domingo, 2 de junho de 2013

o perfume

Eu passava horas assistindo pelo buraco da fechadura a mamãe e seu complexo ritual pós-banho: os cremes infinitos, os frascos coloridos e alongados, os malditos sprays de perfume. Ela era muito dedicada a isso: mulher vaidosa, não economizava nos batons e brilhos, os cabelos sedosos e castanhos que nunca mais encontrei em nenhuma outra, o corpo bonito que me deixava de pau duro sem que nem mesmo eu me desse conta do por que. Era um desperdício aquilo tudo, eu soube mais tarde, porque mamãe não se arrumava daquela maneira para papai, era sempre para outros homens, nunca ele, que era flácido e ausente o tempo inteiro, uma lesma que passava o pouco tempo em casa sentado diante da TV como se a vida se resumisse àquilo, um idiota cuja única virtude era o não estar de corpo presente.
Aí a origem da repulsa: os perfumes representavam o amor que minha mãe me negava. Também não era para mim que ela se perfumava, era para os outros, para os infinitos homens que ela mantinha em fila como cães obedientes e ofegantes, homens que invadiam minha casa a qualquer hora mesmo com a presença de papai, que apenas levantava os olhos bovinos e não falava nada, um corno molenga que fazia da poltrona o seu castelo.
Eu cresci, portanto, odiando perfumes e mamãe, moleza e papai. Se eu pudesse — e muitas vezes avaliei essa possibilidade — eliminaria da face da terra tudo isso pela ordem: perfumes mamãe moleza e papai. Mas não, a prudência me servia de âncora, um molenga também eu, puta merda!
Frustração. Eu me sentia amarrado, incapaz de estabelecer contato com o mundo e seus milhares de perfumes: as ruas eram um suplício, o mais leve sinal de uma mísera colônia me nauseava, a imagem da minha mãe, vaca perfumada; o meu pai, boi acomodado ruminando vaziez.
Por isso, já na idade de namorar, eu fugia das mulheres, e elas tinham razão quando me chamavam de frouxo: era o exemplo que eu tinha do meu pai, e não me aproximava não porque não as desejasse, mas o perfume delas sempre chegava na frente, um soco na cara, que eu recebia resignado feito uma criança indefesa. Bunda mole, a voz em meu interior, bunda mole do caralho!

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