Notas do autor:
{1} Tudo que estiver [entre chaves] deve ser considerado como '[itálico]'.
{2} A narrativa muda durante o conto: tenho consciência disso, e é proposital.
0
(A flor, a boneca e a menina)
Quando completou dez anos de idade, a menina ganhou de seus pais uma
grande casa de boneca. Grande, espaçosa, colorida. Ela lamentou, no ano
anterior, por fazer aniversário na véspera de natal, o que fazia com que
ela ganhasse apenas um presente pras duas datas - e não um de
aniversário e um de natal, como a maioria das crianças-. Esse ano, a
pequena menina de cabelos louros não lamentou: ela não somente ganhou
uma linda boneca(O que naquela época era raro), mas também um casa para a
bonecas(o que era mais raro ainda).
Uma grande casa de bonecas!,
pensou a menina, agitada, enquanto voltavam para casa. Faltavam apenas
três dias para o natal, e os presentes vieram adiantados.
Ao
passarem pelo centro da cidade, pararam num restaurante. Era simples,
modesto, barato e bom. Comeram strogonoff, junto de arroz e saladas como
acompanhamento. Todos tomaram suco de laranja. As mesas, cobertas com
toalhas de mesa de cor branca, eram simples, e todas tinham vasos com
flores brancas dentro: seis ou sete em cada vaso(embora na mesa da
menina, fossem quatro delas). As flores eram lindas, e a menina
adorou-as. Ela perguntou a mãe se poderia levar uma para casa.
Compreensivo, o pai pediu ao dono do restaurante -um senhor já com
cabelo branco- uma das flores, apontando a filha enquanto explicava a
situação. O senhor, encantando com a pureza do pedido, gentilmente
deu-lhe as flores e seus mais sinceros parabéns.
Ela agradeceu,
cheirando a flor e contemplando-a, riu. Um riso doce, sincero. Naquele
momento, ela era a criança mais feliz do mundo.
A família então
pagou a conta, agradeceu novamente, voltou ao carro, e partiram no rumo
de casa. A mãe havia perguntado a filha o que ela faria com a flor, e
foi bem perto de casa que uma ideia - genial - passou pela cabeça de
lindo e colorido cabelo louro, escorrido, liso.
- Vou deixar a
flor com a Dani! - disse ela(na verdade, exclamou), colocando a flor no
bolso de Dani, a boneca. - Ela vai adorar!
Os pais adoraram.
Mais tarde naquele dia, quando o sol já tinha se posto, os três já
haviam terminado de montar a casa de Dani, a boneca. A menina brincou
até a hora de dormir, e então se despediu da nova amiga, deixando-a em
sua cama(a de miniatura) e indo para sua cama(a real). A flor branca
ficou na escrivaninha, dentro de uma jarra transparente cheia d'água.
[O nome da flor é lírio], pensou ela antes de se cobrir. Sua mãe havia lhe contado. [Lírio, que nome lindo!].
Pouco depois, a menina dormiu.
A boneca, não. A boneca ficou acordada, e acompanhou a menina durante seus sonhos.
Quando a menina acordou no outro dia, a boneca estava ao seu lado.
[Mamãe deve ter colocado ao meu lado quando acordou], concluiu e se
levantou: o café da manha estava pronto.
A mãe, porém, não tinha
sequer encostado na boneca. Pouco antes de fazer o café, a mãe tinha
entrando no quarto e visto a boneca ao lado da filha.
[Ela deve ter dormido com a boneca], concluiu a mamãe, e foi para a cozinha.
1
Estou sentado e sozinho, no frio da noite. Uma noite de outono,
esplêndida, formosa. O céu, já escuro e sem estrelas, é como um longo
tapete que paira sobre o mundo. Na s casas, nas ruas, nas cidades, tudo.
O céu engloba tudo. Contemplo a calmaria imensa acima, com um sorriso
na face. Estou sentado no quintal de casa, onde há um pequeno jardim,
simples, mas magnífico, a seu jeito. Balanço na cadeira de balanço, que
pertenceu a minha bisavó: uma cadeira grande e branca, confortável.
Dentro de casa todos dormem, devem estar sonhando, embalados por
lembranças e desejos, por medos e antigos fantasmas. O que me deixa
acordado, aliás, é um fantasma. Não consigo dormir, não consigo por mais
que eu tente, meu fantasma continua a me atormentar. Não quero voltar
pra casa, pode estar ali. Mas aqui fora, no frio dessa noite, estou
livre. Sem fantasmas, só com o frio e ausência de luz.
2
Finalmente consegui dormir, e sonho enquanto meu corpo está na cadeira
de balanço -agora sem balançar-. Viajo, afinal, por terras já
conhecidas. Meu fantasma, infelizmente, me persegue. Nunca parou de me
perseguir, nunca me deu uma folga sequer. Trajando um jeans surrado e um
Allstar de cor preta, uma camiseta de uma banda de heavy metal cujo
nome é King Diamond e com os cabelos despenteados -exatamente como
alguém que acabou de acordar- me persegue, com uma foice na mão e uma
camisa de força na outra.
