quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O último banho


Inspirado na obra de Nelson Rodrigues (Banho de noiva – edição de 1992)

 
O ÚLTIMO BANHO 
Obs: Humor negro e/ou terror

 
     Em menos de duas semanas, Camilo e Sandra seriam marido e mulher, e devido aos preparativos para o casório, ambos não trocavam carícias com a mesma frequência de antes, o que deixava o rapaz aflito. A família da noiva, composta por numerosos italianos lúgubres e observadores, olhavam-no com ares inconstantes: Ora com sorrisos, ora sérios, de cenho franzido... O rapaz só conhecia os pais de Sandra e sempre achou que fora mal visto por eles. Mas agora, a casa da noiva estava cheia de parentes, vindo especialmente para assistir ao casamento.
     Sandra era moça casta, bela, com traços firmes e voz doce, assim que Camilo pôs os olhos nela sentiu-se enamorado e desejou estar ao seu lado para sempre. Os pais do noivo vinham do interior paulista e sempre foram muito ocupados com as finanças e empresas da família. Tal fato deixava o rapaz com certa carência afetiva, tanto era, que decidiu casar-se com Sandra quando ambos mal haviam completado seis meses de namoro. 
     O casal namorava à moda antiga com os pais da moça os observando, o que deixava Camilo louco para casar de vez e ter sua tão cobiçada privacidade com Sandra. No entanto, nos últimos dias ambos viam-se poucas vezes e quando conseguiam falar, eram observados por olhos muito mais desconfiados dos familiares da noiva, e esta, por algum motivo apresentava algo diferente nos modos, uma mudança que Camilo não sabia identificar. Em uma noite,  Sandra lhe fez perguntas que só comprovavam suas cismas de que algo havia acontecido com ela:
     - Quando você toma banho, usa espoja, escova ou só as mãos para limpar-se? – O rapaz surpreso com tal pergunta, respondeu sorrindo tentando não mostrar seu espanto.
     - Não sei, nunca prestei a atenção e...
  - Como não prestar atenção em algo tão importante como o banho? – Camilo foi interrompido por Sandra que após dizer tal frase cruzou os braços resoluta, mostrando indignação.
     Naquele dia, não houve beijos, carícias, nem juras de amor. Camilo voltou para casa mais cedo, pensando que a família da moça a enchia de recomendações e que tal pergunta e curiosidades só podiam ser influenciadas por eles, afinal, Sandra o amava e ele sabia disso.
     Em casa o rapaz tratou de tomar um banho refrescante, mas enquanto se molhava pensava: “Acaso exalava algum mal cheiro próximo de Sandra? Esse seria o motivo de tal questionamento?”. Reflexivo o moço tratou de passar bastante sabonete e escovar os dentes com afinco.
     Dias depois, novamente as perguntas a cerca da higiene pessoal de Camilo se repetia, mas agora, era a família da noiva que o questiona, à mesa, quando todos se reuniram em um jantar na casa de Sandra. A conversa seguia  agradável até que o assunto surgiu:
     -... Mas diga-me, quantos banhos você toma por dia? Banhar-se é muito importante, a higiene em primeiro plano hum? Higiene! Higiene meu rapaz! – O pai da noiva falava apontando para ele.
     Camilo não entendia o porquê de tais questionamentos e uma reação boba e súbita o deixou constrangido, sentiu que as maçãs do rosto esquentavam, e logo tal constrangimento aumentou quando a avó de Sandra disse, apontando a faca de mesa que segurava em tom explicativo, mas que Camilo tomou como ameaça.
     - Ecco! Un uomo pulito, tenere pulita la vagina della ragazza. Nessun infezioni.
     Camilo engasgou-se. Como alguém poderia falar em manter limpa a vagina... Infecções... Ali à mesa de jantar na frente de todos? Ele questionava-se.
     Aquela noite foi péssima para o rapaz que não conseguiu dormir, ficou rolando na cama vendo a velha “nonna” da noiva ali no banheiro, dizendo que se ele não se lavasse bem e sua neta contraísse alguma infecção, a velha em pessoa, iria cortar fora os testículos dele.
     O moço, sobressaltado e suado, sentou-se na cama e lá ficou pensando enquanto o relógio devorava o tempo. Pela manhã, iria ensaiar na igreja para o casamento e sentia-se cansado e abatido. 
     Mas, assim que o sol surgiu, levantou decidido: Tomaria um banho para ninguém pôr defeito, lavaria cada dobra, usaria escova para alcançar as costas e escovaria os dentes de forma que estes reluzissem de tão brancos. E assim deu início àquela tarefa.
     A água morna caia sobre seu corpo, o cheiro de sabonete o deixava animado e ele até gorjeava, uma canção italiana muito popular de nome Nessun Dorma. No entanto, em meio a essa atividade, sentiu como se os olhos inquisidores da família de Sandra estivessem sobre ele e começou a esfregar-se com mais intensidade. Escovou os dentes com tanta força que sua gengiva sangrou e passou a questionar-se: “Estou limpo?”, “A família de Sandra me verá com bons olhos hoje?”, “Levarei alguma infecção para ela?”  
     Este último pensamento o fez segurar com força o seu órgão genital e puxar a glande o máximo que pôde, então Camilo esfregou feroz, não sentia dor alguma, o desejo em agradar era maior que tudo. Sentia sim uma intensa excitação atrelada ao desejo em ser aceito, bem quisto, ao mesmo tempo, era como se estivesse tomado por demônios e logo, friccionou firme com as unhas o couro cabeludo de forma que as primeiras gotas de sangue começavam a cair, e fez o mesmo com os braços e pernas. A cada vez que lembrava do rosto dos parentes de Sandra, esfregava mais forte, e mais forte, e mais forte... Camilo em transe, não via sair sangue de si, via uma lama escura e, gritava em desespero:
     - Eu sou um porco! Um porco!
     Os braços, cabeça e pernas já estava feridos, mas ele não conseguia parar de esfregar com as unhas e escova. Em certo momento, o noivo em seu desejo de ficar limpo e ser bem aceito, escorregou e bateu a cabeça no vaso sanitário ficando inconsciente.
     Na igreja, a noiva era “consolada” pelos seus familiares devido ao atraso de Camilo. Sandra escutava as seguintes palavras:
     - Minha filha não chore este homem não é para você. – dizia o pai. - É... Faltar ao ensaio de casamento não é bom, não é bom! – a mãe falava passando as mãos nas costas da filha, que aos prantos, escondia o rosto entre as mãos. Mais a frente, à avó gritava: - Questo ragazzo non é per voi! Questo ragazzo é un maiale! Un maiale! Capiche? – E o avô atalhava com o mesmo fervor: - Maledetto! Figlio di un Putana! Un Putana!
     Sandra muito triste, só conseguia lamentar e tentar imaginar uma razão para ter sido abandonada, no ensaio do seu tão sonhado casamento.

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