Era noite. A estrada que cortava aqueles pastos estava completamente
vazia; somente a luz da lua ali se encontrava. Ao longe, eis que surge
uma luz, amarelada. Era um carro, cortando velozmente o cenário.
No
interior de um poderoso carro conversível, estava Milla Opranovich.
Milla era um daqueles homens bem-sucedidos em um determinado ramo e, por
causa da gama de dinheiro que possuía, se sentia superior aos demais.
Desrespeitava leis de trânsito e de segurança, ameaçava a todos e
subornava os policiais para nunca ir preso.
Ao longe, Milla avistou
uma pequena e suja cabana, que parecia um restaurante de beira de
estrada abandonado. Aproveitando que necessitava urgentemente de ir ao
banheiro, freou o carro na porta do restaurante, e dali desceu.
Fitou o restaurante. Feito de madeira, àquela altura, podres e
soltando-se, parecia desmoronar a qualquer instante. Por entre uma das
frestas do chão de tábua corrida, surge um rato, passando veloz entre as
pernas de Opranovich, que, ao vê-lo, saltou-se de surpresa. Após a
passada do rato, sentiu-se enojado; entretanto, a necessidade de usar o
banheiro era superior, e precisava controlar o nojo.
Utilizando-se
de um lenço de papel, segurou a velha maçaneta da porta de entrada do
restaurante e girou-a, abrindo a referida porta. Adentrou no local,
deixou a porta bater, dobrou o lenço e guardou-o no bolso do paletó.
Caminhou pelo local evitando tocar nas coisas, exceto quando necessário.
O restaurante estava completamente vazio, tendo apenas algumas teias de
aranha e um amontoado de ratos e baratas. Por toda sua extensão, se
encontravam bancos, cadeiras e mesas quebradas ou viradas. Junto dos
móveis, comida em estado avançado de putrefação e cacos de vidro,
provenientes dos pratos e copos quebrados. Sobre o balcão, se
encontravam pratos de comida e copos intactos, parcialmente cheios, como
se tivessem sido esquecidos ali às pressas.
O cheiro da comida
entrando em decomposição era desagradável, e Milla acelerou os passos, a
fim de dali sair o mais rápido. Queria ali permanecer o mínimo
possível.
Atravessou o restaurante e adentrou na primeira porta à
esquerda, onde se encontrava escrito “W.C. MASCULINO”. Abriu a porta. O
cenário estava completamente tomado pela escuridão. Milla apertou o
interruptor. As luzes foram acendendo aos poucos, mostrando ao mundo um
imenso banheiro, com diversas portas laterais, que iam de encontro à
parede oposta.
De imediato, veio ao nariz de Milla um forte cheiro
acre, proveniente provavelmente da urina acumulada deixada pelos antigos
usuários daquele local. O homem percebeu ter algo a mais naquele
cheiro; parecia ser algo pútrido; todavia, de imediato, pensou ser
proveniente do restaurante, ou de algum vômito ou comida esquecida por
ali. Opranovich enojou-se novamente ao sentir o cheiro enjoativo.
Prendendo a respiração, caminhou pelo banheiro.
A luz do banheiro piscava incessantemente, o que demonstrava que poderia apagar a qualquer momento.
Opranovich adentrou no primeiro box, entretanto, o vômito ali esquecido
fez-lhe sair rapidamente do local. Imaginando que os primeiros boxes
estariam todos tomados por nojeira alheia, caminhou até os últimos
boxes. Assim, pensou, não se depararia mais com sujeira alheia, ou a
probabilidade seria infinitamente menor.
Milla adentrou na sétima
porta da direita, de um total de catorze. O local só possuía um vaso
sanitário. As paredes laterais eram divisórias, enquanto a porta era um
pequeno box, que não tampava por completo o usuário. Milla abriu as
calças e postou-se a utilizar o vaso sanitário. Enquanto urinava,
percebeu, entre os vários escritos na parede, um deles, que logo chamou
sua atenção. Com letras quadradas e grandes, não parecendo arte de
pichadores, estava escrito:
ESQUEÇA A ÚLTIMA PORTA
Acreditando ser obra de crianças, Milla ignorou os escritos.