A camisa de força é pra mim. Não sou louco, não sou.
E, é claro, esses eram dois de seus medos. A morte e a loucura, porque
não? Mas entregar-se a um era livrar-se do outro. Salvação e maldição em
uma espada de dois gumes. Cruel. Corro com toda força e velocidade que
consigo, por uma estrada deserta, onde os únicos sons ali são os dos
passos e minha respiração. A figura, pálida e incrivelmente magricela,
não respira. Corro, corro, corro... Vejo, a alguns metros a frente, uma
linha de trem. Ouço, como uma sirene que alerta um incêndio, um apito de
trem, que é soado pelo maquinista.
O trem aparece a frente,
cortando a estrada. Sinto que o que de fato está sendo cortado é meu
pulso. Fim da linha? Continuo correndo, a figura incansável atrás de
mim. Agora ela trás consigo um estilete, onde estava a foice.
3
Ouço alguém chamando meu nome, uma voz feminina. Um sussurro, um grito,
um sussurro, um grito. Mistura-se na estrada, com o apito do trem. Ora
apito, ora voz. Oscilando, como as pulsações irregulares que tomam conta
de mim. Falta ar, sinto-me ofegante e suado. O homem pálido ri, ora,
ele não precisa respirar. Está mais próximo, mais próximo, mais
próximo... O trem ainda está passando, e não vejo alternativa senão
tentar entrar no trem em movimento. Preparo o pulo... sei que sofrerei o
impacto ao encostar no trem, por isso terei que me segurar firme.
Espero um lugar mais acessível para realizar a manobra, o homem pálido
realmente perto agora, rindo como o vento frio que corta a noite e faz
que as árvores balancem.
Pulo.
Sinto minha mão ser puxada, e
ouço um barulho. [Track.] A dor toma conta de meu pulso esquerdo, o
direito felizmente está bom, e estou me segurando a grade do trem...
Como se fosse subir numa bicicleta, subo na grade e fico ali por um
tempo. Mesmo com a dor no pulso, o alívio de poder respirar parado me
inunda, assim como a água faz à alguém que passou horas sem sequer uma
gota do precioso líquido.
4
Abro a janela da pequena plataforma externa onde estou, entro cuidadosamente, e a fecho após estar dentro do trem.
[Se o trem era uma faca que corta meu pulso, agora sou a faca? Sou suicida?]
Estou num banheiro, mas não sinto vontade alguma de usa-lo. Mas lavo o
rosto, a água fria funciona como uma dose de cafeína, e me sinto mais
ligado e acordado. Olho no espelho, e vejo meus olhos... negros como
breu. Mas meus olhos são azuis! Que merda é essa? Fecho os olhos, como
quem nega um fato inegável, e os abro novamente. Vejo olhos azuis, os
meus olhos.
Confuso, tento entender o que aconteceu. Estou ficando
louco? Não pode ser... tudo estava perfeitamente normal, mas o olhos
realmente não eram meus. Eram negros, como a morte. Olho no espelho
novamente, para confirmar que meus olhos ainda estão lá. Estão. Abro
então a porta do banheiro, entro no corredor central do trem. Luzes
pagadas, claro, mas certa luminosidade vem de fora. Relâmpagos, talvez. O
único som presente agora vem do movimento das rodas no trilho. Contínuo
e cortante. Na minha frente está uma porta, e é evidente que há uma
placa ali, mas falho em identificar o que está escrito. Viro a direita,
outra porta. A esquerda estão localizadas algumas cadeiras, divididas em
duas fileiras de 26 lugares cada. Na primeira fileira, cujo as janelas
mostram o lugar de onde vim -embora a estrada agora já esteja pra trás-,
está o maior urso de pelúcia que já vi. Um sorriso orna-lhe o rosto
peludo. Um pelo bem claro, quase branco... E olhos totalmente negros.
Ouço o apito do trem e corro pra porta mais próxima, seguro a maçaneta e
a empurro, mas a porta se abre ao puxar. Puxo a maçaneta, que sai na
minha mão.
5
Sobra a porta que está a minha esquerda.
Essa, felizmente, abre. Infelizmente, é outra cabine cheia de assentos. O
ursinho não está mais ali, respiro aliviado... Olho pra trás, para me
certificar de que o urso está parado onde deveria estar. Vejo, espantado
e soltando um grito de horror, apenas a linha do trem atrás. Como se o
vagão anterior tivesse sido cortado fora, e o trem agora parece muito
devagar, um lobo albino vem correndo atrás do trem. O que mais espanta
não é isso, porém, mas sim o lugar onde o trem está. É uma floresta,
evidentemente, e está nevando. Pinheiros cobertos de neve.
E o lobo correndo.
O tempo parece desacelerar, e sinto o frio se fortalecendo, a ponto de
me deixar tremendo e arrepiado. Ouço o maldito apito novamente, e em
resposta o uivo do lobo. Viro de volta pra cabine, e ela ainda está lá.
