sábado, 27 de abril de 2013

Vem que a gente te espera, a vida é tão bela, o amor se revela, e ainda sim, muitos não podem ver

“Tudo o que é bom dura tempo o bastante para que se torne inesquecível.
Chorão
 MUSICA DE FUNDO NO SITE DO ESCRITOR
 
A vida é engraçada, muitas pessoas acreditam que ela não passa, principalmente o jovem. Acham que vivemos para sempre, falam em emprego, carreira e posses; para elas o tempo não passa...
Uma quantidade seleta de pessoas sente o tempo passar e tem um amor maior à vida, um apego a momentos bons. Para esse seleto grupo de pessoas as disputas do dia a dia, o reconhecimento e os prazeres do poder e do dinheiro, não interessam tanto como a forma que essas pessoas vivem suas vidas.
Paulo Gomes é uma dessas pessoas. Ele nasceu na Bahia, Caravelas, mas não esquentou nenhuma cadeira lá, veio para Vitória tentar emprego, junto com a família pobre, formada de pai, mãe e irmão menor.
A família tinha uma loja de móveis usados em Vila Velha, foi o que conseguiram depois de vender a pequena casa de herança em Caravelas. Ele cuidava da loja enquanto o pai e o irmão saiam para comprar os móveis velhos e surrados, cheios de mofo, que traziam parte da história ruim das casas que deixavam. Paulo podia sentir isso, a velha crestadeira, a cadeira de mesa que ninguém quer, cochão que em muitas noites dormiram amantes que não se amavam mais. Paulo odiava aquilo, não se importava em ser o segundo filho,*** o filho não amado, mas ficar no meio daquelas coisas era assustador!
Tinha tempo para ler. Todos perguntavam:
- O que esse menino vive lendo?
Havia imobilidade e a solidão. Uma solidão familiar que só uma criança pode perceber: não ia ao parque, ao cinema, nem mesmo à praia; todas as diversões eram de adulto, quando tinha. Ele se isolou no mundo dos livros e da música.
Tinha um dom que a família não reconhecia. Alguém sempre dizia:
- Já ‘tá esse menino cantando novamente!
Ele cantava, cantava muito, sua voz foi considerada pelos colegas parecida com a do Tim Maia. Nomes e comparações, porém, trabalham no cérebro negativamente: para Paulo a comparação com Tim Maia levou-o a ser um obeso em uma família de magros, acabou engordando, ficou simpático e famoso na cidade.
O pai continuava trabalhando com o irmão na loja, mas na vida moderna ninguém vende nem compra móveis usados. Seu comércio foi deteriorando como um tomate ao sol e... Murchou.
Depois, com a insistência dele, todo o patrimônio foi levado, até que veio a pobreza, perdeu tudo, ficou quase na miséria e aos quarenta e cinco anos trabalhava como faxineiro de uma loja autopeças junto com o filho mais novo.
Quando o pai estava com cinquenta anos, caiu da escada e quebrou a quinta vértebra lombar; se Paulo fosse perverso, diria que o pai se atirou de lá de propósito. Ele ficou com o andar carregado, mas conseguiu andar. Aposentou-se por invalidez, estava a salvo do vexame da faxina na loja de autopeças do amigo.
O filho mais novo, Denis, acostumado com a proteção do pai não cresceu. Diz um ditado que filho que é protegido vira bandido! Denis foi pego assaltando uma loja, a policia o prendeu e, na cadeia, por sua arrogância, espancaram-no até à morte.  
Paulo o deixou lá, nessa época ganhava dinheiro cantando, não quis ajudar o irmão, disse:
- Deixa lá para se arrepender.
Quem se arrependeu foi Paulo! Ele até ficou triste quando o irmão morreu! A morte de Denis foi um desgosto para o pai.
Paulo continuava cantando, sua música foi apreciada dentro e fora do Brasil. Visitava o pai e a mãe, mas criou um ressentimento, afinal sempre achou o seu pai um fracassado, cheio de auto-piedade, que era um coitadinho, vivia rezando. “Pai fracassado tem que sofrer mesmo”, pensava Paulo – fracassou comigo e com minha mãe".
Apesar do dinheiro gordo que ganhava com a música, não ajudava os pais, nunca ajudou.
Usava droga e tinha uma personalidade maluca, ora ficava chorando pelos cantos, pensando em todos os problemas que arrumava para os outros, pensava na condição do pai e da mãe.
Como não ajudava os pais, hora se achava o máximo, um cara perfeito que tinha uma voz maravilhosa! Tinha uma família bonita, era casado com Fabíola e tinha dois filhos, Leo e Renata; dava o que era bom para os filhos igualmente, sem tirar de um e dar para o outro.
Quando o pai caiu de cama e sua mãe se virava para cuidar dele, sem assistência médica, sem plano de saúde, Paulo ia lá só para ver o sofrimento do velho... Sentava num banquinho e via o velho deitado, com fralda, sem dentadura, esmorecia, derretia como um pedaço de fruta podre. Ele não ria, levava um frango assado e nunca ficava para comer, ia comer camarão. Que se dane o velho, que se encha de frango assado comprado na calçada!
A vida é muito maluca, quando se tem tudo, não falta nada, o que lhe faltou na infância continuava faltando, tinha que beber para esquecer e nem sabia o que. Paulo ficava dentro do banheiro fumando e depois caia na droga, até entrar no palco. Cantava, embelezava a vida dos outros, mas a sua vida mesmo estava um desgraça, tinha vontade de voltar lá e falar com o pai, dizer que não deveria ter esquecido que ele existia na infância, que deveria gostar da música pelo menos; ele queria que o pai fosse o avô de seus filhos e ao mesmo tempo queria o velho longe das crianças! Uma contradição que piorava quando usava drogas.
