quinta-feira, 20 de junho de 2013

Reencarnação no seu cadáver


Rafael agarrou o cadáver de seu velho avô e o arrastou até o jardim no fundo de sua casa. O rapaz chorava agoniado mediante a perda de seu maior amigo. Seu João teve um enfarte fulminante à menos de 40 minutos atrás. E seu neto desolado logo cavou a cova e preparou o local para o enterro. Não queria enterrá-lo em um cemitério qualquer, pois mesmo depois de morto, queria o avô por perto. 
 Maldita seja a morte! Tão traiçoeira e cruel  Bradou o rapaz em ira e choro  Logo o meu querido avô! Somente você eu posso chamar de meu verdadeiro pai...
 
Quando criança, Rafael perdeu os pais em um terrível acidente de carro. Deste então seu João criou o neto com carinho e amor. Estranhamente eles não tinha mais nenhum parente. Talvez seja pelo fato da família pertencer há uma geração de bruxos. E assim como seu avô, Rafael também era um. Com seus vinte e seis anos, há seis dominava a arte da magia negra.
 
Após sepultar o avô no quintal, o rapaz cobriu com folhas secas seu segredo. 
 
No dia seguinte caminhava pela calçada, notou um velho astuto lhe encarar a face. Enéas mudou-se a pouco para o bairro. Era carrancudo e encrenqueiro, tinha seus 80 anos, 20 a mais que o falecido avô de Rafael. O velho franziu as sobrancelhas e gritou nervoso.
 Saia de minha calçada, rapaz imundo.
Rafael parou e observou a audácia do velho encrenqueiro, levantou a mão e lhe mostrou o dedo do meio.
 Vá se danar velho filho da puta! - Virou as costas e continuou seu caminhar rumo ao trabalho. 
 
O velho indignado se calou mediante a resposta hostil do rapaz.
 
A noite chegou e o administrador de sistemas caminhava novamente pela calçada do carrancudo Enéas.
 
Este observou novamente Rafael passar e teve uma ideia nefasta. Passou as mãos em seu bigode curto e apreciou seu plano sujo:
 Este me servirá de morada  Caminhou de um canto para outro, ainda olhando o jovem passar pela calçada  O dominarei e possuirei seu corpo, assim terei meus anos de vida prolongados.
 
O velho bruxo gargalhou eufórico com seu plano bem elaborado. Sim, ele realmente queria possuir o corpo do rapaz. O prenderia e iniciaria um ritual macabro para trocar de morada com Rafael, logo depois o mataria e viveria com a carapaça jovem de apenas 26 anos.
 
Seu Enéas praticava bruxaria há mais de 70 anos, aos 10 anos de idade foi ensinado por seu pai e assim continuou. Praticou várias crueldades e matou centenas de inocentes que passaram por seu caminho. Certamente sua alma estava condenada ao inferno. E ele sabia de seu destino abominável. Temia o inferno mais que tudo na vida, pois sabia que depois de morto, vagaria e sofreria as atrocidades daquele mar de sofrimento. Para fugir de seu destino teve essa ideia maligna, e logo à colocaria em prática.
 
O rapaz adormecia. Enéas sorrateiramente arrombou a porta e logo caminhou pela escada curta até o quarto de Rafael. Com o pano molhado de clorofórmio, o enfiou com violência contra o rosto do jovem desprotegido. Este se debateu, mas nada adiantou e logo desmaiou.
 
Minutos depois acordou atordoado, preso por uma corda com amarras frouxas. O rapaz arregalou os olhos ao notar aquele cheiro de enxofre, inúmeras velas pretas rodeavam a sala, no centro ervas e um livro negro.
 
O nefasto ancião então apareceu vindo da cozinha e se vangloriou:
 Arrancarei tua alma, e teu corpo será meu garoto  caminhou em passos curtos em direção ao rapaz preso, e em suas mãos segurava uma faca com uma caveira entalhada no cabo  Assim viverei por mais anos, muitos mais...  Gargalhou  Mas chega de papo e vamos para o que interessa.
 
O mesmo não imaginava que Rafael também praticava bruxaria. O jovem aflito confrontava suas mãos uma contra a outra, e logo as amarras se soltaram.
 
O feiticeiro em posse do livro começou o ritual; Falava no idioma dos mortos, por um momento ficou de costas para Rafael. Aquela foi sua chance. O rapaz ágil se livrou das cordas e agarrou o velho pelo pescoço. Enéas tentava se livrar das mãos fortes do garoto, mas sem forças perdeu o ar e logo desmaiou.
 
Minutos depois despertou dolorido. Estava completamente amarrado, passou de caçador à caça em menos de uma hora. Aflito ouviu então um som de arrastar. Rafael então se revelou: Em suas mãos carregava o cadáver em decomposição de seu avô. O jogou no chão e encarou a face amedrontada de sua vítima:
 Vamos ver o que acha da minha ideia agora, velho tolo.
 
O mesmo sorriu maquiavélico e iniciou com seu plano. Empunhou a faca na mão direita e o livro na mão esquerda. Começou então o ritual macabro. Profanou palavras ao vento, e logo um gélido frio tomou conta do ambiente, uma neblina escureceu a casa, e almas desgraçadas bradavam rodeando o local. 
 
O velho estagnado tremeu de medo. Viu seu plano sujo cair em desgraça.
 
Rafael terminou o ritual e presenciou o cadáver de seu avô começar a tripudiar no chão de madeira. Uma nevoa negra saiu do corpo pútrido, no mesmo instante que a alma de Enéas o deixava. O velho em último ato gritou desvairado, não acreditando na cena. As almas trocaram de lugar, Enéas possuiu o cadáver sujo, enquanto a alma de seu João adentrava no corpo novo.
 
Com um suspiro Enéas respirou o ar dos vivos. Agora em posse de um corpo deformado e em fase de decomposição, repleto de vermes e terra preta. Mas respirou por apenas alguns segundos; Só teve tempo de arregalar os olhos antes de levar uma facada brutal no peito. Rafael limpou o sangue na camisa e caminhou para desamarrar seu avô, agora em domínio do corpo velho de 80 anos. Não viveria muito, mas para Rafael já bastava ter o avô novamente em sua vida. O ritual apenas funcionava uma vez... Juntos neto e avô arrastaram o defunto até o quintal e o enterraram no jardim. Seu João sorriu para o neto, alegre e extasiado por
reencarnar no cadáver do vizinho.

 
 
FIM

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