Olho pro chão, um peludo tapete vermelho, e as poltronas nessa cabine
estão mais afastadas uma da outra. Primeira classe.
Coloco-me a
andar em frente, em direção a próxima cabine. Corro por minha vida, e
como que num passe de mágica, percebo que estou indo na direção da
cabine do maquinista. A medida que me aproximo da porta, ela parece se
esquivar para longe, se distanciando. Não importa o quanto rápido eu
corra, a porta foge, e foge novamente, e mais uma vez. As luzes começam
piscar, ora apagadas ora não. E o uivo do lobo novamente toma conta do
que outrora era o silêncio... O frio passa de súbito, e então olho pra
trás. A porta está lá novamente, e a curiosidade que possuo fez com que
eu voltasse para olha-la: meu erro. Ouço a risada demoníaca novamente,
vinda de trás, e o som de uma serra elétrica sendo acionada. O sujeito
pálido, de cabelos e olhos negros, anda lentamente até mim, rindo. Abro a
porta, e vejo uma sala de cirurgia.
[Puta merda.]
Não tenho escolha senão entrar na sala.
6
Ao adentrar a sala de cirurgia meu primeiro extinto é olhar para trás, e
como se esperasse isso, vejo somente a outra parte da sala de cirurgia.
Nada de trem, nada de serra elétrica. Ainda bem. As luzes estão
apagadas, mas o lugar [parece] calmo e pacífico. Não vejo nenhuma porta
na sala, apenas um amplo conjunto de poltronas alguns metros acima, como
se a sala fosse o palco de um grande show. De repente, o medo de que eu
faça parte desse show bate em mim: nesse instante eu apenas desconfiava
do que se faria certeza em poucos segundos. Ando pela sala, que
aparentemente é muito bem equipada:
Desfibriladores, agulhas,
aparelhos respiratórios e monitores, e o que parece ser um carrinho-mesa
com alguns apetrechos médicos acima. Bisturis, tesouras, luvas,
máscaras... De súbito lembro da figura pálida com camiseta de metal me
perseguindo, e pego um dos bisturis -o menor- na mão. Agora, como sair
daquela porcaria de sala? Como que em resposta, um dos monitores liga, e
começa a emitir um barulho agudo. Aquele tipo de barulho que é padrão
em cenas onde um paciente está com o número de batimentos cardíacos
abaixo do normal.
[Pip. Pip. Pip. Pip. Pip]...
Estimulado pelo
irritante barulho de fundo, começo a andar em volta da sala. Alguma
porta deve existir. Tem que existir. Numa das paredes da sala está um
daqueles painéis usados para se ver os negativos dos raios-x, e nenhuma
saída ali.
Nem numa das paredes ao lado dessa, que está repleta de
equipamentos. A parede ao lado dessa está limpa, nada ali. A porta
deveria estar ali. Li em algum lugar que a porta de qualquer sala da
cirurgia não pode estar obstruída por nada. Mas ali havia apenas parede,
branca. Me aproximo mesmo assim, quem sabe depois de tantas ilusões ou
situações sem sentido, a parede seja apenas mais um truque?
Mas tudo parecia tão real...
Aquela havia sido, definitivamente, a pior escolha que fiz naquela
noite. O [Pip. Pip. Pip. Pip. Pip.] cessou, dando lugar a um
[piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip]....
7
As luzes se
apagam, e dois holofotes acendem acima. Ouço gritos e urros de uma
plateia invisível. Será tudo obra da minha cabeça..? Loucura minha?
8
Os urros continuam, agora ouço palmas também, que vão ficando cada vez
mais fortes. E mais. Até que param. Os holofotes focam, um em mim e o
outro na parede. Do branco cru da parede começam a surgir duas mãos,
braços, cotovelos... um joelho, coxa, pé... abdome, peito, cabeça, outra
coxa, e o outro pé. Trajando roupa anti radiação completa, estava a
mesma figura pálida que me perseguia na estrada. O cabelo negro e oleoso
jogado pra trás, e os olhos negros e mortos. Segurava nas mãos -para
meu espanto total, o que quase me fez perder as forças nas pernas- a
serra elétrica. Recuo na sala, o máximo possível, o holofote me
acompanhando o [piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip] ainda soando ao fundo.
Bato minhas costas numa outra mesa de metal. Desconfio que aquela mesa
seja usada para autópsias. Era quase irônico eu estar encostado ali, com
um sujeito que não precisava respirar vindo atrás de mim com uma serra
elétrica.
[VRUUUUUUUUUUUUUUUUM...]
Ao som da serra elétrica,
desperto de uma espécie de transe e subo na mesa. O sujeito se
aproxima, lentamente, e esperar se torna tão torturante quanto a
situação em si. Ele levanta serra elétrica acima do ombro, e vem se
aproximando. Olho o monitor, que ilustra uma linha reta, sem oscilações.
