quinta-feira, 18 de abril de 2013

Condenando-se a mim mesmo


                   Quando uma noite eu adormecia, senti um frio me percorrer a alma, um grito infernal me rasgou a paz, dilacerando meu descanso e me condenando aquele pesadelo que tardaria a acabar. E eu me neguei.
                  -Não me atormentais! Somes daqui, criatura infernal! Nada és real, teu tormento descansa junto ao teu corpo, perecendo em teu calabouço. Saia de meus pesadelos... E me deixe em paz!
                    Orei e tentei afastar aquela maldição de minha vida. O tempo se passou e os gritos de discórdia e angustia, eram cada vez mais constantes em minhas noites de insônia. Minha alma caiu em prantos diante de tanta desgraça, por fora tentava ser forte, mas aquela alma inquieta tentava arrancar-me a insanidade. Foi naquela noite que senti meu coração disparar, o cheiro da morte invadiu meu lar, o aroma pútrido pairava no ar. Deitado em minha cama, ouvi passos em minha direção, o pé frio e dilacerado se confrontava com o chão de madeira, e a cada passo da criatura, meu corpo gelava, como se estivesse se preparando para a morte. Mas eu sabia que aquilo não era real, temia por minha saúde mental. Arrependi-me ao notar que minha honra foi banhada pelo sangue de inocentes. Sim; jamais me perdoei, mas minha decisão havia sido decretada. Naquela noite eu a vi, era minha amada, junto a mim há mais de quinze anos, minha esposa, amiga e companheira.
                    Naquele dia a segui. Olhei pela janela e vi minha condenação, arregalei os olhos ao presenciar tal traição. Ela a quem eu amava, me jogou no lixo, traiu minha confiança e me condenou a desgraça. Meu ódio dominou-me por completo. Meus olhos exalavam a pura maldade. Sim eu queria me vingar, de ante mão, planejei tudo. Decidi acabar com a vida do maldito, e logo depois acabaria com ela, decretando assim minha vingança. Ambos morreriam olhando face a face um do outro, morreriam vendo aquela última imagem na cabeça, meu sorriso insano preencheria aquela noite sombria.
                    Na noite seguinte caminhei sorrateiro, a seguia com destreza, cada passo era predestinado, eu estava convicto de meu objetivo. Adentrei na casa do desgraçado antes que ela pudesse chegar. Com um golpe na nuca, o maldito desmaiou. Atei sua boca com um pano, e o amarrei em uma velha cadeira. Em plena sala, deixei seu corpo à espera de sua amante. Acolhi-me no canto da porta, foi quando a ouvi chamar, abri lentamente a porta e era ela, entrou distraída na sala. Um grito ecoou após notar seu amante preso naquela cadeira. Agarrei uma barra de ferro ao lado da porta, e com toda força acertei sua cabeça, a pancada fez com que Luci, desmaiasse. O sangue escorria lentamente de seu crânio enquanto eu observava seu corpo em câmera lenta cair ao chão.
                    Após respirar fundo, senti um vazio enorme. Eu acabara de matar minha esposa a quem eu amava de corpo e alma. Mas sempre a alertei que a mataria se um dia me traísse. Ela não me ouviu. Descobri que se encontrava quase todas as noites com aquele jovem rapaz. Caminhei em sua direção e abracei seu corpo, senti suas batidas pulsarem, então notei que a desgraçada ainda estava viva. No mesmo instante o amante acordou de seu tormento, tonto e sem entender nada, vi uma lágrima percorrer os olhos daquele infeliz. O ódio mais uma vez me dominou. Notei que a mataria por culpa daquele lixo, um jovem rapaz que não respeitava a nada, será que não percebera que ela era casada, sem nada a perder se deitou com minha mulher, ao menos se fosse esperto, saberia que esse pecado teria um preço... A morte. Arregalei os olhos de Luci, esbofeteei seu rosto, tentava acordá-la, queria que ela testemunhasse a morte de seu amante. Talvez notasse que seu erro a condenou junto a ele. Após algumas tentativas ela despertou atordoada, tremula e com pouco sentido, apenas via o sangue descer de sua testa, a puxei pelos cabelos e amarrei junto à outra cadeira, deixei os dois face a face. Caminhei até a cozinha, e de lá empunhei uma linda faca de prata com cabo de marfim, seria aquela lâmina que cortaria o mal pela raiz.
                   O covarde do rapaz chorava presenciando aquela cena. Eu entendo sua angustia, sua amada quase morte, e sua vida nas mãos de um insano, um homem traído e renegado em busca de vingança. Eu não tinha duvidas do que faria, antes de acabar com sua vida, decidi dilacerar a garganta de Luci, assim ele notaria os frutos de sua aventura sexual. E os frutos não eram coloridos, apenas o vermelho do sangue e o preto da escuridão que rondaria suas almas do outro lado da vida. Caminhei em direção a Luci, e com a faca na mão direita, aproximei-a do pescoço de minha amada, com a outra mão, segurei seus cabelos com força, esticando seu pescoço para um melhor corte, o sangue jorraria no rosto de seu amante. E assim o fiz, com extrema força e velocidade, vi a faca rasgar com violência a carne de meu amor, o sangue jorrou em abundancia na face do infeliz. E ele continuava a chorar, tripudiava quase caindo da cadeira, estava pálido, em puro estado de choque, não era para menos, logo depois chegaria sua vez.
