terça-feira, 2 de julho de 2013

A igreja

I.
Desde quando Diego tinha cinco anos, seu pai insistia em manter sua chácara numa cidade perto da fronteira de São Paulo com Paraná, Timbaratobá. Sua casa principal era em São Paulo, e Diego desde a sua infância até quase sua fase adulta, odiava ir para aquele fim de mundo, afinal eram mais de seiscentos quilômetros da capital. Todo fim de ano eles iam para lá comemorar a virada do ano. Agora na fase adulta, Diego convidou alguns amigos de faculdade para passar a virada do ano e fugir um pouco do estresse de São Paulo.
Era um sábado à tarde, folga de Diego, ele estava no computador, jogando joguinhos online e mexendo no Facebook. Até que uma mensagem de Luís pipocou na parte inferior da tela:
Luís diz: Ei, quando a gente vai viajar mesmo?
Diego diz: Sábado que vem, dia 28.
Luís diz: Faz muito frio lá?
Diego diz: Um pouco.
Luís diz: Bom, se for que nem aqui na capital, é melhor eu levar roupas de calor e de frio.
Diego diz: É melhor mesmo.
Luís diz: E o que tem de interessante lá? Tem alguma igreja lá?
Diego diz: Tem sim, muito bonita por sinal. Tem alguns vitrais e pinturas dentro.
Luís diz: Da hora, vou tirar algumas fotos pra colocar no meu blog. Bom, tenho que ir, a gente se vê no sábado que vem. Qualquer coisa, se miar, me manda uma mensagem.
Diego diz: Beleza, a gente se fala.

II.
Na véspera da viagem com seus pais e seus amigos, Diego estava deitado na cama lendo, quando um bater na porta desviou sua atenção, “Pode entrar.” disse Diego e seu pai entrou no quarto.
- Diego, seu tio Astolfo foi internado, nós vamos ter que ficar com ele esse ano novo.
- E a viagem?
- Bom, você sabe dirigir, pegue o meu carro e te explico como faz pra ir lá. Mas ligue quando chegar na cidade.
- Tá bem, eu ligo.
Seu pai explicou como fazia para chegar em Timbaratobá e saiu. Diego pegou o celular e mandou uma mensagem para seus dois amigos: Luís e Kevin.
“Boas novas, meus pais não vão com a gente na viagem. Terão de ficar com meu tio que está internado. Só pra lembrar: amanhã, sete e meia da manhã aqui em casa.”
---
Diego acordou às seis horas, tomou banho e o café da manhã, as malas já estavam prontas desde a noite passada. Um pouco antes das sete e meia, a campainha tocou, eram Luís e Kevin. Diego e seus amigos se juntaram na sala junto com seus pais.
- Bem, como vocês estão aqui, vou explicar mais uma vez como se faz para chegar lá. – disse Ricardo, pai de Diego.
- Só um minuto. – interrompeu Luís – eu vou gravar pra ter certeza de que a gente não se perca no caminho. – E tirou seu smartphone do bolso. Mais uma vez as instruções foram repetidas.
- Bom, melhor a gente colocar as malas no carro. – Diego foi para a garagem e abriu o porta-malas e foi colocando as bagagens. Kevin foi para o banco do passageiro da frente e Luís foi atrás. Diego fechou a porta e abriu a janela.
- Façam uma boa viagem garotos. – disse Rosana, mãe de Diego, enquanto o pai abria o portão – Não se esqueçam de ligar quando chegarem.
- Nós ligaremos mãe. – Assegurou Diego.
Ele ligou o carro, deu ré e partiu na sua longa viagem.

