sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Arterror episódio 5- Inveja macabra


 
 Iuri trabalhava desgraçadamente, ano após anos, lambendo as botas do patrão e servindo de base para as maiores broncas e grosserias. Era o maitre de um fino restaurante e visava com extrema incompetência seus subalternos, que sempre aprontavam uma ou outra às escondidas, deixando o erro evidente.
 O patrão via os deslizes dos funcionários e chamava o pobre Iuri de canto, derrubando toda sua ira até o coitado achar o verdadeiro culpado e descontar, em proporção desigual, pois nunca conseguia ser tão carrancudo quanto o grosseiro patrão.
 Iuri procurou dividir sua turma em diversos setores, no intuito de deixar cada um responsável por uma coisa. Mesmo assim, os olhos de águia do patrão ainda acompanhava a tudo, quando via que algum garçom cometia um erro, na maioria das vezes pedia para Iuri dar a bronca, este ia em desespero e soltava o verbo desafinado, sem atingir o agressor que o chacoteava pelas costas.
 Os garçons e cozinheiros viam Iuri como um boneco, um instrumento idiota que o patrão usava para descontar toda sua ira. Para eles, as broncas dadas pelo pobre Iuri, nada mais eram que o balbuciar de um tolo. Chacoteavam, dizendo que o coitado tinha sempre a mão do patrão em seu rabo, e era direcionado a eles como um boneco.
 Iuri mesmo sendo constantemente humilhado pelo patrão, era um bajulador... Tratava o chefe com extrema cautela, lambendo o chão sujo que ele pisava.
 Os garçons acreditavam que todo aquele “puxa-saquismo”, era para cobrir sua incompetência:
 — É muito incompetente este Iuri – Dizia pelas costas Valter, no limite da inveja – Se eu fosse gerente desta espelunca aqui, faria bem diferente! Daria o meu melhor!
 Os outros garçons riam de Valter, pois o mesmo era tão puxa-saco e bajulador quanto Iuri.
 Mas a realidade era outra, Valter era mais desesperado que incompetente. Apesar de ser um sujeito bem apanhado, profundo conhecedor de vinhos e um excelente garçom, era muito ansioso, muito afobado para conseguir reconhecimento daquilo que fazia. Se exibia com honras e sorrisos ao patrão, que o tratava como um verdadeiro imbecil. Os outros garçons comentavam de canto, rindo as suas custas:
 — Sorte deles que o patrão tem duas mãos, assim pode enfiar uma no rabo de cada um!
 Riam insanamente dos coitados... Iuri trabalhava em desespero e em fina inocência, enquanto Valter lambia os beiços ao visar seu cargo, que não era lá tão vantajoso, mas que trazia enorme interesse ao seu coração ambicioso.

 Dona Raimunda. Doce e gorda Dona Raimunda... Chefe de cozinha a mais de 20 anos, naquele mesmo restaurante. Todos os pratos foram elaborados e criados por ela. A velha Raimunda acompanhou de perto a ascensão de Iuri ao cargo de maitre. Era ele na inauguração que lavava pratos... O patrão decidiu dar uma bandeja para o rapaz rodar o salão, e o mesmo se saiu muito bem... Não demorou para se tornar o melhor garçom e logo passar para maitre, ficando responsável por toda a preparação do luxuoso restaurante. Iuri era uma pilha, que o patrão sempre recarregava com broncas e desaforos, fazendo com que o coitado educasse os garçons fanfarrões, que claro, nunca foram muito de obedecer.
 Um dia Dona Raimunda viu Valter de um jeito diferente. A velha também tinha olhos de águia, e enxergou no rapaz um potencial que nunca enxergou em ninguém. E em um deslize de alma, num corte de pele ou em uma ganancia por agonia, decidiu dar corda ao rapaz ambicioso, dizendo ao próprio que o ajudaria a se tornar maitre.