Sem pulso. Pulo da mesa, para a direita, no momento em que meu atacante
aplica um golpe que corta parcialmente a mesa. Penso comigo 'O que faço
agora?'.
[Acenda a luz. Acenda-a.] Diz uma voz masculina dentro de minha cabeça. [Ilumine-se. Acenda a luz. Agora!]
- MAS COMO VOU ACENDER A LUZ?
Os urros da plateia invisível voltam. As palmas também, e o traje de radiação se curva, nova espécie de reverência malfeita.
[Faça o monitor marcar pulsações. Forneça-o vida.] Diz a voz, dessa vez
parecendo mais distante. O monitor, por sorte, está na parede que fica
as minhas costas. No fim de um cabo está uma espécie de prendedor, que
deve ser colocado no dedo. E o faço. [O Pip. Pip. Pip. Pip. Pip.]
inicial retorna, e o barulho da serra elétrica vai indo pra longe, se
distanciando. Um túnel imaterial surge, como um buraco no plano no qual a
sala se encontra, e suga a figura pálida. E o leva junto. O plano de
fundo dessa falha no espaço é, indiscutivelmente, outra cabine de trem.
A plateia invisível não faz mais som algum. As luzes da sala acendem, e
os holofotes apagam. Da parede branca -a mesma da qual o homem saiu-
surge uma porta.
9
Entro pela porta, que é a única saída
dali, e o medo de que o 'figura-pálida' volte é maior que o medo do
desconhecido. Ao atravessar, sinto-me pesado. Estou num corredor imenso,
e com algumas bifurcações em certos pontos, várias janelas estão
espalhadas por toda sua extensão. Estou no lugar onde meu avô ficou
internado durante minha infância. Em uma daquelas salas, preso numa
camisa de força, gritando e pedindo ajuda à Deus. A família não ligava
muito pra ele, então sua prisão acabou sendo seu túmulo. Ele morreu com
78 anos, com pneumonia.
Coloco-me a andar pelo corredor.
10
Meu pai me parou o carro e saiu, e eu o segui. Estendeu sua mão e eu a
agarrei. Juntos, atravessamos aquela rua que dava no Hospital Estadual.
Duas ambulâncias haviam acabado de parar, com as sirenes ligadas e com
as luzes fazendo com que tudo na rua parecesse vermelho. E azul. E
vermelho... Após cinco degraus de escada(havia também uma rampa para
deficientes) entramos no hospital e aguardamos um tempo na recepção.
Fiquei lendo um livro com gravuras, cujo nome era Alice no País das
Maravilhas, enquanto meu pai falava com uma mulher vestida de branco.
Passados alguns minutos meu pai me chamou, e a moça vestida de branco
-uma enfermeira- nos guiou até a ala Psiquiátrica do hospital.
Era
longos corredores, repletos de salas. Na primeira ala estavam apenas
camas, com salas não muito equipadas, e alguns homens e mulheres -todos
em branco- circulavam. Alguns gordos e altos, ou baixos, alguns magros.
Algumas pessoas que não estavam vestidas de branco andavam por ali
também. Principalmente mulheres que pareciam ter comido de mais, e
algumas salas a frente estavam vários bebês. Deitados em pequenos
berços, uma outra enfermeira olhava os bebês e empurrava um carrinho
cheio de ursos e brinquedos. Dentro do carrinho, destacava-se as costas
de um urso de pelo branco. Continuamos andando.
Mais a frente ouço o
grito de uma mulher. É um grito agudo e alto, mas nem meu pai e nem a
outra moça pareceram espantados com isso. Chegamos no fim do corredor, a
base de uma escada. Subimos e chegamos ao nosso destino. Nenhum objeto
pontudo é permitido ali, por isso meu pai deixa as chaves do carro na
com outra enfermeira.
O que vejo ali me aterroriza. Pessoas vagando
com os braços amarrados com um tipo de camiseta especial, e algumas
ainda jogadas em cantos de salas. As portas trancadas, e o suor
escorrendo em suas faces, o ar que encontra dificuldade de chegar nos
pulmões... Paralisado pelo pânico, só volto a andar quando meu braço é
puxado(não com força).
- Estamos quase chegando. - anunciou a enfermeira. - Por favor, não façam barulho.
Meu pai fez que sim com a cabeça, e chegamos na cela. Sala. Sala 213. Ali está...
- Vovô? Que ele tá fazendo ali? Porque vovô tá com aquela camisa
estranha? -falo eu, e meu pai me olha com um misto de repreensão e pena,
mas não ligo muito. Estou olhando vovô, que não parece bem. Muito magro
e aparentemente fraco, começa a tossir e treme(mesmo com o suor, aquela
roupa deve mesmo ser quente).
- Seu avô está doente, filho... ele
veio aqui para descansar. Logo ele vai fazer uma viagem. Todos nós
fazemos essa viagem um dia, e você o verá novamente... - senti carinhos
em meu cabelo, cafunés, que eu não sentia fazia tempo... - Não se
preocupe. Ele vai pra um lugar melhor, e não vai mais sentir dor.