                    Após gargalhar em puro estado de loucura, apreciei meu feito, degolar minha esposa foi prazeroso, sentir o sangue quente molhar minhas mãos, a faca ultrapassar a carne de uma mulher infiel, foi alucinante. senti-me como um rei, estava satisfeito por acabar com a vida daquela traidora. Meu amor ainda era presente, mas sou um homem orgulhoso, “ou vive comigo, ou morre por minhas mãos”. Não aceito traições. Encarei a cara pálida do desgraço e sorri maquiavélico, eu precisa acabar logo com aquilo. Com a mesma faca me aproximei e dei minhas últimas palavras ao maldito antes de ir embora.
                   -Você é o único culpado por isso, Desgraçado! - O esbofeteei na cara - Estou exausto, você me tirou a felicidade, me condenou a isto! Eu a amava tanto, e um ser desprezível como você ousou acabar com nossa vida de casados.
                     Aproximei-me enquanto os olhos de minha vítima brilhavam. Por alguns segundos, senti como se ele me pedisse piedade, piedade? Não eu não teria. Empunhei firme aquela faca nas mãos, o golpe foi certeiro, e novamente presenciei o sangue molhar meu corpo. Por fim aquele pesadelo acabara, decidi carregar o corpo do maldito e jogá-lo no pântano. Carregaria o corpo de minha esposa e a deixaria perecer em meu porão. Caminhei até o velho galpão de sua casa, peguei cordas e algumas ferramentas, notei uma velha caixa, coberta com um pano, abri com certa curiosidade, notei algumas fotos e na hora deixei as ferramentas cair em meus pés, não notei a dor, pois aquelas fotos me partiram a alma. Não pude acreditar que era minha esposa, jovem e bela, segurava uma criança nos braços, nos retratos seguintes a vi com ele, a quem eu achava que era seu amante. Eu sabia que Luci, já havia sido casada um dia, mas nunca imaginei que ela escondia um filho. O filho a quem eu tirei a vida com crueldade a poucos minutos, matei minha mulher por ilusão de minha mente... meu Deus como fui tolo! Não aguentei e desabei ao chão, chorei rasgando minha dor com um grito, estava em choque, desesperado, não podia aceitar isto, como eu pude fazer isso com eles, nem mesmo a escutei, agi sem noção, não lhe dei nem a chances para se explicar...
                    Aos prantos bradei a morte de minha esposa, um erro fatal em minha vida, eu era um covarde. Liguei a velha caminhonete que achei na garagem, lá coloquei o corpo do filho de minha mulher. Após alguns minutos cheguei a meu destino, desolado me vi a jogar o corpo daquele jovem. Aparentava ter menos de vinte anos de idade, esperei e vi os crocodilos dilacerarem sua carne.
                    Após me recompor, dirigi de volta a casa onde acabei com a vida de ambos. Carreguei o cadáver de minha mulher, o sangue frio molhava ainda mais minhas vestes, a joguei na cabine e logo depois passei horas limpado aquela sala, queimei tapete e cadeira, não deixei nenhum vestígio no local do crime. Perdido por meus atos dirigi com o cadáver de minha esposa até nossa casa, estacionei a caminhonete e amarei uma corda junto ao seu corpo, arrastei com dificuldades até o porão, voltei à caminhonete e peguei pá e picareta. Guardei as ferramentas em minha casa, e logo depois lavei o automóvel, dirigi de volta a casa de onde ocorrera aquela chacina, não consegui entender o porque dela esconder esse segredo, eu aceitaria essa ideia, pena que não foi assim, terminei por cometer o pior ato de minha vida. Deixei a caminhonete no mesmo lugar que encontrei. O caminho de volta parecia uma eternidade, a pé me vi a recordar de cada cena que acontecera nesse dia, estava eu condenado, pensei em me matar logo depois de enterrar no porão o corpo de minha amada. Em fim cheguei em casa, passei a noite em claro cavando aquela cova, o último punhado de terra saiu do chão de meu porão, e com tristeza, mais uma vez bradei alto a morte de minha esposa.
                   -Me perdoe amor! Eu não sabia, por favor... - Clamava por piedade, mas não receberia o perdão, afinal ela estava morta!
                    Eu estava destruído, jamais em sã consciência, imaginaria que um dia acabaria com a vida de alguém, ainda mais com a vida de inocentes. Após jogar o corpo naquela terra úmida e empesteada de vermes, tapei o buraco e fui me deitar após um banho.
                    Todas as noites a alma atormentada de minha mulher me tirava o sono, eu apenas ouvia o tormento de sua voz, seus gritos e gemidos de angustia. Ela queria sua vingança, e cada noite suas visitas eram cada vez mais constantes. Eu nunca mais havia pregado os olhos, estava magro e abatido. Mas naquela noite eu a vi em meu quarto. Senti a porta do porão se destroçar, inerte eu apenas esperei por sua presença. Foi quando a vi diante de minha face, o corpo totalmente retalhado por ratos e vermes, a corda ainda estava presa ao cadáver, e mais uma vez me condenei por meu erro sem perdão. Levantei-me tremulo da cama, e permanecia imóvel, ela então caminhou em minha direção, minha cara pálida e meu coração saltitante, mostravam meu medo. Eu então me vi a mercê da morte, estava a apenas alguns centímetros da enorme janela de vidro. Ela bradou em ira, e com suas mãos firmes e pútridas, arremessou meu corpo da janela. Cai de cabeça nas pedras que decoravam o jardim. Após meses em coma, me vejo hoje aqui, preso na cama, não posso mexer uma parte se quer de meu corpo, apenas meus olhos podem ver, meus ouvidos ainda podem ouvir, mas falar... Jamais. Perdi esse dom... Eu a vejo me atormentando todas as noites, ela está ali, no canto da cama, aguardando ansiosa por minha morte...

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