 O tão sonhado cargo... Os lábios de Valter arderam, e no decorrer dos dias sujos, munido de nova e distinta padrinhagem, o desejo de ser promovido passou a ser objetivo.
 E quando percebeu que não conseguiria, que estava muito difícil superar Iuri, uma fina frustração brotou em sua onipotência. Dona Raimunda se sentiu incompetente, tanto que se voltou ao seu vasto quintal, colheu ervas rasteiras e flores selvagens, dosando, drenando, extraindo e misturando... Tudo ao seu gosto, criando algo que ela bem conhecia, pois este conhecimento era herança de sua linhagem.
 O resultado final foi um pequeno frasco que continha um poderoso veneno, de sabor suave, no entanto, de potencia avassaladora.
 Era a cartada final, o lance de sorte. Entregou o frasco a Valter e disse:
 — Se fizer com que ele beba isto, dará o mais importante passo para se tornar o que quer.
 O passo da ponta do abismo ao outro lado. O passo longo que o conduziria até a linha de chegada, derrubando enfim aquele desajeitado dinossauro, denominado Iuri.
 Valter apertou o pequeno frasco na mão e agradeceu a velha gorda. Esta lhe sorriu e lhe desejou boa sorte.
 Boa sorte? Ele não precisava. Tinha o frasco e isto bastava.

 Um ex-presidente palestrante veio jantar no fino restaurante. Era agora ou nunca... O ex-excelentíssimo pediu logo de cara o vinho mais caro, aquela garrafa velha que nunca saia. Os olhos de Iuri brilharam:
 — Feliz do homem que toma um vinho desta magnitude – Disse a Valter, que o preparava no balde de gelo.
 — Talvez sobre um pouquinho pra você – Respondeu o garçom cavando a oportunidade.
 — Pois se sobrar na garrafa, deixa guardado pra mim! Adoraria apreciar uma talagada deste vinho!
 Oportunidade cavada. O defunto estava de pé e o plano estava maquinado. Valter serviu o ex-presidente com distinção e maestria, o patrão o olhou e alimentou ali uma opinião totalmente nova sobre o bajulador. Poderia facilmente se tornar um maitre. Talvez um melhor que o pobre Iuri...
 O ex-presidente se saciou com frutos do mar e salmão grelhado ao molho de mostarda. Infelizmente a garrafa ficou vazia, mas a taça do mesmo estava ainda pela metade. Valter lamentou não ter sobrado vinho na garrafa. Recolheu a mesa e deixou as taças na copa. E quando ia jogar pelo ralo da pia o majestoso vinho da taça, Iuri segurou em seu pulso:
 — Deixe ai que vou beber!
 — Mas ele bebeu nesta taça...
 — E daí? É o ex-presidente da republica! Vou me despedir dele e já volto para beber.
 — Você quem sabe – Respondeu Valter sorrindo, enquanto pensava no frasco em seu bolso esquerdo.
 Iuri virou as costas e Valter olhou para a cozinheira. Ela lhe sorriu, a oportunidade, a maestria, o paço longo tão esperado e porque não dizer, merecido, de certa forma.
 Ele despejou todo o frasco na taça e saiu, torcendo para Iuri não mudar de ideia. O patrão e o maitre conversavam com o importante ex-politico, que elogiava a perfeita atenção do garçom... Seu Antenor disse que realmente Valter era de extrema competência, e que mais dia menos dia teria um bom cargo. Valter ouviu de longe e seu coração iluminou. Sabia que teria sua oportunidade o mais cedo possível.
 O ex-politico virou as costas e Iuri se aproximou da taça suja. Pensou em não beber, o tão terrível medo de Valter, que investiu todo o veneno naquela taça:
 — É de uma ótima safra. Não terás outra oportunidade como esta – Disse o tentando.
 Iuri ainda pensou por segundos, por fim tomou a esperada decisão.
 Um fino gole escorreu por sua garganta... Ele cuspiu na pia e disse com a cara feia:
 — Que nojo! Esta com gosto de peixe!
 Derrubou todos os planos do jovem garçom ralo abaixo... O coração de Valter disparou... A cozinheira lamentou, e Iuri saiu limpando a boca.