Nenhuma dor.
Isso me confortou um pouco. Mas a visão daquela sala
nunca realmente iria me deixar. Na volta pro carro, escorrego no chão
molhado, felizmente longe da escada. A dor, na hora da queda, não se fez
presente, mas mesmo assim me levaram pra uma maquina estranha.
- Não respire agora. -Disse um homem vestido de branco. Uma enfermeira homem. E eu não respirei.
Meu pai me pegou no colo, depois que eu pude respirar novamente, e me
levaram pra um dos quartos. Duas camas e uma televisão, duas mesas, duas
cômodas e um ventilador de teto. Minha cama dava vista da janela, que
infelizmente era uma parede de tijolos a vista. Ao lado da minha cama
estava uma criança magricela, uma menina loira de olhos claros. Deveria
ter a minha idade. Estava coberta e adormecida, e na cômoda ao lado da
cama estava uma boneca -também loira, feita de pano, sentada em um
ângulo estranho, como se as pernas estivessem quebradas-.
Tempo
depois aquela enfermeira homem -que meu pai chamava de Doutor- chegou
com um papel preto nas mãos. Era uma perna! E o colocou sobre um quadro
branco, e ao apertar uma tecla -daquelas que se usam pra acender as
luzes- o quadro se acendeu, revelando o que era a foto de ossos. De
prontidão entendi que aquela era a minha perna, e Doutor disse que um
osso havia saído um pouco do lugar quando escorreguei.
-Deve
repousar por enquanto, e logo voltarei para dar um jeito na perna de seu
filho. Teve sorte, o menino, -disse Doutor sorrindo- por não ter
quebrado nada. Descanse por agora.
Foi o que eu fiz naquela noite,
até que meu pai e Doutor voltassem. Ele disse, como quem pede desculpa,
que iria doer. E aconselhou que prendesse a respiração. Eu o fiz, e
senti a uma mão no meu ombro. Estranho era que meu pai e Doutor estavam
na minha frente, e antes que pudesse olhar para trás e ver de quem era a
mão, gritei.
Quando eu acordei, já era noite, e mamãe estava ali também.
11.
Era noite. O homem pálido, a coisa que não respirava, fitou o garotinho
enquanto dormia. Atrás dele estava um estetoscópio, e um cobertor azul
claro cobria sua perna machucada. [Esse vai servir.] Fitou o menino, em
seu sono... e decidiu plantar a semente. Deixou, aos pés do menino, um
lírio. A garotinha ao lado da cama do menino tinha seu lírio quase seco,
quase morto... A boneca estava fazendo um bom trabalho. Bom trabalho.
Ouviu um som chegando no corredor. A mãe do menino. Ao amanhecer daquele
dia, a mãe do menino foi encontrada caída no chão por uma enfermeira,
com o pescoço roxo. O laudo da autópsia foi indiscutível: asfixia. Mas o
homem pálido sabia que não fora asfixia. Ele sempre sabia. Três dias
depois, o lírio da menina loura estaria num cesto de lixo. Seu corpinho
estaria num caixão, abaixo da terra.
12
O corredor,
apesar de longe e frio, me parece familiar. Já estive aqui, mas o lugar
está diferente. Desértico, abandonado e terrivelmente calmo. O silencio
chega a ensurdecer, engolir tudo em sua simplicidade. Uma brisa
refrescante, que aparentemente não tem origem, que me acompanha pelo
caminho. Isso não me assusta, porém...
O medo vem, ao todo e incrivelmente agonizante, do Homem Pálido que vem me perseguindo desde aquela estrada maluca. E o trem...
[Cuidado com o que imagina, menino.]
Cuidado com o que imagina? Uma voz dentro de minha cabeça, a mesma voz
que me ajudou na sala de cirurgia, começa a trocar pensamentos contínuos
comigo. Alguns desconexos, sem sentido. Continuo a andar, mas não por
muito tempo. Uma sala me chama a atenção. O número, embora apagado e
mascarado pelo tempo, se torna legível pra mim.
213.
Duzentos e treze. 213.
Ali dentro estão algumas caixas, uma cama bagunçada e suja, e alguns ossos...
[Pare.]
Não paro. Preciso saber o que aconteceu ali.
[É forte demais para você, menino.]
- Eu já não sou mais um menino. - digo em voz alta. -Eu me lembro
daqui. Anos atrás... De fora da sala posso ver a escada que leva pra
baixo. Vejo dois espectros passando no corredor. Um sujeito alto, de
terno, e um menino com um exemplar de Alice no país das maravilhas
debaixo do braço direito. Estão vindo em minha direção.
[Desista, menino. Não faça isso, tens somente a perder.]
Ignoro a voz, que outrora me salvou. Atravesso a porta da sala, e o que vejo me faz cair de joelhos e chorar.