III.
Fazia horas que eles estavam dirigindo, já eram quatro e meia da tarde e eles só haviam feito uma parada para o almoço. O que demorou foi sair de São Paulo, fim de ano, o movimento das estradas era grande, mas aquela que eles estavam quase não tinha carros ou caminhões.
- Um fim de mundo. – disse Kevin. Olhou para Diego e continuou. – Tem certeza que tem alguém vivo nessa cidade, Diego?
- Tenho, já fui para lá muitas vezes na minha vida.
- Olha lá! – exclamou Luís, apertando um pouco os olhos para tentar enxergar os borrões em branco.
Quanto mais chegavam perto, mais nítidos se tornavam os borrões. Eram esculturas, letras esculpidas na verdade, que diziam: TIMBAROTOBÁ. Estavam dentro de um quarteirão redondo com grama. Diego contornou e continuou o caminho. Algumas construções começaram a aparecer: casas, comércio e pequenas praças. Para ir até a sua segunda casa, Luís sempre passava em frente à igreja da cidade: construção de pedra com duas torres laterais, da esquerda com pequenas janelas e uma cruz no topo, a da direita um pouco maior, com um sino em cima e um relógio, uma escadaria que dava numa porta de madeira escura, de cada lado da porta tinham um vitral.
- Olha essa igreja! – os olhos de Luís brilharam. Igrejas são umas das poucas construções que o encantam, tanto pelo fato histórico quanto pela arquitetura. – Mal posso esperar pra ver ela do lado de dentro. – completou.
A rua estava movimentada por conta dos preparativos para o ano novo, homens e mulheres, senhoras e senhores, todos na rua ou no comercio, sempre com sacolas de supermercado nas mãos.
Depois de passar a igreja, Diego percorreu mais dois quarteirões, virou a direita, seguiu por quatro quarteirões e virou à esquerda.
- Chegamos! – anunciou Diego – Vou ligar para meus pais pra avisar que chegamos!
Era uma casa típica de uma cidade pequena, sem muitos luxos, térrea, com a tinta azul desbotada. Ao abrir a porta, a primeira coisa que Diego fez foi abrir todas as janelas pra sair o cheiro ruim. Luís e Kevin foram trazendo as bagagens para dentro. Diego foi até a cozinha, abriu a geladeira e falou:
- Pessoal, vou ter que ir ao mercado comprar os preparativos do fim de ano. O que vocês vão querer comer?
- E o que você sabe sobre preparar alguma coisa? – debochou Kevin. – Vai ao mercado, compre o que está nessa lista e me traga de volta. Eu vou organizar esse lugar aqui. – Kevin passou o arquivo do seu celular para o celular de Diego.
- Lista? Quando foi que você fez essa lista? – confuso.
- Durante a viagem, enquanto você dirigia. Pessoas que tem uma segunda casa só para épocas festivas nunca tem nada na segunda casa.
- Luís, vamos ao mercado, você me ajuda a carregar as coisas. – disse Diego.

IV.
Luís estacionou o carro na quadra da igreja, tinha um supermercado bem na frente. Eles pegaram o carrinho e começaram a botar pra dentro as coisas que estavam na lista. A fila do caixa estava um pouco grande, portanto, Luís decidiu ficar lá para guardar lugar e começou a puxar assunto com uma senhora baixinha e de cabelos brancos que estava na frente.
- Você não é daqui não é? – disse a senhora com um pouco de sotaque.
- Não, sou de São Paulo. – disse Luís.
- Ah, muito grande aquela cidade, muito barulhenta também.
- Você se acostuma.
A senhora balançou a cabeça de um lado para o outro, concordando com a resposta de Luís.
- Vim para cá com 26 anos. Vim pra trabalhar, no posto de saúde. Eu morava em Maringá. Realmente a gente tem que se adaptar com as novas situações que a vida nos proporciona, menino.
Luís sorriu.
- Senhora, quando que a igreja fica aberta? – perguntou, mudando de assunto.
- Essa igreja aqui da frente? Já faz uns dois anos que está abandonada. – disse num tom de lamento.
- Abandonada?! Mas, e o padre?
- Fugiu, disse que a igreja era assombrada. E é verdade, se me lembro bem, desde que eu vim pra cá, toda noite as luzes ficavam acesas. – Mas aí a senhora balançou a cabeça negativamente e deu um tapinha em sua cabeça. – Mas que cabeça, minha memória já não está tão boa assim. As luzes acendem de madrugada, às 2:40 e sabe lá Deus quando desligam. Eu tenho um pouco de insônia, só consigo dormir depois das 3:30. – A senhora começou a passar as compras dela e continuou conversando. – Olha, só sei que as luzes continuam sendo acesas e desligadas, mesmo sem o padre lá.
A senhora pagou suas compras, desejou um Feliz Ano Novo para Luís e foi embora. Nesse momento Diego chegou.
- Quem era? – perguntou Diego.
- Uma senhora que mora aqui na cidade. Ela disse que a igreja estava fechada.
- É mesmo, uns dois anos atrás eu ouvi falar que o padre tinha fugido porque a igreja estava assombrada. É de dar risada. Como pode a casa de Deus ser assombrada?
Diego passou as compras, pagou e foi em direção ao carro. Luís, carregando duas sacolas, fitou a igreja, intrigado. Guardou as compras no porta-malas e voltaram para casa.