 — Um único gole – Lamentou Valter para a velha Raimunda – O que pode acontecer depois dele tomar este único gole?
 Dona Raimunda respirou fundo e respondeu:
 — Pode ser letal ou deixa-lo apenas um tanto indisposto... Talvez uma simples dor de barriga ou o pior... Mas o fato é que não posso mais fazer deste veneno. Me faltam ervas que disfarcem o veneno no organismo. Sem elas, será evidente sua morte como assassinato. Melhor deixar como esta e torcer para que surja o efeito esperado.
 Efeito esperado. Na noite seguinte, Iuri veio trabalhar de olhos fundos. O nariz estava trancado e a voz rouca. O patrão estranhou, pois nunca o homem havia ficado daquele jeito. Valter sorriu, por finalmente causar algum sofrimento aquele ser que ele tanto invejava.
 Os dias corriam, Iuri estava cada vez pior, mas estava lá, firme e disposto, trabalhando incansavelmente em seu cargo cobiçado. O patrão estranhou e comentou:
 — O que diabos é isto, homem? Você nunca sara!
 — Tou tomando trocentos remédios patrão... Até injeção eu já fui tomar... Pode ficar tranquilo que logo eu saro!
 — Essa merda pode ser contagiosa... Vai passar isto pros garçons...
 — Passa não. Fica tranquilo que a cura virá!
 — Acho bom você ir descansar. O Valter pode ficar no comando até você melhorar.
 Os olhos de Valter brilharam. Seu coração disparou forte, quase saindo pela boca.... Iuri o olhou e respondeu ao patrão:
 — Eu aquento. Se eu piorar, fico em casa.
 — Você quem sabe. Pede pro Sérgio varrer a calçada e pro Gustavo e o Cândido dobrarem guardanapos. Uma trupe de teatro do Rio de Janeiro vira jantar aqui hoje. Quero tudo perfeito pra quando eles chegarem.
 Iuri arrancou forças até do cú para continuar de pé! Estava pra lá de doente, mas não queria passar à coroa pro Valter de maneira alguma! Imagina, ele havia ensinado o menino a trabalhar! Lhe apresentou a primeira carta de vinhos... O mesmo se aprimorou muito na sequencia, mas ainda assim era visto pelo maitre como um nobre fracassado, sem saber que o mesmo achava exatamente a mesma coisa dele!
 Fracassado ou não, era fato: Seu cargo estava ameaçado, e ele faria o possível para mantê-lo em suas mãos. Fechou firme os punhos e se disse de dentes serrados:
 — Só sobre meu cadáver, e se o for, levanto e pego o que é meu!
 A gripe piorou... No banheiro dos funcionários Iuri foi penteou os cabelos, quando puxou o pente, viu que junto com o mesmo saiu um tufo de fios. Ele era extremamente vaidoso. Mas ignorou o ocorrido, pois tinha preocupações maiores.
 Foi pra casa ao final. Valter o olhou pelas costas, certo que dia seguinte ele não viria, pois passou a jornada de trabalho tossindo sangue.
 Iuri deitado em sua cama, se disse antes de pegar no sono:
 — Não deixarei aquele moleque idiota tomar meu lugar! Nunca!


