sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Um Breve Conto Da Morte

Velho, sozinho, cansado... Era um Homem que passou os dias de sua vida a chamar a concubina dos aflitos, aquela que desata os nós indissolúveis e põe fim às agonias infindáveis. Sentado em sua velha cadeira, vendo o sol se despedir do céu, tornando-o rubro como o solo das mais ferozes batalhas, sentiu, finalmente, o ar frio encher seus cansados pulmões e aquietar seu triste coração.
– Demorou, minha cara – disse o Homem.
– Desculpe-me, meu velho – respondeu a negra senhora, com a mais doce das vozes. Meu trabalho é árduo e a fila sempre longa...
– Mas passei a vida toda a te chamar...
– E, agora que vim, irá clamar pela Vida?
– Não seria capaz de tal traição, nobre mulher. A Vida, por toda minha vida, deu-me as costas. Privou-me de suas ternuras e nunca me mostrou o calor de seu olhar... Deixou-me a míngua, padecendo de fome e sedento de sua compaixão. Procurei esses anos todos, a doce melodia cantada pela Vida, mas perdi a audição e tal cântico me permanece desconhecido. Voltei meus olhos para a terra e para o céu, procurando algum significado nessa penosa existência e, nada, nada me foi dito. Por isso sempre te chamei, minha boa senhora, por isso que a amo. Pois encontro mais amor na Morte do que em toda a Vida.
– Meu triste coração, castigado pelo negro ofício de transformar riso em pranto, aquece todo meu ser ao ouvir tais palavras – seus olhos fundos e negros faiscaram com uma melancolia que seria capaz de ser maior que o próprio universo e continuou. Carrego o mais pesado dos fardos, sou vítima das orações, sou a “indesejada das gentes”... Sou clamada em momentos de tristeza e desespero, por vozes abafadas pelo choro ou pela insanidade... Com aquilo em sua face, que parecia um esboço de sorriso, singelo e misterioso, olhou profundamente para o homem e lhe perguntou:
– É, então, meu nobre Senhor, de lúcida e espontânea vontade que me estende essa tua mão, cansada de pedir pela Vida e calejada de limpar o suor desse enrugado rosto? É por amor a mim, e não por desapego à outra, que a mim se une, por toda a eternidade?
- Oh, triste Senhora, com meu coração em júbilo tomo tua mão salvadora, que me tira desse eterno tormento e me leva para tão suave e infinito destino.

Com um beijo na pálida e fria mão, desposou a Morte, deixando para trás os despojos de uma carne sofrida para encontrar uma eternidade de luz.

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