sábado, 6 de julho de 2013

Vigia do cemitério



 
Suando da cabeça aos pés estava José, o sol quente raiou o dia, e sua pele queimada refletia sua vontade de arrumar logo um emprego. Em suas mãos o último curriculum sujo e amaçado. Caminhava pensativo pela calçada, e logo á sua frente notou aquele velho cemitério, nunca havia passado por este, pois chegou faz pouco tempo do nordeste e não conhecia quase nada do bairro onde vivia.
 
"Precisa-se urgentemente de um vigia noturno". Dizia a placa logo na entrada do cemitério municipal de Araras. José engoliu seu medo e na ânsia de arrumar logo trabalho, adentrou em posse de seu curriculum. Logo na entrada avistou o responsável pela contratação de funcionários. Aquele com certeza era seu dia de sorte.
– Olá senhor, posso deixar meu curriculum?  Perguntou José passando a mão em sua testa suada.
 
O diretor do local olhou satisfeito o bom homem e logo percebeu que ele vinha das cabeceiras, lhe estendeu a mão em cumprimento e lhe disse saudoso:
– É claro que sim meu bom homem – Apertou a mão de José e o perguntou – E como se chama?
 
José abriu o sorriso mostrando seus dentes cariados e respondeu alegre.
– Me chamo José senhor... José Antônio. 
 
O diretor do cemitério coçou a cabeça, passou as mãos em sua boca e mordeu os lábios inferiores. Depois de pensar bastante decidiu dar uma chance para o pobre homem.
– Então está bem José. Venha amanhã às dezenove horas. Esse será seu horário, das dezenove até as seis da manhã. Até mais José.
 
Em casa José alegre da vida contou a novidade para sua esposa Maria.
– O muié, arrumei um trabalho! 
Dona Maria abriu um belo sorriso, abraçou o marido e perguntou eufórica.
– Mas de que homem? 
– Em um cemitério mulher, serei vigia dos mortos.
– Vala me Deus – Se assustou dona Maria, fez o sinal da cruz e abençoou o marido – Cuidado com o que tu fala homem, logo um cemitério, Deus que te proteja das assombrações...
– Que assombração o que – Resmungou seu José – Da meu marmitex que se não eu chego atrasado, e chegar atrasado no primeiro dia não é bom!
 
Passando pela calçada próxima do cemitério, José sentiu um calafrio na espinha ao ouvir o som de uma coruja. Acelerou os passos e tropeçou na macumba. Tremulo e assustado o homem fez o sinal da cruz e repreendeu o mal. 
– Meu pai, me proteja e me levante, tira esse mal da terra! – Seguiu até a porta do cemitério e adentrou no local – Nossa senhora... O medo lazarento, tá repreendido! 
 
Lá dentro José iniciou seus trabalhos, o outro vigia lhe cumprimentou e foi embora, deixando o covarde José sozinho naquele silêncio dos mortos.
– O meu pai, mais que lugar mais do estranho – Dizia José em posse de sua lanterna, caminhando entre os túmulos do cemitério – Rapaz mais o que é isso! – Se assustou José, que logo correu até sua guarita, e com o coração acelerado sussurrou amedrontado – Que desgraça foi aquela que passou pelo meu pé... Deus do céu, será que existe mesmo isso de assombração?
 
O medo era tanto que ele permaneceu na guarita. Abraçou o terço colado ao peito e rezou de olhos fechados. Ao abrir os olhos teve uma visão assustadora, tremeu da cabeça aos pés, avistando um vulto negro com dois olhos vermelhos passar rápido pelas lapides. De repente seu coração acelerou ainda mais, a criatura começou a lhe encarar. O homem amedrontado novamente fechou os olhos e clamou a Deus por ajuda:
– Deus do céu... Meu senhor me ajude e me guarde – Apertou as mãos e abriu os olhos – Graças ao meu bom jesus...  Respirou aliviado vendo que a criatura havia sumido. Alcançou a garrafa de café e tomou um gole.