 Dia seguinte, acordou com o travesseiro repleto de cabelos caídos... Se olhou em desespero no espelho e percebeu que poucos fios separados um do outro sobreviveram.
 Imediatamente tomou um banho e passou a gilete nos fios persistentes. O corpo doía ainda mais, ele olhou para o telefone e pensou em ligar para o patrão. Entregaria enfim os pontos? Mas é claro que não! Não para aquele jovem imbecil! Aquele moleque atrevido!
 Escovou os dentes e foi trabalhar, finamente decido e careca.
 O patrão debochou do novo visual do figura. Mas seu olhar estava diferente, estava mais severo e mais descompassado. Ignorou os risos do patrão e o olhou como se olha a um idiota, o mesmo percebeu e engoliu as gargalhadas, se concentrando envergonhado nas comandas das mesas.
 Iuri estava mais carrasco, mais observador e mais meticuloso. Era forte o desgraçado! Tão forte que tratou de fazer seu organismo se adaptar a doença... Seu cérebro estava a mil e nada lhe passava despercebido, seu serviço nunca fora tão perfeito, e tirando sua aparência fúnebre, o patrão nada tinha a reclamar.
 Valter estava com medo. Pressentiu que criou um monstro, um ser asqueroso que nada mais tinha a perder, no entanto, estava mantendo sua dignidade, deixando receoso até mesmo o patrão.

 As broncas não mais vinham. Os elogios a Valter também não. Todo o brilho estava focado em Iuri, que competente ao extremo, fazia valer o cargo que tinha.
 Foi então que antes de começar a trabalhar, lavou as mãos. Sentiu a unha de seu indicador se descolar da carne. Ficou impressionado, percebendo que todas as outras estavam na mesma condição, prestes a se descolar.
 Não lamentou... Parou de pensar em toda aquela decadência e decidiu se preocupar com aquilo mais tarde.
 Correu para o salão e trabalhou como um desgraçado! Faltava mão de obra e ele se viu obrigado a atender pedidos, levar pratos e limpar as mesas. Valter estava já sem esperanças, foi quando viu uma da unhas de seu maitre se desprender do dedo e ficar em uma mesa recém desocupada. Iuri o olhou assustado. Percebeu que faltavam outras duas unhas em seus dedos e olhou para a comida do cliente da mesa 04. Viu a grossa unha na ponta do prato. Valter também viu, correu a mesa e arrancou o prato:
 — Me desculpe, meu senhor, mas erramos em seu prato... Faltou certos condimentos. Permita que eu retire e peça para fazer novamente, certo, desta vez.
 O cliente ousou questionar, mas a decisão de Valter em ajudar o pobre homem já estava tomada...
 Iuri achou de bom senso ir para casa, faltando duas horas para acabar o expediente, deixando finalmente a bola para Valter, que mesmo metriando em pouco tempo, mostrou fina competência.
 Em sua casa, Iuri alcançou um alicate e com o coração disparado, arrancou uma por uma das unhas sobreviventes, sem sentir dor alguma:
 — O que falta agora? – Se perguntou – Meus dentes?

 Acordou na manhã seguinte e ao escovar a dentição, percebeu que dois da frente estavam moles. Ao cuspir na pia, viu que os mesmos caíram...
 Valter estava em contentamento extremo! Olhou para o cartão ponto e percebeu que o maitre não estava:
 — Aqui nasce minha gloria – Se disse contente.
 Iuri chegou atrasado e em desespero, para a tristeza eterna de Valter. Estava respirando fundo e com dificuldade, faltando dois dentes na frente... Bateu o cartão ponto e botou a macacada pra trabalhar. Estava com luvas finas, para esconder a ausência das unhas:
 — Você esta tão diferente, Iuri – Disse serio o patrão, que há tempos não recebia do mesmo nem um agrado ou elogio – Esta mais firme, no entanto esta tão acabado!
 Iuri sorriu banguelo:
 — Talvez minha aparência esteja lhe incomodando, Senhor Antenor. Mas quero deixar bem claro que estou em suprema evolução, e nunca mais serei como antes!
 O patrão entendeu, deixou o homem trabalhar.
 Iuri apresentava o cardápio a um casal refinado... Quando foi falar sobre o prato principal da casa, um dos dentes escapou de sua boca, caindo em cima da mesa. Ninguém alem do casal percebeu. Iuri desconcertado, pediu para Cândido continuar com o atendimento, trocando o casal de mesa.
 Correu até o banheiro, encheu a boca de agua e chacoalhou a cabeça. Sentiu os dentes se desgarrarem da gengiva e baterem soltos um no outro dentro de sua boca. Tapou o ralo da pia com papel higiênico e cuspiu.
 Todos seus dentes caíram, batendo na louça, fazendo pequenos tilintares. Olhou para o espelho e se viu totalmente banguelo, sem um único dente na boca:
 — Puta que pariu! Que porra é essa? O que esta me destruindo?
 Saiu dali as pressas, deixando novamente a metria para o garçom.