13
O Homem Pálido está no trem, perguntando-se como foi que o Menino havia
prolongado sua vida. Aquele buraco que o sugou o surpreendeu. De onde o
menino teve a ideia de fazer com que o coração batesse novamente? Isso o
enfraqueceu. Mas ele ainda estava forte, e tinha que buscar o menino.
Sem mais serras, sem mais foices ou estiletes. Agora iria sozinho, sem
nada.
Com as mãos fez um hexágono no ar, abrindo um caminho. Viu o
menino no corredor do hospital. [O mesmo lugar onde matei duas pessoas
de sua família, menino.] Pensou consigo mesmo. O menino estava a ponto
de entrar na sala 213, onde uma das mortes tinha acontecido, quando de
repente parou. Uma oscilação na imagem aconteceu, o que espantou
novamente o Homem Pálido. Nesse momento, ele estendeu a mão direita e
agitou-a por um tempo. Na imagem, apareceram dois vultos, como
fantasmas: Um pai e seu filho.
Mexendo seus fantoches, o outro vulto -o que estava no trem- decidiu testar o menino. Será que ele se lembrava de seu passado?
No momento seguinte, ele teve certeza de que sim. O menino se lembrava.
14
Nada poderia tê-lo preparado para ver o que iria ver dentro da sala
213. No momento em que ele entrou na sala, viu seu avô e (o) doutor o
cuidava. O velho, deitado na cama -e agora sem a camisa de força- tossia
muito, e lhe faltava ar. A pneumonia havia evoluído, e pequenos tumores
tomavam conta de seus pulmões. Estava em estágio inicial, mas a luta
que vinha sendo travada com a pneumonia e a idade avançada faziam com
que a recuperação fosse impossível. A cena avançou, e chegou um homem.
[Pai...]
Ele entrou, assinou um papel, enquanto lágrimas escorriam de seus
olhos. Agora, o velho senhor estava vivo apenas por aparelhos. O
documento assinado pelo pai autorizava que os aparelhos fossem
desligados. Uma anestesia geral fora aplicada, os aparelhos desligados, e
as lágrimas corajosamente foram limpas.
Sentado na beira da cama,
aos pés de seu falecido pai, pediu desculpas. Desculpas por tudo. O
doutor deixou a sala. Sabia, mais que tudo, que o homem sentado ali
precisava de um tempo sozinho. Sua esposa tinha morrido dois meses
antes, e seu filho vinha fazendo fisioterapia. O velho só havia feito
piorar no tempo que ficou ali, o que se iniciou com um surto psicótico,
onde ele alegava que ouvia vozes e via coisas: acordado ou dormindo, e
jurava que eram reais. Logo ele passou a confundir os fatos, datas, e
até mesmo pessoas. Obteve um comportamento violento, dizendo que ninguém
estaria a salvo.
Seu filho, sentado em seu leito de morte, agora acreditava nisso.
A cena avançou um pouco mais, onde um grupo de médicos do hospital
vinha para retirar o corpo. Colocaram-no num grande saco, fecharam o
zíper e partiram dali. Na cama ficaram apenas as marcas do corpo que ali
ficou deitado nos últimos dois meses. Ora, o corpo estava ali, apenas. A
mente fora a muito corrompida.
Numa caixa foram guardados todos os
pertences do outrora enfermo: Porta retratos, roupas antigas, um vaso de
flor -que foi presente de seu neto-...
No chão, debaixo da cama, jazia o que um dia fora um lírio. Apenas a sombra de um lírio. Seco. Vazio.
Morto.
15
Enquanto nosso Menino chorava de joelhos e O Homem Pálido olhava-o pelo
portal que criou, vamos nos direcionar a outra parte da história, que
pode-se chamar de bastidores. Em sua fuga sagaz, o menino estava
inconscientemente navegando por um infinito limbo, durante a noite sem
fim. O vento soprava forte, fazendo com que seu bote a remos balançasse,
os relâmpagos cantavam e dançavam enfeitando o céu. A chuva molhava seu
íntimo, enquanto a múmia do que era o menino agitava-se, febril e
ofegante, a remar. No momento em que o menino adentrou a sala o vento
cessou, a chuva parou, e até mesmo o silêncio não parecia mais
relevante. A noite virou dia.
A criança cresceu. A semente brotou e o
tempo parou. Num paradoxo temporal e termodinâmico, cada átomo e
partícula ali chegou no zero absoluto. A imagem do corpo que pertencia
ao Homem Pálido(observe que agora ele está trajando não mais seu jeans e
sua camiseta: agora ele veste uma capa de cor branca, tão branca quanto
ele. Apenas um fantasma a mercê do nada) contemplava seu prisioneiro,
em sua cela. Cela duzentos e treze. A cada remada mais perto ficava o
menino de seu destino.
Mas que destino era esse? Raramente é gentil, como uma mãe. Como a mãe de todos nós.
[Estrelas brilhando em alto mar, guiando peregrinos perdidos. Imensos astros, distantes de tudo. Distâncias inimagináveis.]