Repentinamente, para surpresa sua, eis que uma das portas dos boxes
range. Opranovich olhou para trás. Não havia ninguém. Deu de ombros, e
voltou o foco do olhar para o vaso sanitário. Em seguida, o barulho
repetiu-se. Postou-se novamente a fitar o corredor. Desta vez, mais
precavido, perguntou:
- Tem alguém aí?
Não houve resposta.
Novamente, voltou o foco do olhar para o vaso sanitário. Entretanto, eis
que surge um poderoso baque, ampliado pelo vazio quase que absoluto do
cenário. Milla sobressaltou-se.
Recuperando-se do susto, Milla
fechou a calça e partiu do local. Abriu a porta do box e fitou o
corredor. Completamente vazio. Deu de ombros. Postou-se a voltar ao
interior do box, quando algo lhe chamou a atenção. No lado externo da
porta estava escrito, com alguma tinta de um vermelho vivo:
ESQUEÇA A ÚLTIMA PORTA
Opranovich iria ignorar mais esse aviso, todavia, ficou surpreso ao
descobrir que a tinta que faz os contornos das letras do aviso era, na
realidade, sangue. Passou o dedo indicador nas curvas das letras.
Percebeu que o sangue era fresco. No chão, logo abaixo da porta, uma
poça avermelhada.
Para surpresa – e sobressalto – de Milla, eis que
um segundo forte baque acontece. Desta vez, entretanto, o homem percebeu
claramente a origem do barulho – a última porta à direita daquele
estranho banheiro.
Milla percebeu que a porta rangia
incessantemente, em um vaivém igualmente constante. Caminhou até o
local. A luz começou a piscar com mais intensidade. Os acontecimentos
daquela noite eram mui estranhos, e tudo girava em torno de um cerne – a
última porta daquele banheiro. Era mister descobrir o que ali se
encontrava.
Opranovich caminhou entre o som do ranger constante da
referida porta. Não estava nervoso; apenas temia ser alguma brincadeira
de mau gosto, ou uma armadilha.
Chegou à frente da porta; naquele
instante, a mesma se encontrava completamente fechada. Estranhou o fato,
pois a mesma se encontrara em um vaivém interminável. Percebeu haver
escritos na parte externa da tão referida porta, feitos do mesmo
material que o anterior. Assim estava escrito:
NÃO ENTRE
Temendo ser alguma armadilha, Milla chutou com força a porta, quase a
arrancando das dobradiças. Naquele instante, foi revelado ao homem o que
se encontrava no interior daquele tão falado box. Havia um objeto
grande e pesado, com silhueta humana, dependurado no ar por grandes fios
esbranquiçados, que pareciam ser teias de uma poderosa aranha. No
centro, um facão se encontrava fincado no centro do objeto. Dali,
outrora, jorrou sangue, vertendo do ferimento em direção ao chão.
Rapidamente, Opranovich percebeu ser um ser humano – na realidade, uma
criança, de, no máximo oito anos de idade. Cabelo redondo e liso, olhos
àquela altura vítreos, olhando eternamente o teto insosso do banheiro,
pele incrivelmente branca e macia e lábios roxos. Ao fitar o cadáver, um
violento cheiro pútrido adentrou no interior de Milla pelas narinas,
fazendo-o rapidamente a sentir náuseas. Segurando-se para não vomitar,
correu, o mais depressa possível, atravessando o banheiro e chegando a
uma das quatro pequenas pias, que se encontravam entre a porta e os
sanitários. Ali, não conseguiu controlar a ânsia e acabou por vomitar,
sujando o interior da pia com um líquido bege de cheiro acre.