 — Quero uma dentadura bem bonita – Disse ao seu dentista.
 O profissional estava arrepiado! Há anos cuidava de sua dentição, e da ultima vez seus dentes estavam todos perfeitos... Nunca ouvira dizer de um homem que perderá todos os dentes em um único dia:
 — Ficará pronto daqui a cinco dias:
 — Quero pra amanhã – Respondeu raivoso – Mais tardar pra depois de amanhã! Amanhã é minha folga, e na terça não quero trabalhar desdentado!
 — Farei o possível, senhor Iuri. Prometo.
 — Deus meu – Disse Iuri em lagrimas – Só quero um pouco de dignidade! É pedir demais?
 Abandonou o consultório aos prantos. Em seu carro, olhou para o retrovisor e percebeu sua pele manchada... Sentiu que estava se descascando, e isto foi o que mais o incomodou.
 Passou toda sua folga, se limpando e se polindo... As manchas na pele eram desesperadoras, mas ele era audacioso.

 Na manha seguinte acordou disposto, estava um pouco mais apresentável. Correu ao consultório e pegou sua dentadura. Minutos depois se adaptou a ela, pois sentia que era parte dele.
 Valter estava inconformado... O despigmentado ainda rodava o salão, mesmo causando nojo e repudia nos clientes. Quando o patrão criou coragem para enfrentar Iuri, simplesmente ouviu dele:
 — Não me tome por imbecil, seu tolo arrogante! Quisera eu destruir esta sua boa intenção e me entorpecer em descanso! Mas não posso e não vou, pois este trabalho é a única coisa que me mantem digno! Se ousar me tirar daqui, te levo na justiça e arranco até suas bolas! Há 18 anos sou seu escravo, você me rouba os domingos, os feriados e me põe em horas exaustivas de trabalho! Sou o primeiro a entrar e o ultimo a sair, levei comida de rabo por quase duas décadas, sempre trabalhando na base da pressão e de sua ignorância! Pro inferno velho nojento!
O patrão tremeu de dar pena... Voltou ao caixa e tentou se acalmar do nervosismo que lhe assolava a alma... Os garçons que acompanharam a ousadia de Iuri muito se impressionaram com sua majestosa atitude, enquanto os primeiros clientes começavam a chegar.
 Valter se aproximou de Dona Raimunda. Lá da porta principal, bem longe, recepcionando os clientes, estava Iuri, atento aos movimentos do garçom. Quando viu que Valter se aproximou da velha, Iuri soube que eles tinham aprontado alguma. Fechou os olhos e se esforçou o máximo que pode para ouvir a conversa dos dois:
 — Não sei mas o que faço, Dona Raimunda – Disse Valter desanimado – O desgraçado não quer morrer! Esta caindo aos pedaços e não tomba!
 — Hoje à noite prepararei um novo veneno – respondeu a velha cozinheira – É triste vê-lo definhar desta maneira. Fica tranquilo, vai acabar logo...
 Iuri surpreso enfim entendeu. Devido à força que usou para ouvir a conversa, sua cabeça doía desgraçadamente. O salão já estava lotado quando ele foi ao meio e parou. Começou a tremer descompassadamente, enquanto a dor parecia uma navalha que já se espalhava da cabeça para todo seu corpo. Todos os garçons e clientes virão suas convulsões e se desesperaram. Quando Valter foi ao seu socorro, viu que de sua orelha escorria sangue e pus. Olhou assustado para Iuri e o ouviu dizer, enquanto expelia da boca o sangue grosso junto com as palavras:
 — Maldito... Você e aquela velha imunda são dois malditos!
 Os clientes que já comiam sentiram nojo de tudo aquilo... A pele de Iuri começou a se arreganhar em pequenos filetes e sangrar... Ele então vomitou sangue em cima de Valter, enquanto expelia seus líquidos, fezes e urina em meio ao salão...
 Alguns clientes começaram a vomitar, todos em desespero tentavam sair, enquanto Iuri agonizava desgraçadamente:
 — Chamem uma ambulância – Gritou o patrão– Por Deus! Este homem esta definhando!

