sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Arterror episódio 1- Crianças Perversas




 O pote de biscoitos estava sobre o armário de mantimentos, bem distante das mãos gordinhas das crianças. Mesmo assim, Lourdinha esticou os dedinhos até o pote, tentando alcança-lo. Tia Dolores rapidamente bateu com o chinelo em sua mão, fazendo a menina berrar:
— Alto lá com essas suas patinhas imundas, Maria de Lourdes! O almoço sai daqui a duas horas! Vá brincar no terreiro com seu irmão e seus primos!
 A menina chorona correu para o quintal com a mão vermelha. Verinha olhou para a priminha e comentou com o irmão e o primo:
— Tadinha... Tia Dolores bateu na Lourdinha de novo...
 Luiz, o irmãozinho de Lourdinha, olhou para a tia lavando louça na pia e falou em ira:
— Maldita velha! Não sei por que é tão má assim!
— Mamãe diz que é porque ela nunca se casou, – disse Verinha, enquanto coçava os piolhos na cabeça – disse que ela é má e infeliz porque é uma maldita solteirona deprimida.
— Se nossos pais a acham tão cruel assim, porque nos deixam aos cuidados dela? – perguntou Franco, irmão da Verinha.
— Deve ser porque eles não tem escolha. Mas nós temos. Poderíamos nos vingar...
 Luiz também sentiu os piolhos lhe incomodar, coçou a cabeça e perguntou:
— Como João e Maria fizeram com a bruxa má?
— É! – indagou Verinha. – É isto mesmo! Como João e Maria fizeram com a bruxa má!
— Esta dizendo para jogarmos tia Dolores na fogueira? – Perguntou Franco assustado.
— Talvez não... Mas ela é uma bruxa, não é? – disse Luiz – João vingou a irmã dele, eu bem podia vingar  a minha!
 Tia Dolores baixou o fogo da panela, foi até o quintal com um pente-fino e gritou, flagrando o menino coçar a cabeça:
— Luiz, seu empesteado! Venha aqui! Quero arrancar essas criaturinhas imundas da sua cabeça! Já!
 O pequeno tremeu dos pés a cabeça “coçante”... Sabia que a tia era má... Sabia que ela passaria o pente-fino em sua cabeça como um rastelo, arrancando junto com alguns piolhos sangue de seu couro cabeludo.
— Vai querer ser fazendeiro e criar boi nessa cabeça, moleque? Vem logo! – insistiu a velha maldita.
 As outras três crianças encararam aterrorizados o menino sem escolhas caminhar até sua tia. Lourdinha com a mão ainda latejando, olhou toda a desgraça de seu irmão, enquanto a velha dizia:
— O que estão olhando, bando de fedelhos sujos? Vocês serão os próximos, e se alguém coçar a cabeça durante o almoço, eu faço tudo de novo!
 E o pente raspou impiedoso sobre a cabeça do pirralho. A maldita parecia um homem do campo, arando na marra a terra dura. Os piolhos caiam da cabeça no lenço branco, enquanto Dolores contava a velha historia:
— Quando eu e seu pai tínhamos a tua idade, um menino da nossa escola tinha tanto piolho que pingava na carteira da escola. Ele era anêmico e fraco, de tanto sangue que perdia. Um dia aconteceu uma fatalidade... A meningite o atacou e ele morreu. No funeral, dava para se ver os piolhos saindo de sua cabeça e subindo na parede branca, abandonando o corpo frio. Quando todo mundo deu conta daquilo, ninguém ficou na sala, só a mãe dele. Dizem que quem pega piolho de defunto, nunca mais fica livre deles...
 As crianças tinham nojo daquela historia. Nojo porque sabiam que a tia baranga ainda tinha piolhos, mesmo depois de velha. O pai de Luiz e de Lourdinha dizia que ela pegou piolho do menino morto, por isto era seca e nunca conseguiu se casar...
 Uma a uma das quatro crianças foram “tosadas” pelo pente-fino apelidado de rastelo. O couro cabeludo ardia, enquanto a tia satisfeita estalava nas unhas os piolhos graúdos.
 Dolores adorava ouvir o som dos piolhos estourando entre suas unhas grossas. Ela ria e limpava o sangue nas próprias vestes, enquanto dizia:
— São tantos piolhos! Se não fosse tão divertido estourar eles, eu atearia fogo!
 Os pequenos tinham medo disto, pois sabiam de outra lenda popular, que dizia que se os piolhos de uma criança fossem jogados na fogueira, ela nunca deixaria de tê-los, mesmo depois de adulta:
— Quando se é adulto os piolhos abandonam nossa cabeça. – lembrou Luiz – Menos os da tia Dolores. Ela é tão nojenta que só serve para alimentar os piolhos.
 Nojenta era pouco. Após estourar um por um dos piolhos das crianças, Dolores voltou para as panelas sem lavar as mãos. Serviu um a um dos pratos com as unhas ainda sujas de sangue. Olhou para os sobrinhos e ordenou:
— Comam tudo! E se alguém coçar a cabeça durante a refeição, vai ganhar uma nova triagem de cabo a rabo para arrancar mais piolhos!
 Parece que as palavras “coçar” e “piolho” causam um efeito mecânico na maioria das pessoas. Só de ouvirem isso, todas as crianças sentiram as cabeças que ainda ardiam, coçarem. Luiz segurava com firmeza a colher, tentando retalhar pedaços do dorso do frango mal cozido, enquanto a tia Dolores torcia para qualquer um deles se atrever a dedilhar a cabeça. A colher de inox retalhou parte do frango mal cozido. Ainda podia se ver o sangue junto com o osso. Ele olhou para a irmã Lourdinha e para o casal de primos, que também se seguravam para não coçarem a cabeça...
 Não poderia resistir como eles, sua cabeça formigava. Parecia que sentia as patinhas cravejarem no couro cabeludo todo dolorido. E antes que levasse a colher com arroz e frango “pré-cozido” na boca, ele se atreveu a coçar o topo da cabeça.
 Há, era o que Dolores esperava. Imediatamente ela levantou-se da mesa e o arrastou até o quarto. Era o ponto de partida para toda sua maldade.
 Diante da ausência da tia, Lourdinha olhou novamente para o pote de biscoito sobre o armário. Olhou para Verinha e Franco e falou com umleve sorriso:
— O almoço esta terrível... Eu quero biscoito!

