As três meninas brincavam no escuro; na verdade, nem estava tão escuro.
As luzes da casa estavam bem à vista, e o muro que separava o pequeno
sítio do vizinho também, bem como as pequenas lâmpadas de iluminação
presentes nele. Mas aquilo era o mais escuro que elas já tinham visto do
lado de fora de suas casas. Eram, no final, crianças, e o mundo noturno
do pequeno sítio era uma aventura para elas. Depois de uma caçada a
vaga-lumes em meio às árvores, as meninas sentaram entre as raízes de
uma grande figueira; ainda que a casa ainda estivesse visível, ali ainda
era um lugar escuro. Qualquer adulto se preocuparia em sentar entre as
raízes de árvores naquela escuridão, principalmente por receio de
insetos ou outros animais peçonhentos e potencialmente perigosos. Mas
nada disso passava pela cabeça das três meninas; na verdade, nada
mundano passava pela cabeça delas naquele momento:
-…e vocês
sabiam que a vó disse que aqui no meio do mato vivem as fadas? Eu queria
ver uma fadinha que me ensinasse a voar!! – disse a primeira menina.
-
Deixa de ser boba! Só criancinhas acreditam em fadas,- disse a segunda
menina, um pouco mais velha, ainda que não muito; a primeira esticou a
língua em sua direção.
- Eu não quero ver fada nenhuma, – disse a terceira, mais nova de todas.
- Mas por quê? Ela são bonitas, pequenas e brilhantes, como os vagalumes,- disse a primeira.
- Ou senhoras gentis e bondosas, como a vovó, pras criancinhas que acreditam nelas – disse a segunda.
- Não são não!! Vocês nunca viram nenhuma fada!! – disse a terceira.
- Eu já vi uma fada sim!! – disse a primeira.
- Mentirosa, mentirosa, mentirosa!! – disse a terceira.
- E você? Já viu alguma? – perguntou a segunda.
- Não, e não quero nem ver!! – disse a terceira, enquanto pegava algumas pedras no chão.
- Ela é medrosa, medrosa, medrosa!! – disse a primeira.
- Por que você tem medo de fadas? Elas nem existem, – perguntou a segunda.
-
Vocês duas não sabem nada de fadas!! Vocês sabem por que elas vivem nas
árvores? Vocês sabem por que elas vivem no mato? – afirmou a terceira.
- E você sabe, sabichona?!! – perguntou a segunda.
- Ela tem medos de fadas, por isso ela não fala!! Medrosa!! – disse a primeira.
Naquele
momento, um vento forte passou; um vento não só forte, mas muito frio,
e muito sonoro. O assobio dele demorou a sumir da memória das meninas,
mesmo quando ele já estava muito longe dos seus ouvidos. Todas as três
ficaram em silêncio. Mas logo veio a voz da terceira:
-É a Korrigan, – disse ela, em uma voz assustada.
- Quem é a Korrigan? – perguntou a segunda.
-
É uma fada muito, muito antiga, – continuou a terceira, – ela sussurra
nas noites escuras, e sua voz pode ser ouvida no vento; pra nós, que
somos meninas, ela é assustadora, mas os meninos e rapazes ficam
encantados por ela; então ela leva eles para o mundo das fadas e nunca
mais vemos,- ela se virou pra primeira, – seu irmão está na casa, não
está? E ele é mais velho, e muito bonito; será que a Korrigan veio
buscar ele?
A primeira, mais nova de todas, começou a chorar:
- Eu não quero que ninguém leve meu irmão embora. – choramingou a primeira.
-
Shhhh, não era você que queria ver as fadas? – a terceira ficou de pé, e
andou em um semicírculo ao redor das primas. Ela derruba as pedras ao
longo do traçado, mas não sem antes beijar cada uma delas. – Talvez não
seja a Korrigan. O inverno já chegou, e está esfriando. Se ouvirmos o
som de uivos de cães, pode ser que seja o rei das fadas, Gwynn filho de
Nudd.
- Gwynn filho de Nudd? Você está inventando isso! – disse a segunda.