 Naquela noite o restaurante fechou mais cedo... Os garçons foram para suas casas inconformados com a má sorte do maitre, que foi conduzido ao hospital. Dona Raimunda arrependida foi para suas plantas, preparar algo que tiraria o sofrimento do pobre homem.
 Valter ficou a sós com seu chefe, enquanto faxineiras tentavam limpar toda a bagunça feita pelos líquidos que saíram do maitre. Valter escutou feliz da vida o que o patrão tinha a lhe dizer:
 — Valter, quero que você assuma a metria até... Até Iuri ficar bem de tudo isto... Você consegue?
 Se conseguia? É claro que conseguiria! Se dedicou no escritório do restaurante a organizar todos os procedimentos para as mudanças que visava.


 Dona Raimunda acabará de terminar seu veneno. Colocou todo o liquido extraído dentro do pequeno frasco e o beijou:
 — Não esta tão fino quanto o outro, mas aquela múmia já esta com o pé na cova mesmo... Não fará muita diferença!
 De repente a velha escutou um barulho entre a mata de seu vasto quintal e a casa. Olhou assustada e sentiu um cheiro de podridão, o mesmo que dominou todo o restaurante. Pensou ser coisa de sua cabeça, mas quando se voltou a sua cozinha, deu de cara com Iuri.
 Iuri sorriu com a face toda costurada. E entre  algodão nos ouvidos e nas narinas, se aproximou da velha e pegou o frasco. Foi até a torneira, colocou pela metade água em um copo e derrubou um pouco do veneno. Estendeu o copo a ela e ordenou:
 — Vamos velha nojenta, beba!
 Dona Raimunda recusou chorando. Iuri se aproximou mais, alisou seu rosto enrugado com a mão cheia de lepra e falou:
 — Não chores, minha velha... A senhora teve uma vida farta, poucos filhos mais muitos netos... Sempre que vou a pé ao trabalho, vejo os pimpolhinhos vindo do colégio... Sabe que às vezes da vontade de dar uma mordida na buchechinha deles? Vamos lá, beba... Vai ser melhor pra nós dois e para os pequenos também...
 Dona Raimunda em lagrimas virou o copo garganta abaixo. Iuri pacientemente, se sentou em uma cadeira e acompanhou as convulsões da velha gorda. Dona Raimunda tremia dos pés a cabeça e suava de dar pena.
 De repente, começou a vomitar descompassadamente... A febre rapidamente invadiu sua carne e seu coração disparou mais do que podia. Ela respirou fundo e virou os olhos, se entregando a morte.
 Iuri se levantou, guardou o pequeno frasco no bolso da camiseta e saiu, cheio de si.