Pior do que ter a cabeça rastelada, era ficar trancado a sós no quarto com tia Dolores. O pequeno Luiz sentia nojo da velha mulher, que a sós com ele, sorria enquanto abria a gaveta da cômoda de madeira:
— Não quero que seja como da ultima vez, Luiz. Não quero que tenha medo e nem que vomite no chão do meu quarto de novo. Você esta virando um homenzinho, e precisa agir como tal, certo?
 Era muito pior negar. Ele timidamente balançou a cabeça em tom de aprovação. Ela tirou um pano branco da gaveta, o dobrou varias vezes e se ajoelhou diante do menino de pé.
 Passou a língua grossa no pano até úmidecê-lo. Com cuidado, o passava na testa do sobrinho, enquanto dizia calma:
— Não tenha medo Luiz. A titia só quer limpar você...
 Com a outra mão, baixou o short surrado do menino, e sem deixar de olhar em seus olhos, o alisou. Luiz enojado sentiu o frango pré-cozido voltar de seu estomago. Tentou se segurar para não vomitar novamente no chão do quarto, pois na ultima vez, teve que limpar.
 De repente, ouviu-se um estalo na cozinha. Dolores assustada olhou para trás, enquanto que Luiz não conseguiu se segurar, vomitando sobre ela.
 A mulher em ira correu até a cozinha, limpando com o lenço o vomito sobre sua cabeça. Olhou para os outros três sobrinhos de cabeça baixa, em volta do pote de biscoitos quebrado no chão:
— Quem foi? – gritou Dolores – Qual dos malditinhos fez isto?
 Luiz saiu do quarto limpando a boca. Nenhuma das crianças se manifestou. Lourdinha soluçava, ameaçando chorar. Tia Dolores aproximou-se dela, se desviando dos cacos grossos:
— Foi você, não foi sua praguinha? Foi você quem tentou subir lá, não deu conta de segurar o pote e o deixou cair... Não foi isto?
— Minhas mãos estavam doendo... – disse Lourdinha desabando em lagrimas – Não consegui segurar o pote e ele escorregou...
 Rapidamente Dolores segurou nos cabelos claros da menina. A fez se ajoelhar no chão e ordenou:
— Pois pegue caco por caco! E depois que terminar, vai ter uma lição!
 A menina com a mãozinha tremendo tentava pegar os cacos, enquanto cortava a própria mão. Luiz então se ajoelhou no chão também, a ajudando a coletar os cacos:
— Levante-se daí, Luiz! – ordenou a velha – Levante-se daí AGORA!
 O coração do menino batia em disparada, mas ele não obedeceu. Juntava rapidamente os cacos e os biscoitos, tentava pegar o maximo possível, antes que a maldita o puxasse pelo colarinho:
— Eu mandei você se levantar, Luiz!
 O menino olhou para sua irmã e continuou a colher os cacos grossos. Tia Dolores se agachou diante dele e disse em voz baixa:
— Você vai se levantar ou quer que eu conte para eles o que nós dois estávamos fazendo lá dentro do quarto?
 O coração do menino parecia que ia sair pela boca... Mesmo sendo vitima dos abusos da tia, não queria que a irmã e os primos soubessem de toda aquela desgraça... Sentia vergonha, e isto era mais forte que tudo:
— Quer que eu conte a eles como fica seu pintinho quando passo o pano em você? – ameaçou ela bem baixinho próxima ao seu ouvido, com um leve sorriso na cara enrugada.
 Aquele jogo de palavras foi como uma giro rápido na chave de ignição em uma caminhonete barulhenta... Luiz com um grosso caco do pote na mão esquerda, de imediato o usou para calar a velha.
 O vidro quebrado lhe passou certeiro pela garganta, retalhando com ferocidade a carne grossa. Dolores desesperada levou a mão até a garganta degolada, tentando estancar o sangue que escorria e jorrava em abundancia. Em vão...
 De joelhos, caiu para trás com as pernas ainda dobradas, enquanto o sangue se espalhava pelos cacos de vidro e os biscoitos espalhados no ladrilho.
 Imediatamente, o casal de irmãos se levantou. Luiz olhou para eles e largou o caco, dizendo:
— Vamos pra fora! Agora!

 Antes da noite cair, o pai de Verinha e Franco chegou do trabalho. Encontrou as quatro crianças sentadas na varanda. Verinha foi ao seu encontro e calma, contou o ocorrido. O homem suando frio adentrou as pressas na casa, pela porta da cozinha, desviando da possa de sangue.
 Luiz olhou com atenção para a cabeça da tia. Conseguiu ver dezenas de piolhos saindo da cabeça da mulher fria, caminhando com suas perninhas rápidas sobre a única parte seca do ladrilho, até chegarem na parede.
 

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