sábado, 31 de maio de 2014
A culpa não é minha, nem das estrelas
A defesa é automática. Não há nada que eu possa fazer, mas eu acho
também que não gostaria de fazer alguma coisa. Acho que não gostaria,
realmente, de carregar a responsabilidade. As decisões que eu tomo todos
os dias são ridículas. Escovar os dentes ou não, tomar banho ou não,
escrever ou não, me humilhar ou não, escutar músicas tristes ou não,
lembrar da solidão ou não, viver ou não. Eu gostava de prender a
respiração, e não faz muito tempo. Era como se por alguns segundos
expulsasse os pensamentos vitais e mergulhasse num cheiro de morte,
silêncio e escuridão. Talvez eu conseguisse passar até 4 minutos sem
encher meus pulmões de ar e, logo em seguida, esbugalhar um pouco os
olhos e me aliviar por ser um completo imbecil com mais velas no bolo
pro soprar. Até que me disseram que meu poder sobre mim era uma completa
farsa. Ninguém consegue morrer desse jeito. Nunca mais consegui passar
além dos 5 patéticos segundos sem me desesperar e confirmar com o meu
peito oscilante que eu mantinha a minha consciência no lugar. Acho que a
minha vida sempre durou 5 patéticos segundos. O que vinha depois, era
defesa. Espasmos. De cinco em cinco segundos, alguma hora, eu devo sair
por aí caindo numa cova. Viver é uma coisa automática. Ninguém aguenta
ser responsável pelo próprio sangue. Se colocassem o valor de todo o
oxigênio ingerido sem moderação na minha conta (porque acredito que
viver deva ser uma espécie de porre universal), eu já teria explodido em
um milhão de pedaços. De novo. Os amores que deixei? Que paguem. As
doenças que me comem o estômago? Que paguem. As saudades? Os orgulhos?
Os centavos da passagem? Que paguem. Que paguem todos. Como eu venho
apagando. Pagando. Que seja. Minha dívida é com alguma coisa dentro de
mim, - essa é uma das frase que eu mais repito, e a coisa pode ser,
acredite, qualquer coisa, inclusive uma coisa que nem sequer seja minha -
alguma coisa dentro de mim que se apieda constantemente das estrelas
que ignorei ao longo das minhas janelas fechadas e dos meus olhos
envoltos por um cobertor quase sem forro. É desperdício de sanidade me
aprisionar no meu mundo insano. O mundo insano que inclui doses altas de
uma morfina invisível. Sem ter motivo, sem ter dor alguma. Porque a
defesa é automática. Eu fico triste por um segundo, no mínimo, todos os
dias. Eu fico só. É o segundo quando olho bem no fundo do poço do meu
passado, e me reconheço, em perfeito estado de conservação, sem retirar
uma palavra do que disse, sem pedir desculpas pra quem eu deveria pedir
desculpas, sem rodar a chave na porta do meu quarto e parar com essa
economia de ar, porque a conta não é minha, a responsabilidade também
não. Sou quase um corpo solidário. Ainda bem. É o segundo quando me
escondo na poesia, nas luzes apagadas e na música triste. Quando escovo
os dentes, tomo banho, me humilho ou escrevo. De cada 5 segundos, vivo
4. Um espaço eu deixo pra ser o que sou de graça. Sem precisar escolher
ser. Um segundo eu deixo pra me arrepender. E nos outros 4, eu lembro,
feliz, extremamente feliz, que a culpa não é minha, nem das estrelas
(desculpe), nem de ninguém. Viver é uma questão de hábito. Talvez, eu
nem sequer esteja vivo agora, procurando lembrar onde eu coloquei meus
remédios pra dor de cabeça, respirando. E o que vem depois, não é a
morte. É espasmo, é ilusão, é crédito, é imposto, é automático. É
costume.
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