quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A última porta

Era noite. A estrada que cortava aqueles pastos estava completamente vazia; somente a luz da lua ali se encontrava. Ao longe, eis que surge uma luz, amarelada. Era um carro, cortando velozmente o cenário.
No interior de um poderoso carro conversível, estava Milla Opranovich. Milla era um daqueles homens bem-sucedidos em um determinado ramo e, por causa da gama de dinheiro que possuía, se sentia superior aos demais. Desrespeitava leis de trânsito e de segurança, ameaçava a todos e subornava os policiais para nunca ir preso.
Ao longe, Milla avistou uma pequena e suja cabana, que parecia um restaurante de beira de estrada abandonado. Aproveitando que necessitava urgentemente de ir ao banheiro, freou o carro na porta do restaurante, e dali desceu.
Fitou o restaurante. Feito de madeira, àquela altura, podres e soltando-se, parecia desmoronar a qualquer instante. Por entre uma das frestas do chão de tábua corrida, surge um rato, passando veloz entre as pernas de Opranovich, que, ao vê-lo, saltou-se de surpresa. Após a passada do rato, sentiu-se enojado; entretanto, a necessidade de usar o banheiro era superior, e precisava controlar o nojo.
Utilizando-se de um lenço de papel, segurou a velha maçaneta da porta de entrada do restaurante e girou-a, abrindo a referida porta. Adentrou no local, deixou a porta bater, dobrou o lenço e guardou-o no bolso do paletó. Caminhou pelo local evitando tocar nas coisas, exceto quando necessário.
O restaurante estava completamente vazio, tendo apenas algumas teias de aranha e um amontoado de ratos e baratas. Por toda sua extensão, se encontravam bancos, cadeiras e mesas quebradas ou viradas. Junto dos móveis, comida em estado avançado de putrefação e cacos de vidro, provenientes dos pratos e copos quebrados. Sobre o balcão, se encontravam pratos de comida e copos intactos, parcialmente cheios, como se tivessem sido esquecidos ali às pressas.
O cheiro da comida entrando em decomposição era desagradável, e Milla acelerou os passos, a fim de dali sair o mais rápido. Queria ali permanecer o mínimo possível.
Atravessou o restaurante e adentrou na primeira porta à esquerda, onde se encontrava escrito “W.C. MASCULINO”. Abriu a porta. O cenário estava completamente tomado pela escuridão. Milla apertou o interruptor. As luzes foram acendendo aos poucos, mostrando ao mundo um imenso banheiro, com diversas portas laterais, que iam de encontro à parede oposta.
De imediato, veio ao nariz de Milla um forte cheiro acre, proveniente provavelmente da urina acumulada deixada pelos antigos usuários daquele local. O homem percebeu ter algo a mais naquele cheiro; parecia ser algo pútrido; todavia, de imediato, pensou ser proveniente do restaurante, ou de algum vômito ou comida esquecida por ali. Opranovich enojou-se novamente ao sentir o cheiro enjoativo. Prendendo a respiração, caminhou pelo banheiro.
  A luz do banheiro piscava incessantemente, o que demonstrava que poderia apagar a qualquer momento.
Opranovich adentrou no primeiro box, entretanto, o vômito ali esquecido fez-lhe sair rapidamente do local. Imaginando que os primeiros boxes estariam todos tomados por nojeira alheia, caminhou até os últimos boxes. Assim, pensou, não se depararia mais com sujeira alheia, ou a probabilidade seria infinitamente menor.
Milla adentrou na sétima porta da direita, de um total de catorze. O local só possuía um vaso sanitário. As paredes laterais eram divisórias, enquanto a porta era um pequeno box, que não tampava por completo o usuário. Milla abriu as calças e postou-se a utilizar o vaso sanitário. Enquanto urinava, percebeu, entre os vários escritos na parede, um deles, que logo chamou sua atenção. Com letras quadradas e grandes, não parecendo arte de pichadores, estava escrito:

ESQUEÇA A ÚLTIMA PORTA

Acreditando ser obra de crianças, Milla ignorou os escritos. Repentinamente, para surpresa sua, eis que uma das portas dos boxes range. Opranovich olhou para trás. Não havia ninguém. Deu de ombros, e voltou o foco do olhar para o vaso sanitário. Em seguida, o barulho repetiu-se. Postou-se novamente a fitar o corredor. Desta vez, mais precavido, perguntou:
- Tem alguém aí?
Não houve resposta. Novamente, voltou o foco do olhar para o vaso sanitário. Entretanto, eis que surge um poderoso baque, ampliado pelo vazio quase que absoluto do cenário. Milla sobressaltou-se.
Recuperando-se do susto, Milla fechou a calça e partiu do local. Abriu a porta do box e fitou o corredor. Completamente vazio. Deu de ombros. Postou-se a voltar ao interior do box, quando algo lhe chamou a atenção. No lado externo da porta estava escrito, com alguma tinta de um vermelho vivo:

ESQUEÇA A ÚLTIMA PORTA

Opranovich iria ignorar mais esse aviso, todavia, ficou surpreso ao descobrir que a tinta que faz os contornos das letras do aviso era, na realidade, sangue. Passou o dedo indicador nas curvas das letras. Percebeu que o sangue era fresco. No chão, logo abaixo da porta, uma poça avermelhada.
Para surpresa – e sobressalto – de Milla, eis que um segundo forte baque acontece. Desta vez, entretanto, o homem percebeu claramente a origem do barulho – a última porta à direita daquele estranho banheiro.
Milla percebeu que a porta rangia incessantemente, em um vaivém igualmente constante. Caminhou até o local. A luz começou a piscar com mais intensidade. Os acontecimentos daquela noite eram mui estranhos, e tudo girava em torno de um cerne – a última porta daquele banheiro. Era mister descobrir o que ali se encontrava.
Opranovich caminhou entre o som do ranger constante da referida porta. Não estava nervoso; apenas temia ser alguma brincadeira de mau gosto, ou uma armadilha.
Chegou à frente da porta; naquele instante, a mesma se encontrava completamente fechada. Estranhou o fato, pois a mesma se encontrara em um vaivém interminável. Percebeu haver escritos na parte externa da tão referida porta, feitos do mesmo material que o anterior. Assim estava escrito:

NÃO ENTRE

Temendo ser alguma armadilha, Milla chutou com força a porta, quase a arrancando das dobradiças. Naquele instante, foi revelado ao homem o que se encontrava no interior daquele tão falado box. Havia um objeto grande e pesado, com silhueta humana, dependurado no ar por grandes fios esbranquiçados, que pareciam ser teias de uma poderosa aranha. No centro, um facão se encontrava fincado no centro do objeto. Dali, outrora, jorrou sangue, vertendo do ferimento em direção ao chão. Rapidamente, Opranovich percebeu ser um ser humano – na realidade, uma criança, de, no máximo oito anos de idade. Cabelo redondo e liso, olhos àquela altura vítreos, olhando eternamente o teto insosso do banheiro, pele incrivelmente branca e macia e lábios roxos. Ao fitar o cadáver, um violento cheiro pútrido adentrou no interior de Milla pelas narinas, fazendo-o rapidamente a sentir náuseas. Segurando-se para não vomitar, correu, o mais depressa possível, atravessando o banheiro e chegando a uma das quatro pequenas pias, que se encontravam entre a porta e os sanitários. Ali, não conseguiu controlar a ânsia e acabou por vomitar, sujando o interior da pia com um líquido bege de cheiro acre.
Ofegante e cabisbaixo, abriu a torneira da pia onde vomitara e deixou a primeira remessa de água – suja e barrenta – descer, limpando o local, para depois limpar as mãos e o rosto. Sua respiração voltava calmamente ao normal. Levantou a cabeça, a fim de fitar-se no velho e sujo espelho, que se encontrava sobre as pias.
Naquele instante, Milla novamente sobressaltou-se. Atrás dele, no reflexo do espelho, estava o tal garoto morto na última porta. Entretanto, naquele momento, o garoto estava – ou parecia estar – vivo – seus olhos não se encontravam vítreos, seus lábios não estavam roxos, e sua pele não estava tão esbranquiçada.
O garoto, por sua vez, fitava-o furiosamente.
De sobressalto, virou o foco do olhar para trás. Não havia nada. Aliviou-se.
- É melhor eu sair daqui... – disse, a si mesmo
O homem postou-se a partir do local. Repentinamente, atrás dele, no fundo do corredor, eis que surge um estrondo, como um objeto pesado indo ao chão. Milla virou de costas. Escutou o barulho de algo rastejando pesadamente no chão. Paralisou-se; queria sair, entretanto, os acontecimentos lhe travaram, dali não conseguia partir.
A última porta abriu-se, vagarosamente. Dali, para temor de Opranovich, saiu o garoto, rastejando-se calmamente, apoiado no chão pelas mãos e pés, com a cabeça abaixada. A teia de aranha cobria-lhe a parte traseira do corpo por completo. Da aberração provinha um amedrontador gemido, capaz de estremecer as bases de até mesmo os homens mais céticos.
O garoto adentrou no corredor e postou-se a caminhar vagarosamente em direção ao lado oposto do banheiro.
A aberração atravessou o corredor em uma velocidade incrivelmente baixa. Pelo tempo demorado pelo mesmo para realizar tal feito, era possível que Milla se encontrasse longe o suficiente de onde estava. Todavia, o pavor gerado pela visão nefasta daquele ser fez-lhe ficar completamente imóvel; fitava-o constantemente, enquanto seu corpo tremia com mais intensidade, com mais velocidade. Parecia que seu corpo não iria se aguentar em cima das pernas e iria desabar.
Opranovich só conseguiu restabelecer o comando de seu corpo quando o garoto já se encontrava perto o suficiente. Percebendo não ser sensato se encontrar suficientemente perto daquele ser, Milla correu em direção à porta. Tomado pelo desespero, se encontrava com as mãos suando. Rodou a maçaneta e tentou-a puxar, mas não logrou êxito. Imaginou ser por causa do suor das mãos, entretanto, lembrou que conseguiu rodar a maçaneta. O problema era outro...
“Milla estava urinando na sétima porta à direita, quando, repentinamente, eis que surge um poderoso baque, ampliado pelo vazio quase que absoluto do cenário. O homem sobressaltou-se”. Essa cena voltou como em um flashback, à mente de Milla. Merda, pensou o homem. A porta trancou-se com o baque lembrado no flashback, constatou.
Escutando o gemido assustador da aberração logo atrás de si, Milla virou-se, dando as costas à porta. Percebeu que o garoto se encontrava a poucos passos; espremeu-se contra a porta. A cada passo que a aberração dava em sua direção, mais Opranovich se espremia contra a parede. E o garoto foi chegando, chegando, chegando... Quando se encontrava a três passos de Milla, este começou a gritar, enquanto tentava chutá-la:
- Sai, sai, sai!
Os gritos foram se tornando mais fortes à medida que a aberração foi findando a distância entre si e Opranovich. Os gritos se tornaram mais fortes, mais fortes, até um momento em que um único som, irreconhecível, tomou conta do cenário, antes de o mesmo ser tomado novamente pelo obscuro silêncio que ali outrora reinava

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