E ali estava o menino, em seu barco que lutava pra flutuar. Mas lentamente afundava. Afundava. Afundava.
Afundava.
Tal como um dia as estrelas vão parar de brilhar. E as flores todas vão
morrer. O Homem Pálido, no trem que seguia ao Destino, fazia com que
seu prisioneiro visse as coisas mais árduas que cercavam sua vida
-direta e indiretamente-, com intuito de fazer seu bote afundar. E
estava conseguindo. Iria conseguir. A lua brilhou no céu, e o calor
voltou. Do mar, golfinhos pulavam e nadavam. Eles também iriam morrer.
Tudo iria morrer.
[Mas não hoje. Hoje não.]
Um relâmpago clareou
o céu, ofuscando a luz das estrelas. A chuva e o vento voltaram, e a
múmia do Menino voltou a remar. Estava deveras perto de seu Destino, e
não iria parar ali. O que fora o inferno de muitos, a lâmina que corta
ou o fogo que queima, a pólvora que explode e o fio da vida que se
rompe(que sempre se rompe) foi a salvação do Menino. O menino cresceu. A
visão do lírio o fez sentir o único sentimento que lhe salvaria de seu
Inferno, de sua morte iminente. O barco estava furado, e a água começava
a entrar. O pensamento do homem preto foi o seguinte: "É tarde de mais,
garoto."
16
Não era.
17
Levanto-me e me
encaminho lentamente para o lírio no chão. Aquele era o sétimo lírio que
vi em minha vida. Aquele era o único que não vi quando deveria ter
visto, o lírio de Vovô. Apanho o lírio e o esmago, com raiva pairando
sobre mim. Raiva. Sento na cama, e levo a caixa ao meu colo. O que vejo
são lembranças mortas. Um porta retrato mostra uma cerimônia de
casamento, vejo meu pai e minha mãe, ele de terno e ela de
vestido(verde, não branco). As alianças douradas em seus dedos. Vejo
vovô em pé ao lado de minha mãe, e minha avó, tios e tias.
(Futuramente, meu pai me diria que eu estava a sete meses exatos de nascer, no dia que o casamento ocorreu)
Segurando o porta retrato, abro-o e tiro a foto, guardo-a comigo. Não importa o que aconteça, eu iria levar essa foto comigo.
([Bravo, Menino])
De dentro da caixa tiro também um boné. "Natal de 2000. O nascimento de
meu neto!". O natal de 2000 foi, sem dúvida alguma, a data mais
comentada por minha família durante anos. Coloco-o na cabeça.
Tiro
uma caixinha de som, não uma das convencionais, com bailarinas. Essa
tinha um espelho. A música começou a tocar quando abri a caixinha. Era
música clássica, a Quinta Sinfonia de Beethoven. Meu pai adorava aquela
música.
([E a música acalmava o avô no meio das crises])
Olho o
espelho, enquanto a música toca, esplêndida. O que vejo no espelho fez
com que eu quase soltasse a caixinha no chão. Quase. Vi meu rosto
mutilado, cortado e roxo. O Homem Pálido me olhava caído no chão e ria,
gargalhava. Com um estilete e um maçarico nas mãos. O homem de negro
ativou a chama do maçarico, e começou a se agachar. A chama nas mãos,
próxima a minha face... Sinto o calor, chamuscando minha pele...
O espelho quebra, a música continua tocando, agora como trilha sonora, junto com uma risada amarga que começa a vir de longe.
([Não havia como ele como levar a caixinha junto, mas levaria a música na alma.])
A mesma voz que me salvou na sala de cirurgia me diz para correr.
Eu corro.
18
Corro pelo mesmo corredor pelo qual passei quando criança, e o
sujeito(agora com capa branca, parecendo apenas um clarão branco no
cenário) atrás de mim. Ele vem numa fúria e velocidade inacreditável, e
vai me alcançar logo. Preciso encontrar um jeito de sair daqui, preciso
encontrar um jeito. Preciso.
Desço a escada sem tropeçar, sem parar
pra nada. Passo pela maternidade tão rápido que nem sequer paro para
respirar. E então estou na pediatria. No mesmo lugar que fiquei após o
pequeno acidente com minha perna. Sei que devo sair daquele hospital
horrível, mas entro na sala onde minha mãe morreu. Onde aquele menininha
loira morreu. Ali está escuro, o silencio domina a sala. Aquele recinto
era um universo a parte, e eu estava ali. Entro e fecho os olhos. Me
sento no chão(frio) e espero. A espera é mais difícil que a morte ou a
dor. É uma tortura quase inigualável: esperar por algo ruim que vai
evidentemente acontecer.
Meu perseguidor chega segundos após eu ter
me sentado. Não o vejo, apenas o ouço. Sinto-o atrás de mim, ele me
olha. Mas eu vejo apenas o escuro.
