressionante! Cinquenta moedas é o preço.
Pagou sem questionar as moedas, descendo da montanha feliz da vida, segurando o frasco que portava seu futuro.
 E caminhou contente e sorrateira pela feira livre, olhando os transeuntes e bárbaros. Homens feios e bonitos, fracos e fortes, com barba e sem barba...  
 Há, era como olhar uma vitrine! Uma vitrine onde escolheria alguém para ser seu na vida inteira:
— Esse é muito cabeçudo... Este muito baixo e gordo... Este muito alto e magro... Deus meu! Um alto e barrigudo e outro baixo e magro! – dizia olhando um a um dos pretendentes .
 Era tão difícil escolher... Descobriu que realmente era muito exigente. Olhou então para um grupo de belos rapazes. Sujeitos trabalhadores, abrutalhados e vistosos, do tipo que se colocasse dentro de um terno de noivo, seria o esposo perfeito!
 Mas ela pensativa olhou um a um e desanimou. Foi ai que percebeu que ao se dedicar toda a vida cuidando dos irmãos, deixou escapar uma fina esperança de tentar ser cuidada por alguém... Estranhamente, concluiu que não queria nem cuidar e nem ser cuidada por um esposo. Queria era restaurar seu amor próprio e viver sozinha. Sozinha por opção.
 E antes que pensasse em mais alguma besteira, bebeu em uma única golada aquela doce poção. De súbito, se apaixonou. Se apaixonou por si mesma e viveu assim, sozinha e feliz. Feliz da vida por muito amar a si mesma.