-
Não estou não!! Pode perguntar pra vovó!! Ele é o rei das fadas, e
protege a todos nós dos monstros do outro lado! Mas ele também cavalga
no inverno, buscando as almas daqueles que são fracos demais, os velhos e
os bebês; a vovó disse que qualquer que escute o som do uivo dos seus
cães morre no dia seguinte…
Por um momento, tudo parecia até mais
escuro; a casa parecia mais longe, e os sons da natureza, dos grilos,
das cigarras, e do súbito vento que não seria esquecido, tudo parecia
muito mais alto. Mas não havia nenhum uivo…
-Vocês acham que as
fadas são iguais dos desenhos; perguntem para os mais velhos como são as
fadas; elas pegam crianças pequenas à noite e levam embora e deixam
crianças das fadas no lugar; essas crianças não crescem iguais às
outras, todos acham elas estranhas…- continuou a terceira.
- Igualzinho você! Quer dizer que todas as fadas são malvadas??! – perguntou a segunda.
Por
um momento, o vento soprou de novo; rodopiou ao redor delas, cantando
uma suave melodia. Não era forte, mas as árvores responderam a ele,
balançando seus galhos e fazendo barulho; uma aveleira estava logo à
frente da figueira, e derrubou alguns de seus frutos, avelãs leves como
tem de ser, mas o som de cada uma delas como um casco de cavalo batendo
no chão…
- Nem todas são más, nem todas são boas, que nem a
gente; elas viviam no mundo, sabe, até que os homens expulsaram elas. Os
adultos pararam de acreditar nelas, e elas foram embora, morar nas
colinas, nas florestas, nos rios, no mar… de vez em quando elas aparecem
para brincar, como cavalos ou focas, mas de vez em quando elas vem
pegar pessoas; não sei porque elas fazem isso, mas acho que é porque não
acreditamos mais, e entramos mais e mais na casa delas; e elas também
tem seus trabalhos a fazer, como Gwynn quando coleta as almas, mas nem
sempre seu trabalho é bonito pra gente…
Naquele momento, o lugar
parecia muito mais escuro do que antes; os galhos formavam sombras
estranhas, e pelo menos uma delas parecia de um homem com chifres de
cervo. A lua estava… onde? Nem ela nem as estrelas estavam visíveis. E
para que lado ficava a casa mesmo? De repente, um som áspero, como uma
respiração pesada, veio das árvores. A primeira se agarrou à segunda e
começou a chorar:
-Eu não quero mais ver fada nenhuma! Eu quero ir embora!!
A segunda não respondeu nada, estava boquiaberta de medo. A terceira então falou:
-
Não tem motivo para ter medo, bobonas; eu tracei o círculo das fadas
com as pedras, e se vocês forem direto para casa, nessa direção, reto,
nenhuma fada vai pegar vocês…
As duas se levantaram, e começaram a anda na direção que ela disse; a segunda se virou para a terceira, e perguntou:
- Você não vem?
A pequena menina sorriu, e respondeu:
- Vão na frente, eu alcanço vocês rapidinho em casa, – e então começou a colher algumas das avelãs caídas no chão.
As
duas continuaram, com medo de olhar pra trás. E a terceira continuou
colhendo avelãs, até que uma sombra saltou sobre ela, e as duas rolaram
no chão.
- Rufus, seu brincalhão, então você estava escondido aí?- riu a menina, enquanto brincava com o cachorro da família.
Por um momento, as outras duas prenderam a respiração. Então a segunda se virou para a primeira e disse:
-
Viu? Eu não disse que era tudo besteira? Era só o bobo do Rufus
escondido entre as árvores; vamos embora e deixar essa mentirosa aí com
ele,- e continuaram em direção à casa. Mas a terceira percebeu que as
duas não desviaram do caminho que ela indicou em nenhum momento.
Então
ela recolheu as avelãs no chão, e montou um pequeno monte delas, logo à
frente do semicírculo de pedras que ela tinha feito; por acaso, logo à
frente da sombra em forma de homem com chifres de cervo. Ela não disse
nada, só sorriu e correu na direção oposta, a mesma que suas primas
haviam seguido antes, em direção à casa. Não olhou para trás, nem nada.
Mas mesmo assim, a longa sombra que parecia vir de algo em meio às
árvores pareceu balançar a cabeça em aprovação.
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