quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Benção ou Pesadelo ?

Alguns chamam de bênção, eu chamo de maldição. A eternidade é uma besta tão feroz quanto aquela que carregamos dentro de nós. O que nos move também é o que nos impede de nos mover e o que é belo e bom dura tão pouco quanto se pode lembrar, mas o que é feio e retorcido, tão terrível quanto seja possível de se imaginar, esse, é inesquecível.
Nem sempre fui assim, não, não. A noite me fez como sou, nem mesmo o mais antigo dos amaldiçoados conhece a escuridão tão bem quanto eu. Vivendo nos cantos apodrecidos e desprezados de uma metrópole imponente, nada mais digno e merecido por um ser tão asqueroso e indesejável. Quando vivo nunca fui lá tão belo, mas eu tinha a quem amar e ser amado. Seu nome não importa, não faz mais diferença, se passou tanto tempo. O que lhe aconteceu, ou melhor o que eu lhe fiz é algo que jamais poderei esquecer. Dizem que a primeira gota de sangue fica marcada na alma decaída de um de nós.
Era uma noite calma, tranquila, típica noite londrina, caminhávamos pelas ruelas da cidade as gargalhadas, sempre era assim, sorrisos, felicidade. Senti que éramos observados, um imortal sabe como preparar sua caça, o medo é o combustível. Eu vi algo, meus sentidos simplesmente se desligaram, era tão horrível, não sei nem ao menos dizer o que foi, minha compreensão humana até então não foi capaz de assimilar. Vermelho, tudo ficou vermelho. Quando me dei conta, estava deitado em nossa cama, coberto de sangue. Ela estava ao meu lado, sem vida, bem, algumas partes dela estavam ao meu lado, o resto, espalhado pelo quarto. Aquela cena não me incomodou, levantei-me como sempre, troquei minhas roupas e nunca mais coloquei meus pés naquele lugar, era a besta falando, não eu. Por muito tempo continuei agindo por instinto, o horror que causei não ficou desapercebido e fui proibido de viver na cidade por ameaçar o véu que nos esconde do mundo humano.
Passei a viver nos esgotos e nos cantos esquecidos, me alimentando de animais e drogados que infestam essa região podre da cidade. Eu causo problemas, não sou como os outros, aqueles que tem duas presas e são misticamente belos e envolventes. Não mesmo, eu sou um monstro, um monstro disforme de feições chacais, como se pincelado pelo próprio diabo e consumido pelo ódio daquele que me criou. Quem em mim coloca seus olhos, enlouquece. A compreensão humana é muito vaga e reduzida para entender que seres existem nas sombras que tanto temem. Um velho me viu fora de sua janela, em um beco escuro enquanto eu me alimentava de uma jovem meretriz, apenas um relance de meu olhar foi o que deixei que avistasse, dias depois aquele homem era velado em sua casa. Se matou dizendo ter visto o demônio. Quando me alimento, não é belo como nos filmes, e de gracioso nada tem, eu destroço o pescoço da presa . Sem controle a morte é rápida e extremamente dolorosa. A marca do trauma sofrido pelo corpo permanece no olhar. Olhar tal que permanece marcado em minha memória, não tem como fechar os meus olhos sem ver na escuridão do meu consciente, todos aqueles olhos amedrontados me fitando, se perguntando, por quê?

Hoje vago pelas sombras, pelos cantos mais nojentos e merecidos por mim. Vago em uma busca vã por meus iguais. Talvez seja apenas uma procura desenfreada por algo que desejo encontrar e não por algo que esteja ali para ser encontrado. Talvez não exista um criador, talvez eu não seja um amaldiçoado como todos que encontrei. Posso apenas ser, do diabo mais um capataz

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