Ofegante e cabisbaixo, abriu a torneira da pia onde vomitara e deixou a
primeira remessa de água – suja e barrenta – descer, limpando o local,
para depois limpar as mãos e o rosto. Sua respiração voltava calmamente
ao normal. Levantou a cabeça, a fim de fitar-se no velho e sujo espelho,
que se encontrava sobre as pias.
Naquele instante, Milla novamente
sobressaltou-se. Atrás dele, no reflexo do espelho, estava o tal garoto
morto na última porta. Entretanto, naquele momento, o garoto estava – ou
parecia estar – vivo – seus olhos não se encontravam vítreos, seus
lábios não estavam roxos, e sua pele não estava tão esbranquiçada.
O garoto, por sua vez, fitava-o furiosamente.
De sobressalto, virou o foco do olhar para trás. Não havia nada. Aliviou-se.
- É melhor eu sair daqui... – disse, a si mesmo
O homem postou-se a partir do local. Repentinamente, atrás dele, no
fundo do corredor, eis que surge um estrondo, como um objeto pesado indo
ao chão. Milla virou de costas. Escutou o barulho de algo rastejando
pesadamente no chão. Paralisou-se; queria sair, entretanto, os
acontecimentos lhe travaram, dali não conseguia partir.
A última
porta abriu-se, vagarosamente. Dali, para temor de Opranovich, saiu o
garoto, rastejando-se calmamente, apoiado no chão pelas mãos e pés, com a
cabeça abaixada. A teia de aranha cobria-lhe a parte traseira do corpo
por completo. Da aberração provinha um amedrontador gemido, capaz de
estremecer as bases de até mesmo os homens mais céticos.
O garoto adentrou no corredor e postou-se a caminhar vagarosamente em direção ao lado oposto do banheiro.
A aberração atravessou o corredor em uma velocidade incrivelmente
baixa. Pelo tempo demorado pelo mesmo para realizar tal feito, era
possível que Milla se encontrasse longe o suficiente de onde estava.
Todavia, o pavor gerado pela visão nefasta daquele ser fez-lhe ficar
completamente imóvel; fitava-o constantemente, enquanto seu corpo tremia
com mais intensidade, com mais velocidade. Parecia que seu corpo não
iria se aguentar em cima das pernas e iria desabar.
Opranovich só
conseguiu restabelecer o comando de seu corpo quando o garoto já se
encontrava perto o suficiente. Percebendo não ser sensato se encontrar
suficientemente perto daquele ser, Milla correu em direção à porta.
Tomado pelo desespero, se encontrava com as mãos suando. Rodou a
maçaneta e tentou-a puxar, mas não logrou êxito. Imaginou ser por causa
do suor das mãos, entretanto, lembrou que conseguiu rodar a maçaneta. O
problema era outro...
“Milla estava urinando na sétima porta à
direita, quando, repentinamente, eis que surge um poderoso baque,
ampliado pelo vazio quase que absoluto do cenário. O homem
sobressaltou-se”. Essa cena voltou como em um flashback, à mente de
Milla. Merda, pensou o homem. A porta trancou-se com o baque lembrado no
flashback, constatou.
Escutando o gemido assustador da aberração
logo atrás de si, Milla virou-se, dando as costas à porta. Percebeu que o
garoto se encontrava a poucos passos; espremeu-se contra a porta. A
cada passo que a aberração dava em sua direção, mais Opranovich se
espremia contra a parede. E o garoto foi chegando, chegando, chegando...
Quando se encontrava a três passos de Milla, este começou a gritar,
enquanto tentava chutá-la:
- Sai, sai, sai!
Os gritos foram se
tornando mais fortes à medida que a aberração foi findando a distância
entre si e Opranovich. Os gritos se tornaram mais fortes, mais fortes,
até um momento em que um único som, irreconhecível, tomou conta do
cenário, antes de o mesmo ser tomado novamente pelo obscuro silêncio que
ali outrora reinava
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