V.
- Feliz Ano Novo! – gritaram todos na varanda da casa. Os amigos se abraçaram e brindavam com champanhe.
- Bom, agora que é ano novo, que tal ir até o centro da cidade beber no bar? – sugeriu Kevin.
- É uma boa ideia, aí a gente pega umas gatinhas, sabe como é, pra começar o ano bem. – disse Diego.
- Bom, eu vou só beber, gatinha não é comigo – disse Luís.
- Tá bom, você só bebe então. – concordou Kevin.
Eles saíram de casa e foram para o bar, a duas quadras da igreja. Chegaram lá e o bar estava bombando, cheio de jovens e adultos. Os três amigos arrumaram uma mesa e pediram cervejas. Papo vai, papo vem, três garotas vieram em direção a mesa. Luís virou os olhos e bufou.
- Eu vou dar uma volta, pelo menos sobra uma pra vocês. – disse Luíz.
- Tudo bem, mas não demora. – disse Kevin. – A gente volta hoje mesmo pra São Paulo, porque amanhã tenho que trabalhar.
- Ok, não demoro. – assegurou Luís.
---
Luís começou avistou a igreja e percebeu as luzes acesas da igreja, eram 2:45 da madrugada, ele lembrou do que a senhora disse. A porta estava aberta.
2:46
Luís entrou e ficou encantado com a parte de dentro, várias fileiras com bancos de madeira, algumas estátuas de anjos e lá na frente a grande cruz com a imagem de Jesus preso na cruz. Ele tirou a câmera do bolso, mas parou pois havia um homem ajoelhado em frente a cruz, aparentemente rezando. Luís caminhou em direção ao homem de preto.
- Senhor? – ao se aproximar do homem, ele viu uma poça de sangue em que o senhor estava ajoelhado. – Está tudo bem com você? – perguntou cauteloso.
2:47
Violentamente a porta se fechou, o homem se levantou e se virou. Horrorizado, Luís viu os olhos totalmente negros do homem, o colarinho branco denunciava que o homem era o padre.
O padre gritou com muita raiva, correu contra Luís tentando o agarrar. O padre mantinha as mãos abertas com um grande buraco ensanguentado, tentando agarrar Luís, mas o padre o atravessou e Luís caiu desmaiado.
----
Diego, preocupado com o amigo, comentou com Kevin.
- Cara, e o Luís? Já são quase quatro da manhã e ele não apareceu.
- Ele falou que ia dar uma volta, talvez esteja na igreja. – lembrou Kevin.
- Vamos até lá então!
Algumas garotas voltaram para a mesa deles e eles se levantaram:
- Sinto muito meninas, mas temos que ir. – disse Kevin
- Mas por quê? – disse uma delas.
- Faz mais de uma hora que nosso amigo saiu daqui e até agora não voltou. – explicou Diego.
- Ah, ele deve ter voltado para casa.
- Não, nós já temos uma ideia de onde ele pode estar. Nós vamos busca-lo e já voltamos!
- Tudo bem.
Kevin e Diego foram para a igreja, entraram e encontraram Luís no chão. Eles se aproximaram dele e começaram a dar tapinhas na cara.
- Acorda Luís! – disse Kevin, Luís se mexeu um pouco e fez algumas caretas como se alguém não quisesse acordar.
- Você está bem? – perguntou Diego
Luís abriu os olhos rapidamente e seu globo ocular estava todo negro. Espantados, Diego e Kevin se afastaram num pulo. Luís se sentou e disse com uma voz totalmente diferente e mais grossa que a dele:
- Estou. – E a porta da igreja fechou violentamente enquanto Luís olhava fixamente para Diego e Kevin.

Nenhum comentário:

Postar um comentário