Tudo isso logo na primeira noite... Pobre do vigia, se fosse velho já teria um ataque cardíaco. Enquanto apreciava o café quentinho, seu José pensou bem se voltaria no dia seguinte. Mas também pensou em sua mulher, e no aluguel atrasado que já devia há dois meses. Suas pernas então começaram a doer, ficar parado não era costume para o nordestino arretado. Decidiu então caminhar próximo de onde estava.
Nesta hora o coitado sofreu mais um ataque de 
medo, sentiu rapidamente algo passar novamente por entre suas pernas, deu uma pirueta no ar e caiu de bunda na grama úmida. 
– Oh, meu Deus! Assim eu não aguento – Olhou suas mãos tremulas e se levantou – Mas o que era aquilo...

Seu José nem teve tempo para se recompor do susto. Notou uma velha colocando velas na porta do cemitério, era uma macumbeira...
– O muié, eu sei que a senhora é do coisa ruim, mas não dava pra fazer isso na esquina – Disse o vigia de trás do grande portão de ferro – É que... É o meu primeiro dia de trabalho, e eu não estou afim de receber broncas.
 
A velha o olhou insana, chutou a própria macumba e puxou os próprios cabelos em extrema ira. Encarou a face covarde de José e praguejou indignada.
– Seu vigia de merda! Como ousa me atrapalhar! As almas desgraçadas ei de lhe atormentar esta noite! – Virou as costas e se foi, mas antes deu um aviso – Cuidado seu imundo, muito cuidado esta noite...
Era tudo que ele precisava, se já não bastasse o medo, agora também estava amaldiçoado. Aquelas palavras lhe percorreram a mente, e José atordoado voltou ao seu posto. Enquanto caminhava, notou uma cova aberta; De lá inúmeras baratas saiam, ratos corriam entre o velho túmulo violado. Aquela foi a gota d´água. José tremia desnorteado sem saber o que fazer, o cheiro pútrido lhe impregnou as narinas, e quando virou para trás, notou um cadáver sendo arrastado em direção à ala principal do cemitério. 
 Mais que merda é essa...  Ligou a lanterna e foi para fundo do cemitério, ao menos lá ninguém lhe viria.
 
No canto da parede suja, José se acolheu feito um bebê. O homem aflito tremia descontrolado, milhares de pensamentos vieram a tona, "será que os mortos tomaram vida, são fantasmas..." O vigia não sabia o que fazer, permaneceu ali na esperança de raiar o dia. Olhou para o relógio e viu: Cinco horas e quarenta e quatro minutos. Faltava pouco para o sol nascer. Antes disso José se cagou de medo, olhava em pânico novamente aquela assombração lhe atormentar, na mesma hora as palavras da macumbeira rondaram sua mente. Os olhos vermelhos fitavam José. O sol nasceu e então clareou o espectro. O vigia ao notar a criatura sob a luz do sol, respirou fundo e sussurrou aliviado.
 Um maldito gato? Eu fiquei com medo de um maldito gato preto!
Caminhou enraivado até o portão e notou o vigia da manhã chegar, abriu a porta e o guiou até a cova aberta.
 Olha isso amigo  Disse José mostrando a estranha cova  Alguém saiu dai, eu vi o defunto caminhando! 
 
Seu Jaime, o vigia da manhã, caminhou com José até a ala principal, ambos contemplaram o cadáver em decomposição estirado no chão. Seu Jaime logo chamou a policia.
 
Minutos Depois...
 
A policia então pegou a gravação das câmeras noturnas e mostrou para os dois. A filmagem mostrava José discutindo com a macumbeira, enquanto dois homens violaram a cova, e na ala principal com um alicate, removeram os dentes de ouro do cadáver de um homem rico. 
 
José sorriu aliviado, pois teve certeza que assombrações não existiam... Após prestar depoimento foi para sua casa, carregando nas mãos o gato preto. O diretor não culpou José, pois crimes assim já haviam ocorrido muitas vezes. O bom nordestino criou coragem e todas as noites vigiava sem medo o cemitério, junto de mais um vigia e seu gato sapeca.
 
Fim

Nenhum comentário:

Postar um comentário