- Fabíola que mala é essa?  - disse Paulo olhando as malas da mulher.
- Vou embora! - disse olhando-o diretamente nos olhos. Falou que ia largar a droga, não largou, quatro internações, nove ou dez acompanhadas de vinte mil mentiras!
Ela estava com os olhos cheios de água:
– Você é um bom marido, não me trai, é um bom pai, famoso, rico, tem tudo e coloca tudo a perder com as drogas!
- Porra, você está fazendo um drama, o que eu faço é só pra calibrar, nem sou viciado nem nada, isso não é moralismo? - disse segurando o braço de Fabíola. – Você não conta, mas que sei que já usou.
Fabíola olhou para ele com raiva, ele conhecia aquele olhar, conhecia a mulher, só queria ser feliz, que ela o deixasse ser do jeito dele, nem ficava tão chapado assim, ele precisava em alguns momentos Quem não usa drogas?
Fabíola tirou a mão dele do braço.
- Escuta – disse ela pegando as malas – Já usei, já fiquei doida, mas saí dessa, por amor aos filhos e, de alguma forma, amor a você também. Querido, a autodestruição tem limite! Olhe, algum dia vou encontrar você caído em um quarto, morto de tanto usar drogas, não quero viver sob essa sombra, prefiro cair de uma vez, para ter tempo para me levantar.
-Cair por quê?
Ela chorou.
-Por que eu te amo, porque vejo o que faz com o seu pai, porque vejo que não é feliz, porque você faz o que o seu ego gigante manda, porque você está nesse caminho sem volta para as drogas! Por tudo isso.
Disse e saiu com lagrimas nos olhos.
Paulo não acreditava porque o mundo estava contra ele, porque as pessoas não entendiam as necessidades dele, só tem uma regra moral, ninguém entende a dificuldade de viver, é monstruoso estar vivo, depender de pessoas e locais, amar coisas e hábitos e assim mesmo saber que vamos morrer. Ninguém entende o quanto ele tem medo do destino do pai, como sofre em ver-se no lugar do pai, deitado na cama tendo a sua bunda limpa por uma velha de sessenta anos que, por acaso, foi o amor de sua vida e com quem você andou de mão dada! Ninguém entende um sofrimento que não seja a privação do dinheiro, privação do afeto verdadeiro, da amizade verdadeira, do amor verdadeiro e da infância verdadeira!
Muitas vezes quis ser pobre novamente. Agora, tinha tudo e não faltava nada: um sofá, uma TV, os livros, o aparelho de som, a casa no bairro nobre tudo ficava sem sentido... Ligou o aparelho de som e começou a cantar, foi até ao sofá e deitou, pegou o papelote e fez um preparado. Hoje queria sentir novamente aquela liberdade de vida, do corpo, não queria sentir aquela dor do abandono, o lugar de ninguém.
Carlos, o baterista de sua banda, que pela magreza e por ser um ser gosmento, tinha o apelido de – Lombriga - com muitas espinhas na cara, cabelo grande fora de moda, agia assim: quando alguma coisa não tinha mais chance de piorar, Carlos aparecia para pior um pouco mais.
-Tua mulher te deixou? - perguntou Carlos.
-O que você quer, Lombriga, sai que hoje quero dar os tiros sozinho. – disse Paulo fechando a porta. Foi quando Carlos mostrou o saquinho com comprimidos.
-Aqui ó, se eu for, isso vai junto – disse de forma maliciosa.
-O que tem ai?
-Vai me deixar ficar? Posso te ajudar, fiz dois períodos de psicologia.
Pessoas sozinhas são insistentes por companhia, Carlos era assim.
Sentados, Paulo tomou um dos comprimidos e falou:
-Meu pai está mal.
Disse sem se preocupar com a resposta de Carlos:
 – Acho que ele já pagou pelos erros. Seu pai, Carlos, como é?
-Legal pra caralho! - disse enquanto enrolava o baseado.
-Então porque você ficou essa merda?
-Sou merda não. - disse Lombriga invocado – Sei lá, sorte, acaso, muitas coisas de graça, sei é que o meu velho era sensacional.
-Essa coisa toda não é culpa do pai – disse Paulo – olha para você, não estudou, se droga, faz um monte de cagada e tem um pai bom, tá de sacanagem, ‘né? Pelo meu, a culpa todinha das merdas que faço são do meu pai.
Lombriga já estava tonto.
-Teu pai gostava mais de você, cara, sempre vi isso, achava você forte – disse Lombriga quase caindo – Você é que invocava com coisas da infância! Lombriga entregou o cigarro a Paulo e disse:
-Volta para tua mulher, larga a droga, cigarro e essa porra toda, não fica querendo ser o seu pai ou evitando ele, larga disso, eu não tenho nada, nem aparência, nem a tua voz, nem pais para reclamar, faço o que faço porque sou um bosta, sei é que faço o que me dá na telha, ou sou um bosta social e um cara legal para mim mesmo, agora você não, você tem mulher e filhos.
-E dai?– disse Paulo.
-E daí que não pode jogar tudo fora – disse Lombriga, mas não estava tão certo assim.
-Talvez você esteja certo, o problema é como vou fazer isso e ser feliz à minha maneira – disse Paulo.
Naquela hora, porém, todas as incertezas caíam na sua cabeça, todos os problemas, todas as contingências caiam na cabeça dele, todos saiam de perto, todos só sabiam falar o que ele deveria fazer, como se fosse fácil! Tudo caía, tudo, agora ele procurava alguém para ajudá-lo, só tinha o Lombriga! Até tinha mandado bem, mas todas as pessoas que diziam amar Paulo tinham desaparecido, então só restava fugir.
Ele sabia que era um covarde, mas os outros também sabiam disso.

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