- Quem é você? -eu pergunto, não
de fato curioso. Mas quero saber o que era aquilo, que me fez passar
pelos piores momentos de minha vida.
- Eu sou o frio, Menino. Sou o
medo. Sou a personificação do mal. A antítese da luz. Sou um paradoxo.
Sou a expressão do sobrenatural, que nasceu do medo dos humanos. Vivo a
presentear o mundo, Moleque. Vivo a matar os que estão nesse mundo de
trevas, a cortar cordões e tecer panos funerários. Sou parte de você.
A resposta, não mais que inesperada, fez o Menino estremecer ali. O
Homem pálido, então, era a própria humanidade. A serpente que engole sua
cauda.
- Porque faz isso?
- Todos fazem. Pessoas morrem
diariamente. Seja por fome, por sede, por doenças. O mundo não tem mais
amor. Não tem mais piedade.
- Você está errado. -digo, inseguro, em tom de poucos amigos.
(O que era verdade)
Mas eu sei que ainda existe amor no mundo, que ainda existe vida, e
luz. Sei que o mal cresce todo dia, e a morte se apresenta em mais
lares. Mas sei que ainda existe salvação.
- Deixe eu lhe mostrar uma
coisa, senhor. - Levantei-me e mostrei a foto, com a mão que estava
torcida, mas nesse ponto a dor era nada mais que insignificante. - Veja
isso.
O Homem de capa branca olhou. Ele fez que sim com a cabeça.
- Matei-os quase todos. O que quer de mim, criança? - O homem sabia o
que ele queria. - Chegou longe e lutou bravamente até aqui. Foi mais
corajoso que muitos no mundo.
Fui? Fui mesmo? Também tive sorte...
- Quero piedade. Se o mundo está escasso disso, dê o exemplo. - Choro. - Se o mundo está ruim, mude-o.
Mas eu sei que era impossível que o Homem Pálido mudasse o mundo. Ele
era, afinal, um reflexo do mundo. A parte conturbada. A parte ruim,
perturbada.
A verdade é tão simples que chega a doer, que chega a
queimar. Precisamos nós mesmos mudar o mundo, e assim O Homem Pálido
poderia deixar se ser pálido. Ele representa a nós, e somos nossos
próprios terrores.
O homem sorriu, dessa vez não de modo macabro, e disse:
-Exatamente. O mundo precisa mudar, mas eu não posso fazê-lo. Mas posso
fazer algo por você. - Ele me contou seu acordo. Eu fiz que sim com a
cabeça.
- Vai cumprir seu acordo, senhor?
- Se cumprir o seu, irei. - Disse-me ele, estendendo o lírio. Apanho o lírio, cheiro-o, seguro-o em minha mão machucada.
O sujeito virou as costas e saiu andando, deixou a capa cair, e
surgiram asas. Um anjo da morte. Um anjo macabro, mas era apenas o nosso
espelho. Não mais que isso.
Piedade não é amor, eu sei. Ele me
alertou antes quando me disse o acordo que tinha em mente. Mas piedade
já poderia mudar muito. Eu cumpri meu acordo: fiz o possível parar
melhorar o meio no qual eu vivo, fiz o possível para viver melhor, para
ser justo, para ser bom. Daquele dia em diante, meus medos foram quase
todos embora. Quase. O lírio foi plantado acima do túmulo de meu avô, e
floresceu. Anos mais tarde plantei um no hospital também, e em meu
jardim. E na escola onde estudei quando criança.
Mesmo que singelos,
os lírios estavam lá. E o Homem Pálido nunca realmente me saiu da
cabeça, ele estava lá, como um aviso. Um aviso bom e preocupante. Ele me
disse que somente a humanidade pode mudar o mundo, mudando a si mesma.
Ele estava certo.
Nos anos que se passaram até minha morte, descobri
que nos apegamos mais a vida quando estamos perto da morte. Por isso
vivi intensamente após conhecer aquela espécie de anjo incrivelmente
pálida. Ele disse que a morte é um presente: libertação. E isso também
era verdade.
Não importa o quanto o tempo passe, ou o que façamos,
sempre vai existir o bem e o mal. Mas isso não importa, não é tudo ou
nada. Bom ou ruim. Preto ou branco.
Existe bem e mal dentro de cada
um, tal como existem monstros dentro de cada um. Devemos fazer o melhor
para que o monstro não vença, que o bom(ou pelo menos o que é justo)
predomine. Aprendi que a vida é uma só, então devemos fazer o melhor ao
nosso alcance.
E assim saberemos que os outros o farão também.
Piedade não é amor. Mas para um mundo escuro, uma fagulha de fogo é uma
estrela, que brilha infinitamente em seu esplendor. Eu nunca mais vi um
lírio morto. A caixinha de som me foi enviada pelo correio alguns dias
após o acordo, o espelho estava agora concertado.
No envelope que chegou junto da caixa não havia nome algum escrito. E eu entendi a mensagem:
Poderia ser destinada a qualquer um.
Nenhum comentário:
Postar um comentário