 Valter terminou de madrugada todo seu projeto de direção. Saiu do restaurante feliz da vida, descadeou sua bicicleta e foi para casa, louco para chegar logo e ligar para sua mãe, no interesse de contar a suprema novidade.
 Iuri o aguardava, com o pequeno frasco em mãos. Valter adentrou na casa e logo sentiu o cheiro forte. Tremeu quando viu o maitre em posse de uma taça e do majestoso vinho que tanto cobiçara um dia:
 — De fato é um vinho para excelências – Disse enquanto abria a garrafa – Beberemos a sua promoção, afinal, és o novo maitre da casa, não?
 Iuri se aproximou devagar, pegou a taça e a encheu. Arrancou o veneno do bolso e colocou na taça do rapaz:
 — Morrer não é tão ruim, Valter. Apodrecer em vida que é! Quero lhe fazer uma proposta, posso lhe dizer que é uma proposta irrecusável: Beba deste vinho, saio daqui e fingimos que nada aconteceu... Um curto gole para você passar por tudo que passei, ou um gole longo, para padecer e apodrecer dentro de seu tumulo.
 — E se eu não aceitar beber?
 Iuri sorriu. Bebeu na boca da garrafa e disse:
 — Você não tem competência para metriar. Nem me envenenar direito conseguiu! É justo que você acabe com este sofrimento, com toda esta incompetência bebendo comigo, seguindo triunfante nessa merda toda. Saia de fininho enquanto esta ganhando, meu rapaz!
 Valter caminhou até a gaveta do armário. Arrancou uma pistola, mirou na cabeça de Iuri e perguntou:
 — Beba e acaba logo com esta merda toda! Morra de uma vez cão dos infernos!
 Iuri se levantou, analisou o frasco vazio e disse:
 — Antes de vir pra cá passei na casa de sua mãe. Mas antes disto, passei na casa de Dona Raimunda. Minha aparência e meu odor as incomodaram, assim como incomodou a você. No entanto convenci elas a beberem deste frasco. Sobrou para você, mas vejo que não esta disposto a beber... Valter, eu arranquei o coração da sua mãe... Eu a abri e arranquei o unico coração que te acolhia!
 Valter tremeu. Disparou uma vez contra o peito de Iuri. O maitre deu um grito de agonia e caiu no chão.Valter foi ao seu encontro e o viu com arde riso no chão:
 — Você causou tudo isto! Você desencadeou toda essa desgraça junto com a velha! És o culpado da morte de sua mãe e da maldita Raimunda!
 Valter disparou outras cinco vezes, descarregando a arma contra o corpo de Iuri, que finalmente tombou morto.
 O telefone tocou. Valter tremulo atendeu:
 — Senhor Valter... Encontramos o corpo de sua mãe na cozinha. Eu sinto muito.
 Valter deixou o telefone cair de sua mão. Levou a arma na cabeça e disparou. Estava descarregada. Se aproximou da taça montada por Iuri e analisou o vinho envenenado. Tomou um gole curto da taça e se sentou no sofá. Pensou em tomar tudo. Não o fez.
 De repente, riu desgraçadamente do feito sujo. Ria do cadáver de Iuri e de tudo o que havia acontecido. Se voltou a taça e a derrubou no chão, perdendo a oportunidade de acabar com sua dor.

Uma Semana Depois
 O maitre caminhava firme pelo salão, em posse da bandeja carregada com o bom vinho dentro de um balde. Era Valter, e ele estava careca e pálido.
 Se aproximou com classe na mesa do ex-presidente e o serviu com distinta maestria. O ex-politico que decidiu voltar ao restaurante graças ao bom atendimento, bebeu um gole curto e pediu que Valter completasse a taça. Ele o fez. O ex-presidente o olhou com louvor e indagou:
 — Meus parabéns, rapaz! Você merece o cargo que ocupa!
 Valter sorriu, passou pela parede próxima ao caixa, onde uma foto de Iuri e outra de Dona Raimunda a enfeitavam com a frase: “Sempre faram parte de nós.”
 O ex-presidente tomou uma longa golada do vinho, então sentiu algo invadir sua boca. Cuspiu na palma da mão e viu uma unha inteira! Impressionado, correu a vista para Valter, e testemunhou sua mão sangrar, enquanto o sangue e o pus lhe escorriam pela orelha...

Nenhum comentário:

Postar um comentário