quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O preço do pecado

São dez horas da manhã. Eu estou na escola acuado no canto da sala. Os alunos riem de mim e zombam de minha deformidade. Andressa me olha com desprezo, é a primeira a me chacotear: “Olha o corcunda de Notre Dame chorando feito otário!”. Eles me olham com nojo, e riem da piada sem graça, pois se julgam perfeitos. Pensam serem os bons, só porque são normais. Eu sou feio, tenho cara torta e nariz arredondado. Nasci assim e ainda sou obeso. A professora Helena está na sala, mas nada faz pra me defender, ela não gosta de mim, mas me olha com piedade.

 Eu recebo cascudo dos valentões e sou humilhado pelas meninas. Douglas se aproxima, é o mais folgado deles. Ele me olha, sorri e puxa meus cabelos. Eu choro e tento esconder meu rosto. Em vão... Douglas me dá um tapa na cara. Eu continuo chorando, mas não tenho raiva deles... Tenho raiva dela, da maldita Helena!

 É noite. Estou no quarto zelando pela fotografia dela, minha professora. Helena é bela, tem olhos castanhos como o meu, e pele clara como a minha. Seus cabelos são tingidos de loiro, mas eu sei que a cor natural é preto. Eu a odeio, mas não consigo parar de observá-la, roubei esta fotografia ontem na sala dos professores. Eu observo a imagem fixamente e planejo minha vingança. Eu sei de toda a verdade, mas ela nem desconfia.

 É mais um dia de aula, eu caminho pelo corredor da escola, mas não entro na sala. Não, não entro... Não entrei, pois vi ela, Helena. Ela está sozinha, sentada em uma cadeira na sala dos professores. Não poderia ser mais fácil, estava de costas para mim. Coitada da Helena... Coitada para quem não a conhece, mas eu sim, eu a conheço e sei de seus pecados.

 Eu caminho até a sala, mas não estou sozinho, arranco do bolso meu amigo: "Uma faca de cozinha que trouxe de casa". Eu me aproximo, ela nem percebe. Eu sinto que minha vingança se aproxima e não irei falhar. Eu a seguro pelos cabelos e com um único e preciso golpe, perfuro sua jugular. Ela golfa sangue e agoniza em desgraça. Eu a vejo cair no chão e pronunciar suas últimas palavras:
 
–  Por que fez isso comigo...
 Ela morre. Eu me aproximo do corpo quente e me sujo com o sangue dela, sim, me sujo com o sangue do meu sangue...
 Um dos professores entra na sala, ele se espanta e me tira de cima dela. Eu fico encolhido no canto da parede, enquanto outros professores e alunos adentram no local. Todos suspeitam de mim, me xingam e me julgam... Mas ninguém sabe da verdade.

 É começo de tarde e eu estou na delegacia. O homem grande de olhar penetrante me pergunta:
 – Por que a matou garoto?
 Eu observo pelo vidro grande da sala meus pais adotivos, sinto então um vazio no peito por saber que ficarei algumas semanas sem vê-los. Mas eles sabem o motivo pelo qual cometi essa monstruosidade. Sim monstruosidade, pois me chamam de “monstro” no jornal da tarde.
 Eu olho para policial que me interroga, respiro fundo e lhe respondo com frieza:
 – Ela é minha mãe de sangue. Usava drogas, e é bem por isso que eu nasci assim, deformado e esquisito! Ela tentou por vezes me abortar. Sem sucesso. Quando nasci à desgraçada logo me deu para adoção. Quando cresci, meus pais adotivos me revelaram toda a verdade, e eu quis me aproximar dela. Mas ela não me conhecia, não imaginava que eu estivesse tão perto, muito menos que eu soubesse da verdade. Eu apenas fiz com que ela pagasse o preço... O preço de seu pecado!

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